Até quando vamos continuar a culpar outras pessoas pela nossa falta de iniciativa?
Até quando vamos continuar a ser sugados para o fundo dessa mania de resignação, não lutando para não ofender o destino?
Já
agora... por que não esta anedota? O francês, o senegalês e o
guineense vão falar com Deus. Chega o francês e pergunta: Mon
Dieu, quando é que a França vai alcançar
os EUA? Deus responde: Daqui a 100 anos. O francês começa a chorar
copiosamente, dizendo que não vai assistir a esse acontecimento.
Depois de tanto chorar, consola-se achando que os seus netos estarão
presentes. Vai o senegalês e pergunta ao mon
Dieu quando é que o Senegal irá alcançar a
França. Deus diz-lhe: Daqui a 200 anos. O senegalês cai em pranto.
Também consola-se dizendo que os netos dos seus bisnetos irão
assistir a isso. Chega então o guineense e pergunta, em termos de
imitação aos seus precedentes (atenção, quero mãos no peito,
pois o momento é solene): Mon Dieu, quando
é que a Guiné-Bissau irá alcançar o Senegal? Então, neste tão
dramático momento, Deus começa a chorar desalmadamente e sem
hipóteses de consolação, limpa as lágrimas e diz: Não te sei
dizer, meu filho, porque não vou assistir.
Isto
é para rir, mas também podia servir para chorar. Os mais
patrióticos revoltam-se, alguns, inclusive, choram, gritando: Não,
não dá mais, a Guiné não pode continuar assim.
Depois, limpam os olhos, tomam um refresco (não vá depois ficar mal
a garganta) e vão-se embora, dizendo: Anta
ami k’bin pa bin kumpu Bissau?
Sim,
senhor, está bem bonito! Ninguém veio “compor” Bissau, todos
vieram apenas para resolver os problemas pessoais, entretanto,
ninguém está a prejudicar Bissau, só os outros é que o estão a
fazer.
Quando um funcionário se apropria do material que pertence ao local onde trabalha, não sente que rouba, não sente que está a tomar o que não é dele, porque, e simplesmente porque, sapu ta kume si labur. Em boa verdade, eu nunca soube que o sapo era lavrador. E acho que é por isso que temo-los tanto a infestar a nossa cultura, mascarando-se de príncipes desencantados. Outros funcionários até são mais simpáticos com os materiais do escritório que vão pedi-los ao director: DG, posso levar aquela .... que já não funciona? Isso talvez nos ajude a perceber por que razão se faz muitas requisições nos ministérios e serviços de trabalho e nada funciona. Não tenho a competência para dizer que aquela .... que não funciona que se pede ao DG é a que funciona melhor, mas posso fazer essa sugestão.
E
falando em DG, tornou-se um hábito as pessoas perderem o nome de
baptismo conforme o cargo que estão a ocupar. O Marcos já não é
Marcos, deve ser chamado DG, o Carlos gosta mais de Presi, o ministro
quer doutor com todas as letras... E o povo, quer o quê? O povo não
sabe o que quer, pois também não está para “compor” Bissau,
porque já escolheu quem deve fazê-lo.
Tornou-se
extremamente confortável ninguém se responsabilizar pelo que deve
fazer, passando sempre as culpas para outras pessoas. Não
consigo andar porque não me deixam. Não vou tentar ganhar a
confiança de ninguém, porque ninguém confia em mim.
Quero lá saber do que os outros dizem, porque
isso não me impede de ser o que sou.
Citações como estas são infindáveis, o que leva a questionar: se
ninguém se quer mexer, como é que se poderá empurrar a Guiné?
Será
que alguma vez alguém parou para pensar (pois eu ando a pensar) que
para resolver o problema da Guiné é preciso largar esta mentalidade
passiva e retrógrada de dizer: i ka ami k’
na kumpu Bissau?
Imaginemos
um cenário ao contrário, onde todos achassem que deviam ser eles a
“compor” Bissau. Um cenário onde o lavrador quer dar a sua ajuda
e vai para o campo lavrar, em vez de vir vender fuka-n’djai
e pastas de dentes nos passeios dos mercados. Um cenário onde se
compra de facto os tractores referidos no orçamento do Estado para
ajudar o camponês. Um cenário onde o único desvio de procedimento
seja começar mesmo a “compor” Bissau, em vez de sugá-lo até ao
tutano, como se está a fazer. Parece utópico, mas pode acontecer.
