22 de julho de 2011

PLANETA DOS MACACOS, O - Pierre Boulle (1963) - retrato da nossa sociedade


O Planeta dos Macacos chamou-me a atenção pelo título, pensava que era uma sátira à nossa sociedade e que os macacos seriam nós... e era mesmo uma sátira, mas não do tipo pastelão (?), e eu nem esperava que fosse ficção científica, ou seja, surpreendeu-me incrivelmente, porque em boa verdade a minha expectativa em relação a ele era muito baixa. 


Chorei quando fechei o livro, tamanho foi o choque, senti-me esmagado pelo desfecho, senti-me desorientado e perdido, tinha passado a noite acordado, não conseguindo largar o livro, e passei boa parte do dia seguinte vegetando, sentindo como se o mundo estivesse para acabar, não conseguindo desligar-me da história. Apenas mais dois livros, que eu me lembre agora, me impressionaram dessa maneira, embora não com tanto impacto: Judas, O Obscuro, de Thomas Hardy e 1984, de George Orwell (que vão ganhar a sua homenagem neste meu espaço); e uma menção honrosa para A Virgem Guerreira de Alberto Moravia. Li O Planeta dos Macacos praí umas quatro vezes na mesma semana, porque precisava de cortar os laços com ele.

Não conheço nenhum outro trabalho de Pierre Boulle, no entanto O Planeta dos Macacos é mais que o suficiente para fazer dele um dos meus maiores ídolos da literatura e posicioná-lo junto daqueles que li muitas obras e gostei de todas ou de quase todas.

O Planeta dos Macacos abre com um casal a fazer vela no espaço, aproveitando os ventos solares. Só essa parte já mostra que a sociedade evoluiu extraordinariamente em termos tecnológicos e serve então para situar a acção. Esse casal encontra uma garrafa a vagar no espaço e apanha-o, lá dentro encontrando um diário, escrito por um famoso jornalista do Séc. XX, Ulisses Mérou. Qualquer um que tenha lido Odisseia, sabe quem foi Ulisses e portanto entende a razão por que o nosso Ulisses aqui foi assim chamado.

Ulisses Merou participara numa viagem experimental intergaláctico e fora parar a uma planeta governado por macacos, preso e enjaulado como um animal, usa a matemática para estabelecer comunicação com uma veterinária macaca desse planeta (temos aqui um louvor à ciência), o resto, têm mesmo que ler.

O Planeta dos Macacos é um louvor à ciência, ao mesmo tempo uma admoestação contra um desenvolvimento científico desregulado do qual resulta pessoas cada vez mais estúpidas e mais preguiçosas, que confiam todo o trabalho à ciência, acomodados e procurando acomodar-se ainda mais. O livro foi escrito em 1963, porém é tão atemporal que parece ter sido escrito ainda na semana passada, porque as situações que ele apontou estão cada vez mais gritantemente irrisórias e são mais fáceis de apontar hoje. Bom, é claro que se ele tivesse escrito o livro hoje, em vez de falar do domínio dos animais, falaria do domínio das máquinas, mas o fundo da questão, de qualquer maneira continua o mesmo, porque não se trata de quem domina, mas do porquê de nos deixarmos dominar.

A sociedade dos macacos n’O Planeta dos Macacos está mais ou menos assim dividida: Os Orangotangos, que impõem e dispõem da sociedade conforme lhes dá na gana, conservadores e receosos da mudança, preferindo governar com dogmas e leis obtusas - aqui, na Terra, os religiosos e governos moralistas e conservadores; os Gorilas, que são a força bruta e mantedores da lei e ordem, poucos propensos a pensar, e são também a aristocracia do planeta, usados pelos primeiros como garantia da sua superioridade – acho que nem preciso estabelecer uma comparação com aqui; os chimpanzés, que são o avant-garde da sociedade, aqueles dispostos a pensar e que apostam na ciência como a melhor maneira de desenvolver a sociedade – aqui os cientistas, visionários (no bom sentido), artistas, etc, todos aqueles que lutam contra os dogmas, fazendo com que a sociedade se molde ao zeitgeist; e por último, o resto da macacada – a massa, amigos, a massaMuitos outros vícios e problemas sociais são referidos no livro.

O Planeta dos Macacos fecha soberbamente, com um muro no estômago, ao mostrar-nos que já nem havia notícia de que a espécie humana chegara alguma vez a ser inteligente, o que não vou explicar como para não spoilar tudo mais do que já fiz.

O Planeta dos Macacos é um livro que deve e merece ser lido por todos, não só por ser profético (não literalmente falando), como porque precisamos mesmo de analisar a nossa sociedade e o rumo que está a tomar, principalmente hoje que estamos tão preguiçosos que precisamos de uma calculadora para sabermos o quociente de 29 a dividir por 7, e nem conseguimos escrever uma carta à mão, porque não tem corrector automático. E na arquitectura estamos a construir casas domóticas para não termos de sair da cama ou diante da televisão. Não vou prolongar mais, porque, amigos, estamos já a viver o planeta dos macacos.
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