12 de janeiro de 2014

HUMANOS CRUÉIS (sextos)

A pobre Terra está impregnada
De cruéis humanos que não prestam,
Que no mal a deixam estagnada,
E urdem tramóias que a infestam.

A pobre Terra está padecendo
Cruelmente por nós destruída,
Pela guerra feroz que está vivendo
Na nossa vontade carcomida,
Que só cria na vida planaltos 
Pois q'remos todos voar nos altos.

Da cruel guerra pelo sucesso, 
Temos a guerra pelo descanso,
Uma guerra intensa no balanço
Duma vida compacta de excesso.

Guerra sem senso, guerra sem nexo,
Guerra interna, mas universal,
Feita com o consenso complexo
duma trama em linha racional,
De gente que lhe teme o amplexo
Mas lhe dá o discurso principal.

A pobre Terra está derruindo
Empurrada plos que nela vivem,
E que ferozes vão destruindo
Os dos melhores que nela existem:

Os patrimónios humanitários
Dos belos sonhos hereditários
De construir um novo p’raíso
Onde não haja mais sofrimentos,
Pra destruir o podre juízo
Que neste mundo cria tormentos.

11 de janeiro de 2014

DESFAÇAM-SE, Ó PRANTOS (soneto)

Desfaçam-se, ó prantos que a vida enfeitam, 
Té a luz já tingiram de tição,
Na esperança teceram a aflição, 
À vida só o sofrimento receitam.

Desfaçam-se, ó prantos que o riso enjeitam,
Serão vós do pecado a punição,
Será cansar os homens a missão 
Que execrenadas lá do inferno aceitam?

Desfaçam-se, ó prantos.. não há mais água
Que dos olhos saia banhando a face,
Foi toda seca pela tanta mágoa

Que presas crava na rota alegria;
E tristes gemidos que o rir enlace
Na sua tartárea enlevação cria.

7 de janeiro de 2014

ANÉIS DE RADBURN - princípio urbanístico

Com o aparecimento do automóvel e a sua popularização, nos anos 20, começaram a aparecer novas questões urbanas. O número de acidentes de peões e automóveis aumentavam consideravelmente, pelo que era urgente e necessário encontrar soluções para esse problema.

Radburn, desenvolvida por Clarence Stein, entre 1928 e 1929, foi planeada tendo em conta o automóvel, como disse Edward Relph (A Paisagem Urbana Moderna, Edições 70),  foi planeada para a idade do motor. No entanto, manteve presente alguns princípios urbanos, como os da  cidade-jardim de Howard e os das unidades de vizinhança de Clarence Pery. Aliás, Radburn reuniu todas as técnicas de planeamentos urbanos desenvolvidos desde 1900.

O Princípio de Radburn apresenta como maiores particularidades à separação sistemática da circulação de veículos e pedestres, a superquadra suburbana que consistia numa área de parque delimitada por casas, com estas voltadas para o parque e para os caminhos dos peões e a ampla utilização de cul-de-sac, e ruas estreitas para velocidadede moderada que permitem o acesso dos automóveis às ruas colectoras.

Stein sintetizou os preceitos básicos de seu modelo de organização espacial em cinco pontos:
1. A substituição dos quarteirões por blocos habitacionais, não cortados por vias;
2. A hierarquização das ruas;
3. Separação da circulação de peões da circulação de automóvel por meio de desníveis;
4. Orientação dos espaços principais das casas para jardins;
5. Criação de faixas de verdura formando um parque ramificado a toda a cidade. A superfície dos jardins individuais é reduzida em proveito de áreas livres para uso público.


Em Lisboa, o princípio é visível em Pedrouços (embora o desenho siga claramente a ideia de cidade-jardim de Ebenezer Howard). Há uma clara hierarquização das ruas, quarteirões não cortadas por ruas, casas contíguas a jardins, faixas de verde que formam uma espécie de parque ramificado por todo o bairro, os jardins privados parecem mais pequenos que o públicos, e aplicação dos culs-de-sac.