Ainda
hoje ouvi alguém a dizer: Antes não havia
lixo na Guiné, esses
nánias é que no-lo
trouxeram. É esse um dos nossos problemas.
Nunca fazemos nada, como já disse antes, só outros é que fazem.
Não fazemos nada de bom, porque não sabemos ou não queremos ou não
somos nós que viemos “compor” Bissau; e não fazemos nada de
mau, porque só outros é que o fazem. Afinal estamos aqui só para
enfeitar os relatórios do recenseamento populacional ou para sermos
realmente chamados de guineenses, patrióticos ou não, mas
verdadeiramente guineenses?
Alguns
acham que o único trabalho para desenvolver um país se dá apenas
lá no topo da montanha, onde estão os djintons,
mas se esses alguns começassem a tratar do sopé, talvez aqueles que
sobem não o fariam com os sapatos sujos, porque, no final de tudo, a
porcaria cai sempre para baixo.
Até
quando se vai ficar a perguntar por que é que não avançamos, se
ainda hoje as pessoas estão amarradas fortemente às tradições,
não querendo moldar a mente de forma nenhuma, adaptando-se às
mudanças? Pessoas são mortas porque são acusadas de feitiçaria;
pessoas não são julgadas porque é a serpente
que engoliu o dinheiro (se fosse eu, de certeza que já mo tinham
feito vomitar); pessoas não são responsabilizadas porque teme-se
que vão mandjir para se vingar. Afinal até onde iremos (se é que
estamos a ir e não a voltar)?
Ninguém
tem culpa de sermos o que somos; ninguém tem culpa de sermos pobres
e tolos, amontons no geral. Somo-lo porque queremos e simplesmente
por isso.
Não
esperem que eu vá apresentar a solução para a Guiné
(contenham-se), mas faço algumas
sugestões: Se os ministros realmente trabalhassem em vez de fazer
discursos, cortar fitas, dar emprego aos parentes (cunhados e amigos
das amantes) e efectivá-los em detrimento dos que trabalham há anos
no mesmo posto, ainda com estatuto de temporários (e realmente
merecem-no, pois até o nome do tempo tomaram); se se parasse com
essa de inventar institutos que não têm nenhuma utilidade, senão a
de pagar promessas pré-eleitorais feitas a determinadas pessoas; se
se deixasse de disponibilizar salários para funcionários fantasmas
(em todas as acepções da palavra); se as viagens de negócios
estatuais (ou sei lá como é que se diz) rareassem a favor do
pagamento dos salários; se os congressos parlamentares começassem a
ter sentido e se discutisse neles com a finalidade de chegar a uma
saída e não apenas para encher os bolsos dos deputados com perdiem;
se se lembrassem dos professores e estes se
lembrassem que a escola serve para educar e não apenas para instruir
ou tentar levar as alunas para a cama; se se lembrassem dos médicos
e estes se lembrassem que paracetamol não faz milagres e deixassem
de receitá-lo para provocar aborto nas adolescentes e jovens que não
se lembram que ainda têm um amanhã a defender e portanto devem
evitar comportamentos comprometedores ou destruidores do futuro; se
se lembrassem de pôr mais caixotes de lixo na estrada e de
disponibilizar fundos para a sua recolha, e o povo se lembrasse de
não deitar lixo, como quem tem caiãbra na mão, fora desses poucos
caixotes; se o povo começasse a trabalhar de verdade e não somente
esperar; se se desse ao povo motivação necessária; não acham que
a Guiné poderia mudar?
Eu
não sei a solução dos problemas, mas recomendo a todos uma leitura
das teses de Maslow, porque se não se trocar verdadeiramente de
mentalidade, em vez de falar só dela e esquecê-la logo depois,
continuaremos a sempre a perguntar até quando
a vamos estar onde estamos.
Artigo publicado em 2005, no Jornal Kansaré.
P.S.: Quando escrevi este artigo, nunca tinha experimentado a sério estar no campo, debaixo de um sol ardente, sem hipóteses de sombreamento, por isso, peço desculpas aos lavradores. Eu não conseguiria fazer o vosso trabalho e decerto vinha também vender pastas de dentes a Bissau. Mil desculpas!