19 de agosto de 2010

SE O INFERNO EXISTISSE

Num dos livros de Robert Charroux, não me lembro qual, ele falou de uma crença que dividia o homem em três: corpo, alma e espírito; e parece-me que uma das ramificações do judaísmo, continuo sem saber precisar, também divide o homem nesse mesmo formato, e ainda diz que o espírito liga a alma ao corpo e encontra-se no sangue, o que justifica as leis do Levítico que exigem o sangramento do animal antes de comer e a não ingestão de sangue. Mas isto talvez seja mais adequado para um debate religioso.

Eu não sei como o homem realmente é dividido, mas colo-me a Platão e divido-me em dois: corpo (matéria) e mente (ideia). A ideia platónica seria a alma e ela seria imortal; no entanto, espero que Platão esteja enganado, pois se o Inferno existisse seria a alma imortal ou a mente que sobrevive ao corpo, ou seja, o homem estaria dividido em corpo e inferno.

Acho que nunca pensei realmente na divisão do meu “eu” quanto nos últimos dias. Quando comecei a dar conta que realmente a mente e o corpo são divisíveis e não apenas quando morremos.

Por ter feito muitas directas por causa da faculdade, acabei com o relógio biológico tremendamente desregulado. O meu corpo exigia dormir, mas a minha mente sabia que tinha que ficar desperta para poder responder aos desafios em que me fui meter. Isso levou com que as duas partes ficassem em total desacordo. Às vezes durmo nas horas impróprias, principalmente quando estou a ler, o que nunca me acontecia, eu que quando deitava a mão a um bom livro podia passar dois dias em jejum e sem dormir até acabá-lo. Acho que, de uma certa maneira, a minha mente culpa a faculdade deste problema e dá dicas ao corpo para dormir, e este dorme; só que traiçoeira, a mente desperta enquanto o corpo está a dormir e começa aí o pesadelo.
Ultimamente tenho estado a despertar do sono e a não conseguir mexer-me, porque o corpo continua a dormir, e por mais que tente acalmar-me, acreditando que ele vai despertar também em breve, sou tomado de pânico, e nesses momento penso no que deve ser a morte. Como nesses momentos a mente e o corpo não se alinham, começo a alucinar e às vezes procuro reconstruir o ambiente, para perceber onde realmente estou e a minha exacta posição na cama, no sofá, seja lá onde for, e quando consigo isso, geralmente acordo, mas muitas vezes parece-me que estou em outro sítio ou tenho por perto pessoas que não estão lá, e então fico a migrar de alucinação para alucinação. Outro truque é forçar o movimento, depois de algumas tentativas frustrantes e frustradas que parecem sugar-me a toda a energia do corpo, lá consigo acordar-me.

Eu não tenho pesadelos convencionais, porque tenho sonho lúcido, mas aí também se encontra o problema, porque mal perceba que estou a dormir a mente sente que já não necessita da ilusão da "realidade dormida" e então desperta-se.


Lembro-me de ter lido sobre uma experiência em que isolavam estudantes, anulando-lhes os cinco sentidos, deixando-lhes apenas um botão para carregar em caso de pânico (acho que se chamava terapia de flutuação), e o único que se aguentou um dia inteiro quase teve um colapso nervo. Esses sabiam que estavam numa experiência e mesmo assim entravam em pânico, mas eu quando durmo e de repente me vejo acordado e sem corpo, penso (das últimas vezes já não penso muito, estou a acostumar-me já): será que morri?
As únicas coisas que consigo controlar quando isso me acontece são a respiração e, com muito esforço, o olho direito (não sei por quê). Vejo o que se passa à minha volta sem poder interagir, inspiro e expiro para ter a certeza de que não morri e fico a desejar que alguém faça um mínimo barulho, ou que algo de novo entre no meu campo de visão para me despertar.
Se o Inferno existisse, digo de novo, seria assim: estar com a mente a funcionar e com o corpo mudo – uma mente que durante toda a sua existência aprendeu a comandar o corpo, uma mente cuja existência é habitualmente assegurada pelo corpo, uma mente que se sente sem propósito sem o seu corpo para fazer o que deseja. Sim, é o Inferno, espero que quando o corpo morre nem a mente sobreviva. Pois, se agora fico com medo de dormir por ser recorrente este problema, o que o agrava ainda mais, nem imaginam o tamanho do medo que tenho de morrer e a minha mente sobreviver.