E em Telheiras, há zonas em que  também é possível ler o mesmo princípio. O Trânsito é separado, e criou-se espécies de parques dentro dos blocos, servindo de respiradouro e ao mesmo tempo de estacionamento, fazendo os culs-de-sac. A circulação dos peões acontece, em alguns casos, separados da dos automóveis, através de passagens aéreas.



5 de janeiro de 2014

APESAR DO MEU AMOR

Eu jurei que serias sempre tudo,
O meu tudo tu serias sempre;
E falei que iria dar-te o mundo,
O mundo que tenho dentro;
E sonhei vivermos sempre juntos,
Juntos para todo o sempre,
Mas acordei, e foi como um vulto,
Só que na alma te tenho no centro.

Vivi cego te amando,
Criando na mente sonhos belos,
Mas depois fui notando
Que com o real não tinham elos;
Tropeçando, mas avançando,
Continuei a criar no ar castelos,
E com alma fui lutando
Para erguidos lograr sustê-los.

O meu sonho caiu em terra,
Desfez-se em mil grãos de areia,
E da mágoa destempera
Tenho minha alma cheia.
A minha alma triste berra,
A realidade a torpedeia,
E nas mágoas se enterra,
Com dores a andar-me na veia.

Depois de tudo que eu falei,
Pelo céu e pelo mar até jurei,
Pode ser mesmo que exagerei,
Pois té os astros eu invoquei;
Depois de tudo o que prometi,
Partindo fizeste-me mentir,
Apesar do amor que estou a sentir
Vou-te tirar de onde te meti. 

4 de janeiro de 2014

CERTOS NA INCERTEZA (soneto)

Perdido entre a verdade e a incerteza,
Buscando a luz para limpar as ideias,
Os erros são as movediças areias
Que engolem té a ínclita esperteza;

C’o fogo aceso que lume na frieza,
Acendendo na mente intrigas feias, 
Evitando da vida as crenças sérias,
O próprio juízo o pensar despreza.

O homem pensa encontrar a verdade,
Verdade na incerteza camuflada,
A incerteza p’las mentiras criada,

Mentiras feitas p’la arte da inverdade
Que cria o homem para a seguridade,
E a razão do homem é assim burlada.


3 de janeiro de 2014

CLARA DI SABURA, 2011

A Guiné-Bissau não tem uma tradição de cinema muito bem construída, ou construída sequer, são parcos os filmes guineenses, e o único realizador mais ou menos, ou talvez, conhecido é Flora Gomes. Existem alguns filmes e uns pares de documentários que constituem todo o volume do cinema guineense, e, não tenho a certeza, mas não perfazem duas dezenas. E há já um bom tempo que não se fazia um filme com intenção de ser cinema (não conta o último filme de Flora Gomes, Republica di Mininus, com Danny Glover – aliás, escrevi este artigo há já ano e meio), tirando alguns vídeos amadores de teatro-fora-de-palco, com câmaras estáticas, realizados aqui e além por alguns curiosos, os quais, apesar da sua terrível ou ausente qualidade cinematográfica, fazem a delícia dos meus compatriotas, por serem produtos com os quais se identificam. E é claro que gosto de ver alguns deles, mas só porque têm um amigo meu como protagonista.

Ok! É neste meio árido que surge o filme Clara di Sabura, construído com uma mão mais cuidada, porque aspirava a ser cinema, e por isso estou a falar dele como cinema, usando o mesmo padrão de avaliação que uso para os filmes que vejo.

Clara di Sabura é um filme muito amador, adaptado de um poema pseudo-moralista (eu disse pseudo, porque no poema o maior atributo de uma boa mulher é encontrar um homem que a case) e o filme não foge do tema, mantém a mesma linha construída pelo poema e faz um rol de discursos ocos e repetitivos, e apesar de querer mostrar a importância que estudar e formar-se pode ter na vida de uma mulher, não consegue esquivar-se de submetê-la (a mulher, é claro) a um poder masculino (e olhem que nem sou feminista).

