22 de fevereiro de 2017

TENTANDO ENTENDER... A NACIONALIDADE

Nos últimos anos tenho visto imensa discussão sobre a nacionalidade. E não estou a falar daquela simples "nacionalidade política" que podes adquirir legalmente, de acordo com as leis de cada país. Mas daquela “nacionalidade emocional" que muitos teimam em complicar, levando-a para o lado mais... racional(?). Já vou explicar-me melhor.

Para começar é preciso definir o que é um país. Um país define-se por um território criado por barreiras invisíveis e fictícias, por sobre a qual esvoaça uma bandeira (que tendemos a adorar como se fosse um deus, ou algo qualquer), regida aparentemente por leis próprias, e convencem-nos que a nossa vida é menos importante do que ele, e que é uma grande honra se morrermos por ele.

PARTE UM:
Hoje somos guineenses, e apregoamos isso aos quatro ventos como se fosse um feito nosso… mas não é, nós somos guineenses porque os colonialistas portugueses nos criaram. Eles chegaram, dividiram a África entre si, tomaram aquele pedaço de terra e disseram que é a Guiné-hoje-Bissau, e quando nos sacudimos da colonização (pelo menos a formal), nem sequer nos lembramos que do outro lado da estrada, onde agora é Senegal, vivia antes o nosso irmão, primo ou melhor amigo… não, começamos logo a dizer que nós somos guineenses e ele senegalês, portanto diferente, e que nós amamos melhor aquele pedaço de terra do que ele, e ele do seu lado proclama o mesmo. Mas por que devo amar apenas a terra que vai até à estrada? Quando chove ou faz sol, a natureza trata os dois lados da estrada por igual, por que faço eu a diferença? Lutamos contra o colonialismo, mas quando nos vimos “livres”, não apagamos aquelas divisões que ele criou na África, mantivemos essas fronteiras como ele as desenhou.

Foto de Neto Tonecas Betchiguê
PARTE DOIS:
A Guiné-Bissau é um pedaço de terra, chamado país, e só é país porque foi reconhecido internacionalmente por um conjunto de países, mais propriamente pelas Nações Unidas, se não fosse esse reconhecimento dos outros não seria país.

Vejamos por exemplo a Palestina, é reconhecida pela ONU como país, mas não por Israel e aliados de Israel. Ou mesmo, vejamos a Guiné-Bissau de 1973, era guineense na ONU, mas ainda continuava portuguesa para Portugal e amigos de Portugal. Então, pergunto, o que faz realmente um país ou cria uma nacionalidade? Utilizemos como referência a confusão que é o País Basco (é basco?, é espanhol?, é castelhano? é país? ou apenas uma região de um país?).

Posto isto aproveito para dizer àqueles que gostam de proclamar aos quatro ventos, que têm quatro avós guineenses ou algo assim, de que estão bem enganados. Porque a nacionalidade guineense nasceu em 1974, antes, os que viviam nesse território ou eram portugueses ou eram nada, e tornaram-se depois guineenses (politicamente) de nacionalidade adquirida.

PARTE TRÊS?
De qualquer forma, a Guiné-Bissau já é um país estabelecido com fronteiras, leis, bandeira e problemas próprios. E muitos já podem clamar, exclamar, proclamar, declamar, conclamar, aclamar ou reclamar a nacionalidade guineense. 

Mas o que faz alguém ser guineense? O que é um guineense?
  1. Será aquele que nasceu no território da Guiné-Bissau, podendo ter vivido lá o resto da vida ou mudado para outro país?
  2. Será aquele que viveu lá por algum tempo ou durante toda a sua vida, mesmo não tendo lá nascido?
  3. Será aquele que obteve os papéis legais que confirmem a sua nacionalidade?
  4. Será aquele que ama aquele território, não importando se nasceu lá ou não?
  5. Será aquele que nem sequer conhece aquele país, mas só porque um dos pais nasceu lá, ou ambos os pais nasceram, sente-se guineense?
  6. Será a “guineensedade” genética, que pode ser herdada dos pais, ou apenas uma construção social?
  7. É mais guineense o guineense que nasce, vive e trabalha na Guiné-Bissau do que aquele que vive e trabalha fora? (E quando o guineense que vive e trabalha na Guiné-Bissau é um político que só está a prejudicar o país?)

Guerra Civil, 7 de Maio de 1999, Hospital Simão Mendes
Podia fazer ainda mais questões, mas não quero aborrecer a ninguém. No entanto, faço esta observação sobre os que se dizem guineenses de raiz, gema e nata, só pelo fato de terem lá nascido. Eu conheço, por exemplo, uma pessoa que não nasceu na Guiné-Bissau, Teresa Montenegro, mas vive “o” país, e faz trabalhos extraordinários para a Guiné, será ela menos guineense que os tais políticos já referidos?

Não sei o que faz realmente a "nacionalidade", para mim continua a ser apenas uma questão legal e política, mas a forma como as pessoas se relacionam entre si ou com o território que habitam vai para além desses enquadramentos (legais e políticos). Por exemplo, eu nasci em Sonaco, e apesar de existirem muitos mandingas em Sonaco (e a terra ter um nome mandinga), eu sinto-me fula, mas vão dizer-me que não sou, porque não tenho pais fulas ou não sei falar fula, mas muitos que não viveram em comunidades fulas já podem ser fulas só porque um dos bisavôs foi. Faz sentido?

Não devemos esquecer que a nacionalidade é apenas uma questão política, que a terra, ou a Terra, não nos pertence, pois vamos morrer e ela vai ficar por cá, portanto, não devemos deixar que questões políticas ditem o nosso relacionamento, principalmente quando esta estúpida questão de nacionalidade é apenas a chama que ateia o fogaréu de nacionalismos e cria um dos vários problemas com que a sociedade global tem de lidar.

Em lugar de “guineense”, cada um pode colocar a nacionalidade que quiser para fazer a questão... e no caso dos guineenses, pode ainda colocar o grupo étnico.