PENSAMENTOS INEXACTOS - CAP. VIII

ESTÁ O MUNDO DOENTE OU É O MUNDO DOENTE?


Heal the world/ make a better place/ for you and for me/ and for entire human race…

Foi assim que Michael Jackson o disse. Outros também o disseram, ainda vai haver quem o diga. Infelizmente parecem todos eles aspirantes a médico, sabem que existe uma doença, se calhar até sabem qual é ela, e ainda sabem que o doente deve tratar-se, mas não sabem receitar o remédio.

Qualquer médico que se preze identifica primeiro os sintomas, define o tipo e isola as causas, e só dessa forma consegue receitar o antídoto correcto. Por isso para curar o mundo temos de saber qual é a causa.

O desequilíbrio existente no mundo humano é originado pela emoção ou pela razão? 

A resposta, é claro, a solução não vai apresentar para do mundo a cura. Não, seria positiva e sugestiva, porém não resolveria quase nada, porque a pergunta é para isolar o tipo e só assim poder criar a cura. 

Michael Jackson disse que a cura estaria no amor. O que talvez significasse que o problema está no lado racional, considerando que o amor é emoção pura (mas já vamos ver o amor). Porém, eu fui iludido pelo "Heal the World", com ajuda de um dicionário traduzi a letra toda para português para compreender o que queria a música dizer, tinha doze anos. Acreditei que as crianças podiam mudar o mundo se oferecessem flores aos soldados, mas quando comecei a ver crianças famintas a morrerem de fome na televisão por causa da guerra, percebi o quanto Michael me enganou. 

E não só ele, a própria Nações Unidas que também vende a mesma fórmula; manda soldados bem alimentados, a circular com materiais bélicos de elevado investimento monetário, para patrulhar campos de refugiados onde as pessoas caem de fome; um quadro pintado de antíteses. Preferia que não mandasse para lá soldados? Claro que não. Que mandasse soldados famintos? Também não. Que os soldados fossem sem armas? Ora, não! Então estou a criticar mesmo o quê? Provavelmente a quantidade de dinheiro que se gasta em acções de remediar, em vez de investi-la proactivamente. Parece um negócio a miséria humana. Nós recebemos como ajuda alimentar géneros estragados, tínhamos que secar as múmias dos peixes que enviaram e defumá-las para só assim poderem ser cozinhadas. Então o mundo seria um melhor lugar sem a Nações Unidas? Não sei dizer, nunca conheci o mundo sem ela, mas acho que o mundo seria isto que temos com ou sem ela.


[Era o ano 1999, tínhamos acabado de sair de uma guerra civil. A Nações Unidas distribuíra géneros alimentar aos refugiados e à população em zona de guerra também. Na altura, revoltava-me a porcaria que nos impingiram, principalmente porque via notícia sobre pessoas que doavam milhões para ajudas do tipo, pelo que sentia que pelo menos deviam mandar alimentos que prestassem e não daqueles que tinhas de escolher entre apanhar diarreia depois da sua ingestão ou ficar com fome. No entanto, admirava, e ainda admiro, os voluntários que deixam a paz da sua terra para irem para uma terra em guerra prestar serviços altruístas.]

Dito isto, põe-se a questão: o mundo é doente ou o mundo está doente?

Lendo a Bíblia, o mundo estava doente. Lendo Homero, o mundo estava doente. Lendo quem leu Tito Lívio, o mundo estava doente. Lendo Erasmus, o mundo estava doente. Lendo Voltaire, o mundo estava doente. Lendo Alexandre Dumas, o mundo estava doente. Lendo Hans Hellmut Kirst, o mundo estava doente. Lendo Calvino, o mundo está doente. Lendo Ray Bradburry, o mundo estará doente. Isso não quer dizer que o mundo não está mas é doente?

E a culpa é da emoção ou da razão? Se o homem se resumisse à Razão, como defendiam os iluministas, talvez tudo andasse nos eixos; e talvez se o homem não tivesse a razão, (acreditando que a razão cria motivos, vontades e propósitos) e fosse apenas emoção, cantada pelos românticos, as coisas estivessem bem. Porém, há quem defende que assim não haveria balanço. Mas, na verdade, parece-me que os problemas nascem do facto de o homem ser racional e emocional ao mesmo tempo. Nenhuma das duas é a doença do mundo, mas combinadas são. E cada uma é a cura da outra, se todo o mundo optasse por escolher apenas uma.

Mas então, se nos dessem a escolher, qual seria a mais certa escolha? E sem poder de escolha, e com o mundo doente, como vamos escapar?

