Nos Boletins Culturais da Guiné-Bissau, muitas vezes os investigadores transcrevem a língua guineense e outras étnicas, utilizando o sistema português. Entretanto, os primeiros livros, que eu li, escritos em kriol foram traduções da bíblia e das missas, feitos por padres italianos para padres italianos, portanto é normal que tenham influenciado a escrita do guineense, como na proposta de 1987 (mais à frente). Eles utilizavam, por exemplo, a letra “c” para o som “tch” (igual ao inglês “ch”, do nome Chomsky) , assim nas palavras “macu” ou “cabi”, que alguns (a maioria, atrevo-me a dizer) escrevem matchu ou tchabi; ou a letra “j” para ser lido por “dj” (como se leria em Django), nas palavras “bajuda” ou “canja”, para serem lidos “badjuda” ou “candja”.
No entanto, Moema Parente Augel, observa que o primeiro livro (ficção, provavelmente) em kriol, ou pelo menos, bilingue, foi de Augusto Pereira, Lubu ku lebri ku mortu i utrus storya di Guiné-Bissau, em 1988, mas já em 1987 existia o Vokabulari Kriol Portuguîs, de Arturo Biasutti.
Para este meu manual ou tutorial ou guia ou lições (chamem como quiserem) de aprender guineense eu poderia usar o sistema utilizado por Teresa Montenegro, que é, ouso afirmar, a maior impulsionadora da escrita da língua kriol, ou o sistema utilizado por Luigi Scantamburlo que, conforme o próprio, se baseia na grafia adaptada pela Direcção Geral da Cultura em 1987, "Proposta de Uniformização da Escrita do Crioulo”, porém com algumas alterações devido à modernização do sistema fonológico guineense (e criando uma maior proximidade com o sistema ortográfico português, visto este ser a língua oficial da Guiné-Bissau e de certa forma, o pai do guineense), no entanto vou propor um outro sistema.
No meu curso de Licenciatura em Língua Portuguesa, tive uma cadeira chamada fonética e fonologia e o que aprendi nesse curso é que um alfabeto fonológico (permitam-me dizer), onde cada letra corresponde a um fonema, é o melhor e mais simples de utilizar, para evitar confusões como em português onde o fonema “s”, pode ser representado por, “s”, “c”, “ç”, “ss” e “x”, como em “sinto”, “cinto”, “caçula”, “assola” e “auxílio”, e a letra “s” pode representar, “s”, “z” e “ch” (não é propriamente "ch", mas anda perto) e "j", como em “saca”, “casa” e “cais” e "ismos". (Nunca prestei atenção nas aulas do Alfabeto Fonético Internacional, senão seria aqui de grande ajuda.)
Para evitar problemas deste tipo, vou adotar aqui um sistema mais fonológico, onde cada letra corresponde a um som apenas, no entanto, não será possível evitar combinações de letras para determinados fonemas. O sistema que proponho é diferente do de Scantamburlo (1999), mas baseado no dele, e por vezes regressivo ao sistema anterior de 1987, como no uso do “g”. Fica, no entanto, desde já o aviso que nenhum sistema escrito é perfeito, e embora eu queira evitar algumas dificuldades do sistema gráfico acima referido, tem outras que não conseguirei evitar. Por exemplo, vão sempre surgir palavras como “papa”, que tanto pode ser lido por “pappa”, como “papa” ou “papá”.
O mais sensato, eu sei, seria utilizar o sistema apresentado no livro de Scantamburlo, porém… como é apenas uma proposta de escrita ainda, não vejo problemas em apresentar uma outra proposta, e fico à espera ainda de outra ou de discutir esta com alguém, em busca de uma melhor, pelo menos até que se normalize a escrita.
retirado do Dicionário Do Guineense Volume II, de Luigi Scantamburlo |
Para o sistema ortográfico, vou usar aqui o alfabeto de 26 letras utilizado também em português, no entanto, algumas das letras serão usadas apenas para casos de estrangeirismos. Posto isto, vou apresentar o código da pronúncia.
Onde fundamentalmente o sistema que vou utilizar aqui difere do sistema de 1999 é no uso de “gu” precedendo “e” ou “i”, de “x”, “ch”, “lh” e “tc”.
Para o “gue” ou “gui”, por exemplo, proponho usar apenas “ge” ou “gi”, com a mesma pronúncia, por causa de palavras como “aguenta” que se lê “agüenta", ou "guerla" (güerla) ou "nguiba" (ngüiba), iguixta" (egoísta), "linguixta" (lingüista), entre algumas.
Para os sons “ch”, proponho sempre que sejam representados por “x”. Seja o som de "chá", ou do "s" no no final da palavra, ou antes de um consoante que não seja outro "s", como em dados ou dispensa (palavras em português), ou do "z", como em feliz. Assim para diferenciar palavras como "testu" (recipiente para cerimónias religiosas), que se pronuncia com "s", e "textu" (texto), ou "skribi" e "ixkrivi", "totis" e "filix".
