5 de agosto de 2011

ATÉ QUANDO - cronices crónicas


Até quando vamos continuar a dar nessa de vítima, a gritar que não nos querem deixar soltar as asas rumo ao nosso sonho? 

Até quando vamos continuar a culpar outras pessoas pela nossa falta de iniciativa? 

Até quando vamos continuar a ser sugados para o fundo dessa mania de resignação, não lutando para não ofender o destino?

Já agora... por que não esta anedota? O francês, o senegalês e o guineense vão falar com Deus. Chega o francês e pergunta: Mon Dieu, quando é que a França vai alcançar os EUA? Deus responde: Daqui a 100 anos. O francês começa a chorar copiosamente, dizendo que não vai assistir a esse acontecimento. Depois de tanto chorar, consola-se achando que os seus netos estarão presentes. Vai o senegalês e pergunta ao mon Dieu quando é que o Senegal irá alcançar a França. Deus diz-lhe: Daqui a 200 anos. O senegalês cai em pranto. Também consola-se dizendo que os netos dos seus bisnetos irão assistir a isso. Chega então o guineense e pergunta, em termos de imitação aos seus precedentes (atenção, quero mãos no peito, pois o momento é solene): Mon Dieu, quando é que a Guiné-Bissau irá alcançar o Senegal? Então, neste tão dramático momento, Deus começa a chorar desalmadamente e sem hipóteses de consolação, limpa as lágrimas e diz: Não te sei dizer, meu filho, porque não vou assistir.

Isto é para rir, mas também podia servir para chorar. Os mais patrióticos revoltam-se, alguns, inclusive, choram, gritando: Não, não dá mais, a Guiné não pode continuar assim. Depois, limpam os olhos, tomam um refresco (não vá depois ficar mal a garganta) e vão-se embora, dizendo: Anta ami k’bin pa bin kumpu Bissau?

Sim, senhor, está bem bonito! Ninguém veio “compor” Bissau, todos vieram apenas para resolver os problemas pessoais, entretanto, ninguém está a prejudicar Bissau, só os outros é que o estão a fazer.

  
Quando um funcionário se apropria do material que pertence ao local onde trabalha, não sente que rouba, não sente que está a tomar o que não é dele, porque, e simplesmente porque, sapu ta kume si labur. Em boa verdade, eu nunca soube que o sapo era lavrador. E acho que é por isso que temo-los tanto a infestar a nossa cultura, mascarando-se de príncipes desencantados. Outros funcionários até são mais simpáticos com os materiais do escritório que vão pedi-los ao director: DG, posso levar aquela .... que já não funciona? Isso talvez nos ajude a perceber por que razão se faz muitas requisições nos ministérios e serviços de trabalho e nada funciona. Não tenho a competência para dizer que aquela .... que não funciona que se pede ao DG é a que funciona melhor, mas posso fazer essa sugestão.

E falando em DG, tornou-se um hábito as pessoas perderem o nome de baptismo conforme o cargo que estão a ocupar. O Marcos já não é Marcos, deve ser chamado DG, o Carlos gosta mais de Presi, o ministro quer doutor com todas as letras... E o povo, quer o quê? O povo não sabe o que quer, pois também não está para “compor” Bissau, porque já escolheu quem deve fazê-lo.

Tornou-se extremamente confortável ninguém se responsabilizar pelo que deve fazer, passando sempre as culpas para outras pessoas. Não consigo andar porque não me deixam. Não vou tentar ganhar a confiança de ninguém, porque ninguém confia em mim. Quero lá saber do que os outros dizem, porque isso não me impede de ser o que sou. Citações como estas são infindáveis, o que leva a questionar: se ninguém se quer mexer, como é que se poderá empurrar a Guiné?

Será que alguma vez alguém parou para pensar (pois eu ando a pensar) que para resolver o problema da Guiné é preciso largar esta mentalidade passiva e retrógrada de dizer: i ka ami k’ na kumpu Bissau?

Imaginemos um cenário ao contrário, onde todos achassem que deviam ser eles a “compor” Bissau. Um cenário onde o lavrador quer dar a sua ajuda e vai para o campo lavrar, em vez de vir vender fuka-n’djai e pastas de dentes nos passeios dos mercados. Um cenário onde se compra de facto os tractores referidos no orçamento do Estado para ajudar o camponês. Um cenário onde o único desvio de procedimento seja começar mesmo a “compor” Bissau, em vez de sugá-lo até ao tutano, como se está a fazer. Parece utópico, mas pode acontecer.