Eis a sinopse: Clara é uma adolescente sem cabeça para os estudos, preferindo pôr-se bonita e usar a sua beleza para se safar. E toda, mas toda a gente lhe admoesta, dizendo-lhe que está errada, desprezando-a, tanto à sua frente como ao seu atrás (de maneira que lhe alcunham de Clara di Sabura – traduzido em Clara que Gosta Apenas de Bela-Vida, do Bem Bom, da Facilidade, de Festanças, etc…), e toda essa gente advoga, no entanto, estar preocupada com o futuro da Clara. E um dia (ou anos depois), Clara é chamada para trabalhar numa empresa e não sabe ligar o computador.

Eu sei que a intenção do filme era que fossem genuínas as admoestações que as pessoas faziam à Clara, mas como diz o ditado considju dimas i inveja (demasiados conselhos é inveja), por isso, o efeito que consegue é o oposto do pretendido, o que vemos, após as duas primeiras pessoas terem acabado de falar da Clara (ou com ela), é que ela está rodeada de pessoas invejosas, coscuvilheiras e cheias de más-línguas, típico de lugares onde as pessoas não têm mais nada com que se ocupar.

No entanto, se tirarmos todos esses momentos de más-línguas, não resta nada em Clara di Sabura, talvez apenas mais uns vinte minutos de quase nada, o que mostra a grande falta de ambição do filme (entenda-se que não estou a dizer que o realizador não tivesse sido ambicioso, mas o filme como resultado não é). A promoção do filme é mais ambiciosa do que o próprio filme.

Um dos maiores problemas de Clara di Sabura é a sua unidade temporal: simplesmente não existe. O filme começa com uma Clara adolescente que estuda no ciclo e dorme com um professor para obter boas notas (e ninguém condena o professor), e avança para uma Clara seduzida por um ministro (ainda adolescente?), ou algo assim, e não sabemos mais o que acontece. No próximo segmento, dá-se a entender que já se passaram alguns meses, pelo menos, e a seguir vemos que entre ela e o ministro parece que se passaram apenas umas semanas e que tinham acabado de se conhecer, para logo a seguir ela encontrar uma colega do ciclo que já tinha concluído um curso superior, já trabalhava e já era casada, para percebermos que já se tinham passado muitos anos, mas os actores não envelheceram. Não existe um tempo para a história, porque ela está mal estruturada, o argumentista só quis falar mal da Clara e por isso não ficou atento ao resto.

extracto do filme
o filme todo pode ser visto no youtube

Outros problemas de Clara di Sabura são a edição e a direcçao dos actores e os próprios; quase todos eles amadores, o que não é nenhum problema, porém maus como tudo, nem mesmo o Mário (o amigo atrás referido) se safa (este a pescar para o filme um bocado do seu personagem de Barudjo – um personagem que interpreta num vídeo) ou a Neia (esta última fazendo a sua especialidade teatral - chorar, babar-se e lamentar-se – é a sua imagem de marca), com discursos intermináveis sobre o valor de mulher, que praticanente se resume em saber cozinhar (talvez porque o homem se agarra pelo estômago). Os dialógos não são naturais, todos actuam como se estivessem a fazer teatro, num tipo de teatro também já ultrapassado, onde as frases são debitadas como poesias.

O que podia salvar Clara di Sabura era uma desenvolvimento mais ambicioso, em vez de simplesmente falar mal da personagem. No poema pode funcionar, mas no cinema não, porque a estrutura dos dois é diferente, um poema descreve, metaforiza, sugere, abstracta-se, concretiza-se, usando para isso palavras, o cinema usa imagem, por isso, tem de focar-se mais em mostrar do que descrever, e nisso o filme falhou. Ah, também, a tradução e a legendagem são terríveis.

Talvez, este é o meu ponto de vista, se o filme se focasse em vez de na Clara, nas pessoas que a rodeiam, já que quer fazer um retrato social, mostrando antes de mais a maleita da nossa sociedade que, por não fazer nada, por não ter ocupações, concentra-se mais a falar da vida dos outros, ao invés de focar-se na própria (o que depois se revela num país onde falta acção e, portanto, mantém-se estagnado), promovendo uma certa reforma de pensamento, mostrando que é necessário cultivar outros valores; Ou então, mostrar uma sociedade onde, por falta de oportunidades, as pessoas vêm-se obrigadas a usar as armas de que dispõem para triunfar, no caso da Clara, a sua beleza, e em vez de atacá-la simplesmente por esse motivo, talvez atacar os ministros, os professores e os poderosos que fomentam essa prática; se o filme procurasse mesmo os verdadeiros males em vez de simplesmente falar mal das pobres e manietadas mulheres guineenses numa perspectiva machista a beirar a misoginia, talvez Clara di Sabura pudesse ter um estrutura séria.