6 de agosto de 2010

CASAL GAY PODE ADOPTAR?

Lá poder, pode. Mas será que o vão deixar fazê-lo?

Há uns tempos estive a discutir com uns colegas acerca do casamento gay. Eu era a favor, e um deles: claro que és, quando algo não é normal, nem usual, és sempre a favor. Essa mesma pessoa pediu-me para imaginar um casal de gay-homo a criar um filho e perguntou-me: não achas que esse seria gay? Bem, não soube responder, a única resposta que consegui dar foi outra pergunta, para desviar a questão: Não sei. Se os casais heterossexuais criam filhos gays, por que razão não pode acontecer o contrário? 

Eu acreditava que o casal gay mais certo era criar filhos gays, por essa razão não pude defender a minha posição sobre o casamento gay (sou a favor), porque, achei, tinha de repensar o assunto, porque se o casamento é para formar família e a família tradicional é constituída por pais e filhos, negar a adopção aos gays é o mesmo que dizer não vale a pena que casem, pois os que quiserem ter filhos não poderão fazê-lo. E eu era contra deixar as pessoas criarem gays deliberadamente, o que queria dizer que não era tão despreconceituoso quanto defendia.

(Nota: não disse pai, mãe e filhos, pois, tirando a família divina: Deus Cristo e Jesus Cristo - supondo que os filhos tomam o apelido dos pais, provavelmente Deus é Cristo - que são ambos pais da humanidade, o primeiro casal gay, se fizessem sexo - e incestuosos ainda por cima -, a família tradicional é começada por pessoas de sexo oposto).

Pois bem, na dúvida, retractei sobre o meu voto ao casamento gay e preferi pensar.

E pensando, posteriormente, cheguei à pergunta: quem ou o que foi que legitimou o mundo humano como heterossexual?

Não acredito na Bíblia, por isso dispenso respostas como: crescei e multiplicai. A natureza, sim, concordo (excluindo a humana), parece heterossexual, mas, a natureza cumpre ciclos, tem tempo de fecundar, tempo de procriar, etc., um calendário não subversível por ela própria, e a natureza é desprovida de sexualidade (considerando o plano psicológico do termo), e não sabe fazer fertilização in vitro nem clonagens, não constrói máquinas e nem evolui tecnicamente… mas nós o fazemos; evoluímos, e connosco os conceitos. Boa parte é contra os gays porque, advogam estupidamente, vão pôr em risco a continuidade da raça humana... outra parte, porque são diferentes.

Voltando à questão: por que não pode uma pessoa ser criada como homossexual (e nem sei como é que se cria uma pessoa segundo a sua sexualidade; não confundir sexo anatómico com sexualidade)?


Criar um rapaz com saias, provavelmente pode trazer-lhe problemas psicológicos, porque todos vivemos inseridos num contexto cultural, mas o uso de saia ou de calças não é apenas uma questão de moda? Os romanos, enquanto faziam a Via Ápia, o Fórum, o Panteão, o Coliseu, e conquistavam meio mundo não andavam a usar saia? Eu sei que existe o conceito de cultura e do tempo, só quero mostrar que a saia não faz o homem. Contaram-me sobre uma mulher, feminista, que foi a uma conferência das Nações Unidas, com um bigode (provavelmente implantado): questionando assim o uso de bigodes pela população masculina apenas. E falando nisso, seremos agora menos homens (masculinos) porque rapamos os bigodes, outros depilam as pernas? Não, nem isso nos torna menos homem, creio eu, mas julgo que um rapaz que seja educado desde pequeno para depilar as pernas, os sovacos e tal, vai ser considerado como quem recebe uma educação gay. E não estou a dizer que é assim que os gays vão educar os seus filhos.

A questão que ninguém levanta é a seguinte: o que faz um pai ser um bom pai?

A proibição de adoptar aos gays responde: a sua orientação sexual.

As pessoas associam à homossexualidade as taras sexuais. Mas que eu saiba, Carlos Cruz era bem casado (e falando nisso, por ele ser um pedófilo que ia aos rapazinhos quer dizer que ele é homossexual? Tenho dúvidas sobre o assunto, visto a pederastia, como a chamavam os gregos, não é a homossexualidade como a conhecemos).

Sejamos realistas, o amor altruísta, o ágape, é que faz a boa educação, e não o amor erótico, o eros. Pais de qualquer orientação sexual podem ser tanto bons pais como maus pais; qualquer pessoa pode ser tarada sexual, independentemente do lado para que dá.