Ainda hoje ouvi alguém a dizer: Antes não havia lixo na Guiné, esses nánias é que no-lo trouxeram. É esse um dos nossos problemas. Nunca fazemos nada, como já disse antes, só outros é que fazem. Não fazemos nada de bom, porque não sabemos ou não queremos ou não somos nós que viemos “compor” Bissau; e não fazemos nada de mau, porque só outros é que o fazem. Afinal estamos aqui só para enfeitar os relatórios do recenseamento populacional ou para sermos realmente chamados de guineenses, patrióticos ou não, mas verdadeiramente guineenses?

Alguns acham que o único trabalho para desenvolver um país se dá apenas lá no topo da montanha, onde estão os djintons, mas se esses alguns começassem a tratar do sopé, talvez aqueles que sobem não o fariam com os sapatos sujos, porque, no final de tudo, a porcaria cai sempre para baixo.

Até quando se vai ficar a perguntar por que é que não avançamos, se ainda hoje as pessoas estão amarradas fortemente às tradições, não querendo moldar a mente de forma nenhuma, adaptando-se às mudanças? Pessoas são mortas porque são acusadas de feitiçaria; pessoas não são julgadas porque é a serpente que engoliu o dinheiro (se fosse eu, de certeza que já mo tinham feito vomitar); pessoas não são responsabilizadas porque teme-se que vão mandjir para se vingar. Afinal até onde iremos (se é que estamos a ir e não a voltar)?

Ninguém tem culpa de sermos o que somos; ninguém tem culpa de sermos pobres e tolos, amontons no geral. Somo-lo porque queremos e simplesmente por isso.

Não esperem que eu vá apresentar a solução para a Guiné (contenham-se), mas faço algumas sugestões: Se os ministros realmente trabalhassem em vez de fazer discursos, cortar fitas, dar emprego aos parentes (cunhados e amigos das amantes) e efectivá-los em detrimento dos que trabalham há anos no mesmo posto, ainda com estatuto de temporários (e realmente merecem-no, pois até o nome do tempo tomaram); se se parasse com essa de inventar institutos que não têm nenhuma utilidade, senão a de pagar promessas pré-eleitorais feitas a determinadas pessoas; se se deixasse de disponibilizar salários para funcionários fantasmas (em todas as acepções da palavra); se as viagens de negócios estatuais (ou sei lá como é que se diz) rareassem a favor do pagamento dos salários; se os congressos parlamentares começassem a ter sentido e se discutisse neles com a finalidade de chegar a uma saída e não apenas para encher os bolsos dos deputados com perdiem; se se lembrassem dos professores e estes se lembrassem que a escola serve para educar e não apenas para instruir ou tentar levar as alunas para a cama; se se lembrassem dos médicos e estes se lembrassem que paracetamol não faz milagres e deixassem de receitá-lo para provocar aborto nas adolescentes e jovens que não se lembram que ainda têm um amanhã a defender e portanto devem evitar comportamentos comprometedores ou destruidores do futuro; se se lembrassem de pôr mais caixotes de lixo na estrada e de disponibilizar fundos para a sua recolha, e o povo se lembrasse de não deitar lixo, como quem tem caiãbra na mão, fora desses poucos caixotes; se o povo começasse a trabalhar de verdade e não somente esperar; se se desse ao povo motivação necessária; não acham que a Guiné poderia mudar?

Eu não sei a solução dos problemas, mas recomendo a todos uma leitura das teses de Maslow, porque se não se trocar verdadeiramente de mentalidade, em vez de falar só dela e esquecê-la logo depois, continuaremos a sempre a perguntar até quando a vamos estar onde estamos.




Artigo publicado em 2005, no Jornal Kansaré.



P.S.: Quando escrevi este artigo, nunca tinha experimentado a sério estar no campo, debaixo de um sol ardente, sem hipóteses de sombreamento, por isso, peço desculpas aos lavradores. Eu não conseguiria fazer o vosso trabalho e decerto vinha também vender pastas de dentes a Bissau. Mil desculpas!
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