16 de julho de 2012

ÚLTIMA TRAGÉDIA, A, Abdulai Silá (1995) - a alma de um povo

Livros escritos por guineenses eram raros (ainda hoje são), a literatura guineense mais conhecida era uma recolha de contos feita por Teresa Montenegro e Carlos Morais (duas pessoas que me orgulho de conhecer, e gabo-me de ser amigo da primeira) e alguns outros livros de poesia, dos quais destaco A Luta é a Minha Primavera de Vasco Cabral e a antologia Mantenhas Para Quem Luta (não cheguei a ler nenhum dos dois livros), mas vários dos seus poemas  que vinham em livros didácticos, e foi assim que os conheci). Romances? Não havia nenhum. O mais parecido com isso era uma novela (acho que o posso chamar assim), do brasileiro João Ferreira (o autor nem era guineense, redundo).

Quando nesse deserto surgiu A Última Tragédia de Abdulai Silá (outra pessoa que me orgulho de conhecer) o meu círculo de leitores explodiu de entusiamo e de consternação, o segundo porque só um de nós possuía o livro e fazia-o circular entre quê?, umas sete ou oito pessoas e mais alguns curiosos que nunca liam mas queriam provar o sabor de um romance guineense e como a velocidade da leitura diferia bastante, e como o tempo passa mais lento para quem espera, era uma seca estar na lista de espera. O título nem era o primeiro romance guineense publicado, embora o primeiro, Eterna Paixão, também fosse do mesmo autor, mas foi o primeiro de que tivemos conhecimento.

Eu li A Última Tragédia de uma assentada, não é volumoso, nem nada que pareça, e tem um bom ritmo. E quando tive o conhecimento dele foi em 1998, um bocado tardio, porque fora publicado três anos antes. Lera-o com um misto de orgulho e de inveja, talvez mais de inveja porque não gostei muito dessa primeira vez, o que só aconteceu anos mais tarde, depois da guerra no meu país, quando amadureci (?) e passei a ler o livro dentro do livro.

A Última Tragédia engana apenas numa coisa: não era a última, é um retrato de um país fragilizado e obstruído, tanto pelos problemas exteriores, como, e principalmente, pela auto-limitações a que se impõe em nome de uma tradição. É uma aspiração a uma realidade ideal, como lemos através de um régulo que aparece na história, mas que parece ser inalcançável, mantendo o ritmo da tragédia. E, desligando-se de fronteiras, e alienando-se do pano do fundo, facilmente percebemos que é também um retrato de nós mesmos, independente da sociedade em que vivemos: a história do livro situa-se na Guiné colonizada, fortemente limitada e que dança ao chicote, entretanto, a colonização tal e qual era não existe mais, o que não quer dizer que desapareceu, hoje somos colonizados (não estou a falar do país, mas das pessoas de todo o mundo) pelos nossos próprios governos, que são colonizados pelos bancos... mas... ok!

Tenho uma boa relação com o livro, porque foi a primeira literatura guineense que eu li e senti… e é, entre outras, a razão por que o recomendo.
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