Se um casal gay criar filhos gays, por que não? Se o filho não for gay… pelo menos aprenderá respeitar os que são. E o que vão fazer aos casais gays-femo? Vão laquear a trompa às mulheres para não serem fecundadas? Vão-lhes retirar os filhos se elas lá arranjarem maneira de dar à luz?

Se não vão fazer nada aos casais femininos e elas poderão conceber, porque não deixam os gays-homo adoptar?

Na verdade, como alguém já referiu, essa lei que aprova o casamento e proíbe a adopção só serve para mascarar o preconceito e é um golpe político, não pretende isenção.

2 de agosto de 2010

ORIGEM, A, 2010 (Inception)

Não escrevo críticas de filmes, análises talvez, pois vejo-os, aos bons, com a atenção que uso quando leio um livro. O primeiro filme que analisei por escrito, e também o último, já agora, foi "O Sétimo Selo", um filme prenhe de significados e de uma largueza interpretativa incrível.

Vou escrever sobre Inception (A Origem) de Christopher Nolan (cuidado com spoilers). É um filme 10, não preciso dizer mais. Tem as suas falhas e algumas lacunas no argumento que não vou dizer agora por ser o meu trunfo contra os que acham o filme superperfeito. Uma das lacunas é resolvível com a leitura da banda desinhada publicada para promover o filme. Ok!

Os filmes que o filme me lembrou foram: Dreamscape, com Dennis Quaid, O Despertar da Mente, de Charlie Kaufman, Dark City, de Alex Proya, A Cela, com Jennifer Lopez, O Imaginarium do Dr. Parnassus, de Terry Gillian, e até mesmo o Freddy Kruegger de Wes Craven. Não é assim tão original, mas como sabiamente se diz: non nova, sed nove.


trailer


Bem. Escrevo isto porque vejo pessoas a discutirem sobre o final do filme, dizendo que está em aberto, o que eu duvido muito. (cuidado com spoileres). Só vi o filme uma vez, mas acredito que bastou para tirar as minhas dúvidas, e sendo assim jogo também para aqui a minha opinião.

A questão é se o personagem principal cujo o nome não me lembro viu ou não os filhos.

A resposta: não viu. Ele perdeu-se na sua mente. Dicas para perceber que não viu:

1. Quando ele fala com os filhos pelo telefone, eles estavam com a avó, e a voz da mais velha parecia de uma adolescente. Eu até cheguei a pensar que ele tivesse três filhos.

2. Quando pela primeira vez girou o pião, o pião manteve um eixo perfeito. Mas no final não. Porém o pião nessa altura já tinha perdido a sua magia de âncora à realidade, pois, quando ele aconselhou a arquitecta a fazer a sua âncora, ela não o deixou tocar nela, porque ia estragar-lhe a função. E o pião dele foi tocado pelo  menos por três outras pessoas, os dois capangas do japonês e o próprio japonês. Ou seja, o pião já não servia para a sua função quando ele o girou no fim.

3. O pai dele foi deixado em Paris, mas ele estava no aeroporto à sua espera. Ok! É certo que passou muito tempo desde que ele viu o pai em Paris e o quando voltou para a América, tempo usado para ir para Mombaça, para estudar uma das pessoas que queriam copiar, para preparar o golpe e tal, e o pai podia ter saído no decorrer disso. Mas se as crianças vivem com a avó não devia ter sido ela a levá-las ao aeroporto? Especulação: deu a ideia que a avó era a mãe da mulher dele e não a sua mãe, pois não parece que se fosse sua mãe teria sido tão fria com ele. Ainda nesta linha: ele não tinha a certeza da sua liberdade, porque mesmo no avião ainda estava a suplicar por ela, por isso, sem essa certeza acho que ele não quereria causar outro desgosto aos filhos, chamando-os para o aeroporto para eles o verem a ser preso, se tudo corresse mal.

4. O tempo que levaram a preparar o golpe significa que todos os golpes que eles praticam levam algum tempo a preparar e a consumar, e durante as conversas ao longo do filme percebe-se que ele deu muitos golpes depois de ter fugido dos EUA e que passou um belo tempo entre a morte da esposa e o último golpe, mas os seus filhos não tinham crescido nem um bocado. Não sei se notei bem, mas alguém que viu o filme mais recentemente deve ter notado, as crianças não mudaram de roupa.

5. Não me lembro de um final feliz num filme de Nolan. Nem de um final fechado, também devo dizer.