Para fechar, digo, Clara di Sabura é um filme muito mau e sem ambição, no entanto, louva-se a ambição dos que nele trabalharam. E, prevendo já o ataque dos meus conterrâneos, digo: falar aqui do filme, negativamente ou não, é uma publicidade que estou a fazer dele.

1 de janeiro de 2014

TEMPO SUSPENSO, Philip José Farmer (1985) - a diversidade do mesmo

Quando mais novo, o meu género favorito era a ficção científica, tanto no cinema como na literatura. Gostava (ainda gosto) dessa temática, das teorias de máquinas de tempo, viagens interdimensionais, extraterrestres e tal, no entanto, eu considerava mais o aspecto exterior da ficção científica do que o interior: os ensaios que os bons autores fazem sobre a humanidade. E quando comecei a dar mais atenção ao segundo aspecto, deixei de considerar qualquer coisa que tivesse uma nave espacial de ficção científica, embora lesse tudo com essa classificação. Quando comecei a ler Tempo Suspenso, não estava à espera de nada, apenas de uma leitura leve, e foi o que encontrei, uma leitura leve, porém, com profundidade.

Tempo Suspenso é uma excelente leitura de ficção e um excelente entretenimento literário. O livro arrebata logo nas primeiras páginas e continua, em crescendo, a intrigar mais e mais. O tema é sobre a desesperança na humanidade. Ambientando num futuro distópico, pelo menos para nós aqui, sente-se nele influências do 1984, de Orwell, e do Admirável Mundo Novo, de Huxley, no entanto consegue ser fresco e original, e não fosse o facto de focar-se mais no contexto de aventura, de certeza que era capaz de ombrear com esses em profundidade.

Tempo Suspenso acontece no terceiro milénio, a humanidade sobreviveu, mas sobrelotou o planeta. Então para resolver o problema, o governo, absolutista, resolveu dar a cada pessoa um dia da semana para viver, passando os restantes numa câmara de suspensão. As pessoas vivem num dia qualquer, terça ou domingo, e à meia-noite estão na sua câmara, esperando pela próxima semana. Essas segundas, contavam-se dia a dia, como se fossem dias normais, ou seja os segunda-feiristas, tinhas os seus sete dias da semana completo, e com a tecnologia da suspensão, envelheciam normalmente cumprindo o ciclo biológico. Ninguém parecia ter problema com viver um dia, sendo que vivia todos, mas quem vivesse em todos os dias era considerado criminoso, do pior tipo, um quebra-dias.

Quando se tem um governo totalitário, ou de qualquer tipo que seja, existe sempre a oposição, e é aqui que entra o nosso herói, que é um quebra-dias, um criminoso, quase terrorista, e que vive com sete identidades, um para cada dia, para não ser descoberto, mas que trabalha para a oposição. Este é o mote para o desenvolvimento do Tempo Suspenso, no entanto várias questões, psicológicas e sociais, surgem durante a ocorrência.

Tempo Suspenso tem um belo ritmo e, como já disse, aposta muito na aventura, entretanto, sempre tem tempo para analisar a sociedade através de diferentes prismas. Tal como O Admirável Mundo Novo, mostra que as pessoas são condicionadas de diferentes maneiras e que na realidade, somos mais carneiros do que os próprios, e ao mesmo tempo, questionamos se quando existe a ordem e todos nós somos e estamos basicamente satisfeitos, se é mesmo problemático que esta ordem seja do tipo totalitário.

Farmer é magnífico em desenhar sociedades e idiossincrasias, cada dia apresentado tem etiquetas próprias, maneirismos, linguagens e vícios, podendo-se no entanto ver que não importa o verniz, o homem é sempre homem. E não importa o governo ou a oposição, quando a ideia é de dominar e de regular… bem, resumindo: o poder corrompe.

Uma bela e agradável leitura.