Para os sons “ks”, que Scantamburlo representa por “x”, como em “fixa”, proponho “fiksa”. Com exceções no entanto para estrangeirismos e universais como “taxi”.
Para o “lh”, embora haja diferenças de pronúncia entre “ilha” e “ília”, a proximidade é tanta que ambos os sons podem ser representados apenas por “li”, assim “pilia” em vez de “pilha”. Aliás, o guineense mal pronuncia "lh", por exemplo a palavra "deu-lhe", pronunciamo-la "deu-li".
Em vez de “tc” proponho o “tch”, por se se encontrar popularizado e por temos vários nomes próprios exclusivamente guineenses, com esse fonema, escritos por “tch”, como Tchico, Tcherno, Bitchofola, Tchotchi ou Tchutchu.
CÓDIGO DA PRONÚNCIA
guineense
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português
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pronúncia
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A
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aza; ama
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asa; ama
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asa; ama
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B
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baka; baldu
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vaca; balde
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baca; baldo
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C
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nomes e estrangeirismos
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D
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dedu; dadu
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dedo; dado
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dedo; dado
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E
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erva; pe (lê-se sempre como na palavras “erva”)
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erva; pé
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erva; pé
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F
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foli; faka
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fole; faca
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fole; faca
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G
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galu, gera (lê-se sempre como na palavras “galo”, exceções para nomes como Guiné, Gino, entre outros).
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galo; guerra
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galo; guerra
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H
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nomes e estrangeirismos
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I
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iagu; intidu (o “i” no final da palavra não é tónico)
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água; inteiro
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iago; intido
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J
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jelu; gaju
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gelo; gajo
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gelo; gajo
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K
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kuadru; saku
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quadro; saco
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quadro; saco
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L
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lestu; kabelu
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lesto; cabelo
|
lesto; cabelo
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M
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marka; sumu
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marca; sumo
|
marca; sumo
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N
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nada; tensu
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nada; tenso
|
nada; tenso
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O
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ovu; po (lê-se sempre como na palavra “ovu”)
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ovo; pau
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ovo; pó
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P
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puti; premiu
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pote; prémio
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pote; prémio
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Q
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nomes e estrangeirismos
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R
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ratu, tera (não existem r dobrado em guineense, “um carro caro” é sempre “um karu karu). Mas pode ler-se com “R” que ninguém se rala.
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rato; terra
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rato; tera
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S
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sapatu, kabesas, pasensa (pronuncia-se sempre como no “sapato” e todos os sons “s” são sempre representados por “s”, com algumas excepções - ver nota 1)
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sapato; cabeças; paciência
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sapato; cabeças; paciência
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T
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tampu; sertu
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tampo; certo
|
tampo; certo
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U
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untu; tampu (o “u” no final da palavra não é tónico”
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unto; tampo
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unto; tampo
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V
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vidru; nervu
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vidro; nervo
|
vidro; nervo
|
W
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nomes e estrangeirismos
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X
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xatu; caxa (todos os sons “ch” serão representados por “x” e “x” representa apenas sons “ch”, salvo exceções)
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chato; caixa
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chato; cacha
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Y
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nomes e estrangeirismos
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Z
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zinku; vazu (todos os sons “z” são sempre e unicamente representados por “z”)
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zinco; vaso
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zinco; vaso
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NH
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prenhada; nhambi
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grávida; inhame
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grávida; inhame
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DJ
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djimpini; badjuda (como em "Django")
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espreitar; rapariga
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espreitar; rapariga
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TCH
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Tchumbu; tcheru (como em "tchau")
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chumbo; cheiro
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tchumbo; thcero
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N’
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Lun’a; n’aie (pronuncia-se com o “n” velar nasal, seguido do vogal, como “lunn-ha”, ouvir exemplo)
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lua (forma arcaica); rapaz iniciado balanta
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lun-à; n’-aiê
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NOTA 1: Nas palavras começadas por "s" e uma consoante ("sp", "st", "sk", entre outros), o "s" pode tomar o som do "ch", devido à diferença de pronúncia existente entre os falantes. Exemplos: Sporting (aceita-se a pronúncia "sporting" ou "esporting"), stranhu (stranho ou estranho). Para evitar problemas de escrita, sugiro que se aceite dupla grafia, para palavras como estas, quando não são nomes (pelo menos, nestas minhas aulas, aceitam-se): ixkerda ou skerda, ixtranhu ou stranho, ixpertu ou spertu, ixkravu ou skravu, entre outros.
Tal como os dois sistemas referidos, 1987 e 1999, também se dispensa o uso de acentos, servindo, portanto, o contexto como melhor diferenciador.
E como dito anteriormente, não há nenhum sistema que seja perfeito e que não mereça críticas. Todavia, acho que já tenho aqui uma base ortográfica para prosseguir com as lições de guineense.
E por quê em 42 lições?
Porque o sentido da vida é 42, se não acreditarem cliquem aqui.
E por quê em 42 lições?
Porque o sentido da vida é 42, se não acreditarem cliquem aqui.