25 de fevereiro de 2016

KRIOL I KA PURTUGIS (KRIOL NÃO É PORTUGUÊS)

Luigi Scantamburlo defende o uso do termo “guineense”, no seu livro, Dicionário do Guineense, para referir-se à língua crioula da Guiné-Bissau. Há diferentes línguas chamadas crioulo, só as de origem portuguesa na África temos o crioulo da Guiné-Bissau, o de Cabo Verde (irmão do primeiro) e os quatro de São Tomé e Príncipe. Então, para marcar e mostrar a identidade do crioulo da Guiné-Bissau, Scantamburlo o chamou de guineense e reforça:  a escolha do nome Guineense para designar a língua crioula da Guiné-Bissau, termo já utilizado por Marcelino Marques de Barros em 1897, ajudará a respeitar melhor o estatuto desta língua, verdadeiramente nacional, veicular e inter-étnica, e a evitar a conotação depreciativa que o termo crioulo tem ainda no país e no mundo.

Portanto, vou reforçar, kriol não é português, crioulo é guineense, kriol, ou seja, o da Guiné-Bissau, que é o motivo deste artigo.

Escrevo isto não porque não se sabe que o crioulo e o português são duas línguas distintas, mas porque me irrita sobremaneira alguns doutos afirmarem que kriol é português mal falado.

“Nossas pai comprastes embora duas quilómetro amanhã de mar preta” é português mal falado, é uma frase sem concordância gramatical, mas com a devida estrutura frásica (sujeito, predicado, complementos e tal), no entanto é mal falado, tanto na gramática normativa como na descritiva, porque não se entende a mensagem. Mas o facto de ser português mal falado (ou escrito, neste caso), não faz dele kriol.

O kriol é uma língua independente e autónoma. Que teve influências do português… é claro que sim, afinal nasceu dele, mas todos sabemos que um filho não é o pai mal formado. Aliás dizer que o kriol é português mal falado é o mesmo que assumir que o português, o espanhol, o francês, o italiano são latim mal falado; são apenas crioulos nascidos do latim.

Uma língua é uma ferramenta de comunicação, para ser entendida e entendível é preciso ser corretamente usada, portanto, uma mensagem numa língua mal falada dificilmente se entende e a maior parte das vezes não se entende. O kriol entende-se independentemente do português, e este independentemente do latim, portanto, nem o primeiro é o segundo mal falado, nem esse o latim mal falado. 

O kriol, ou guineense, mantém algumas características do português arcaico, não haja dúvidas, mas evoluiu, involuiu, mudou, alterou-se e tornou-se independente. Tem a sua estrutura gramatical própria, as suas regras, os seus trocadilhos e as suas figuras de estilo e etecéteras. A forma de construir frases em guineense é diferente da do português, o uso dos verbos, dos tempos verbais são distintos entre muitas outras coisas. Pode-se querer mais autonomia e diferença do que isto?

Bem, mais irritante que o grupo que afirma que o guineense é português mal falado é o grupo que diz que o guineense não é língua, é apenas um idioma. Este grupo pretende com isto que o guineense é inferior a português ou que não tem a sua classe ou a sua importância, e alguns até vão mais longe e asseguram aos aprendizes do guineense (kriol): não tenhas medo de falar 'criolo', 'criolo' não tem regras, não tem gramática.

Deus do céu!, guineense tem gramática e tem regras, toda e qualquer língua do mundo tem gramática (as regras fazem a gramática, a gramática faz a língua), desde o inglês, passando pelo klingon e o dothraki, até ao tatatatatá dos bebés (ok, este talvez não possua uma gramática normativa). Sem uma gramática numa língua não há entendimento possível, e gramática não quer dizer o livro, mas o grupo de regras que sustenta a língua. E idioma é a língua de uma nação; por exemplo, na Guiné-Bissau, o idioma, oficial, é o português, embora o guineense seja mais representativo, enquanto que fula, pepel, balanta, mandjaku, entre outras, são apenas línguas, chamadas errônea e frequentemente de dialetos.

E se económica ou politicamente o português tem mais importância que o guineense, linguisticamente, têm a mesma importância. 

No entanto, fecho este artigo observando que já está mais que na altura de formalizarmos a escrita e a gramática guineense e elevarmos o guineense ao patamar da língua oficial, porque verdade seja dita, é melhor falarmos e escrevermos sem medo e sem entraves uma língua que conhecemos bem, do que andarmos a falar e a escrever tristemente o português (o facebook está aí para provar que não estou a fazer má-língua... e por favor, não confundir má-língua em português com língua mal falada e isso com kriol).

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