2 de setembro de 2018

LÍDERES: O PROBLEMA DA GUINÉ-BISSAU - cronices crónicas


Quando há séculos os portugueses chegaram àquelas paragens hoje conhecidas como Guiné-Bissau e quando resolveram começar a desenvolver o negócio de escravos, foram os nossos líderes, os nossos reis (ou régulos) que tratavam de fornecer a mercadoria.

Diz-se que o régulo papel, Incinha Té, teria dito aos portugueses que queriam se instalar em Bissau e fazer um forte “que não criaria no seu quintal uma onça que depois o mataria”. Mas lá se fez o forte (depois virou Amura) e lá se criou a onça. Motivo: deram-lhe bastante prendas que hoje para nós são ninharias: tecidos vermelhos e tabaco, principalmente. Na altura, para ele, tinha feito um bom negócio.

Os líderes “guineenses” participaram no mercado de escravização, eram tão escravocratas quanto os europeus que iam à Guiné comprar pessoas. Balantas, papéis, biafadas, bijagós, fulas e mandingas vendiam-se uns aos outros e a moeda de compra era, usualmente, o tabaco. Vendiam os próprios irmãos pelo tabaco (bem, eles não se consideravam irmãos na altura, mas reinos e povos diferentes). Os povos da Guiné estavam muito bem organizados social e estruturalmente, na Crónica de Guiné, Zurara conta que eles, os portugueses, eram mortos quando desciam no território, razão porque os primeiros aventureiros tugas só nomeavam os rios e não as terras. Eles não tinham poder para entrar num território e arrebanhar pessoas para encher os navios; se isso acontecesse, faria das sociedades africanas agrupamentos desestruturadas e sociedades de animais, e não falaríamos hoje da escravatura ou da colonização, mas da domesticação.    

A ganância dos líderes de então e a estrutura do poder que os os permitia dispor do seu povo como se fosse seu pertence é que permitiram a instalação dos colonialistas na Guiné; a ganância e as quezílias entre as diferentes sociedades que habitavam esses territórios permitiram que fossem atirados uns contra os outros, pavimentando a via para a sua dominação; a ganância dos nossos líderes levou-os a alinharem-se com os colonialistas na luta contra o PAIGC ou na luta a favor do PAIGC; a ganância dos líderes levou também ao assassinato do Amílcar Cabral porque exigia um suicídio da classe.

Quando o PAIGC tomou o poder, e a liderança mudou, começou por fuzilar publicamente os líderes que se tinham aliados com os colonialistas e a tirar poder aos régulos, por achar que eles eram “não intelectuais” e não aptos para governar. Essa atitude, todavia, não era nada diferente da dos colonialistas com que lutaram ou desses próprios líderes que eles estavam a fuzilar. O PAIGC mudou-se a si mesmo com o golpe de estado de 1980, fruto da violência do poder e do poder da violência, desconfiando de si mesmo e da sua própria sombra, vai prendendo, espancando e matando pessoas pelo caminho, como aconteceu mais patentemente em 1985, em 1998 e 2009, e ainda hoje acontece. Quando um líder diz que tem poder para mandar prender e torturar e matar, quando um líder acha que por ser líder se torna a pessoa mais importante do país, e pode dispor das pessoas e do território como bem entender, percebemos que nada mudou.

A ganância de PAIGC levou o país ao seu estado de desgoverno atual. E a fome de "mandar", porque nem sequer falamos de "liderar" na Guiné, levou a que um país de cerca de 1.800.000 de habitantes tenha, em 45 anos, 45 partidos, a maior parte deles e os mais poderosos deles vindo diretamente da escola paigcista.

De 1974 até hoje, apenas a liderança mudou, o procedimento?, nada. Os régulos ainda vendem terra para benefício próprio, possuem quilómetros de terra, porque os herdaram dos seus avós e ninguém questiona. No problema de desmatamento de há uns anos, muitos régulos recebiam dinheiro e permitiam que se cortassem árvores nas zonas que dizem sob sua responsabilidade. Os régulos vendem e influenciam os votos das pessoas por quem são responsáveis, em troca de uns poucos benefícios que só aparecem durante as campanhas e que só ajudam a si próprios e não às suas gentes. Portanto, quando depois se levantam para falar mal contra os nossos governante, não lhes vejo autoridade nenhuma.

E os nossos governantes, que agregam mais poderes que os régulos? Se antes se vendia pessoas, hoje vendem os recursos naturais, vendem a terra, vendem as ilhas, vendem droga, vendem tudo. E se antes os europeus iam à Guiné comprar, hoje os nossos governantes é que vêm cá apregoar e garantir privilégios em troca do “investimento estrangeiro”.

Projetos de exploração de recursos naturais, projeto da central hidroelétrica para a Lagoa de Cufada, a turistificação dos bijagós traduzido em tirar terras aos locais, ou o projeto Augustus para Bolama, que trata aquele espaço como terra de ninguém e inabitado, são exemplos do alinhamento dos nossos líderes com o colonialismo que nunca deixou de existir e apenas mudou de capa.

Neste momento, confiantes da sua vantagem, "líderes", ou melhor, os nossos mandantes, não se preocupam muito, pois ganham muito dinheiro no processo, só que aparentemente não estudaram a história para perceber que os régulos na altura do primeiro colonialismo também não se preocupavam, porque tinham poder… até deixarem de o ter.

Eu costumava culpar apenas a Portugal pela escravatura, pois foi o que aprendi com os livros de PAIGC, até descobrir que os nossos próprios mandantes tinham tomado parte nisso. Ainda hoje, 45 anos depois, culpamos a Portugal pelos problemas da Guiné: ou porque a colonização foi má, ou porque a descolonização não foi bem feita, ou porque Portugal só se preocupa com Cabo Verde e não nos trata como "filhos"(?). 

Colocar o problema da Guiné na "descolonização" é um tanto estúpido e desrespeitoso para os que morreram para alcançar a independência (que é diferente da descolonização). Sobre culpar a Portugal por não nos tratar como "filhos", nem vou comentar... E a colonização?, claro que a colonização foi má… mas se sabemos isso, por que ainda os nossos mandantes continuam a praticá-la e a forçá-la sobre os nossos? A colonização do passado já não é uma desculpa válida. Os nossos mandantes são cúmplices na colonização que hoje se pratica. Lutamos pela independência para nos responsabilizarmos pelas nossas própria ações e devíamos fazê-lo.

Hoje culpamos o Ocidente (forças capitalistas) pelos problemas da Guiné, e sim, operam para manter a desestruturação, com o seu FMI, o seu Banco Mundial e as suas tantas ONGs e outras estratégias mais diretas, mas a verdade é que os nossos mandantes são agentes dessas forças e, como não têm estratégias para os seus povos, simplesmente se deixam enganar pelo conforto que arrecadam para si próprios... ou nem sequer podemos falar de engano, porque alguns são bem estudados e bem conscientes dos seus atos.

Os nossos líderes não se responsabilizam e não são responsabilizados pelos seus próprios atos, o problema são sempre os outros, como já tinha falado aqui (Até Quando?)

Vou parar aqui, por agora. Desenvolvo o tema mais tarde.