1 de agosto de 2011

MARTE PRECISA DE MÃES, 2011 (Mars Needs Moms)


Ainda estou para saber por que raio gosto de filmes que todos massacram. Marte Precisa de Mães, uma animação da Disney, foi o último filme que vi e quando fui ao IMDB, tinha uma pontuação bastante rasca, nem sequer chegava a mediano. Hum, isso assusta, sabem, pois leva-nos a pôr em questão a nossa capacidade de apreciação, perguntar: por que raio só eu gosto disto? Mas não, mas não, não se trata de mim, acho que Marte Precisa de Mães tocou alguns pontos que para os americanos é uma blasfémia, o que resultou num ataque de críticos que se espalhou para o mundo todo, aliás, sabe-se que os críticos do lado de cá não fazem mais nada do que concordar com os americanos, se eles dizem lá que um filme é bom, estes aqui secundam, o que explica que filmes como A Ressaca tenham sido muito bem falados quando talvez só tenham piada para a cultura americana.

Marte Precisa de Mães é um filme que diverte, com bastante fluência e que se consome rapidamente, e vou revê-lo com os meus sobrinhos para tirar a prova dos nove. Porém, o que vou fazer aqui é tentar perceber por que razão o filme foi maltratado apesar do seu tema, o que fará com que tenha spoilers.

Eis a história: Milo, um rapazinho, num daqueles momentos frequentes de ira que todas as crianças têm, diz à sua mãe que estaria melhor sem ela, e os marcianos que precisavam de mãe, uma boa mãe que saiba educar, e que por acaso estavam de olho na mãe dele, resolveram raptá-la para ir educar as suas crianças. E Milo seguiu a mãe e entrou na nave, indo acabar em Marte, onde conhece Gribbles, um humano que há vinte e cinco anos atrás vira a sua mãe a ser raptado e que desde essa altura viveu nas catacumbas de Marte. A entrar na aventura aparece Ki, uma marciana sorridente (linda e com um sorriso cativante, deixem-me dizer, apesar da sua feição marciana) por quem Gribbles acaba se apaixonando. Como vilã temos a Supervisora, uma espécie de amazona que resolve criar uma sociedade livre de homens, porque os gajos são preguiçosos e infantis.

trailer


Eis a história e ao mesmo tempo os problemas do filme, vou elencar o que desgostou a crítica americana:
  1. A relação entre Gribbles e Ki, visto um ser humano e outro marciano. Se a relação entre um preto e um branco, na América ainda hoje não é considerado uma relação normal, precisando do apodo interracial para poder entrar na categoria de relação, imaginem como eles reagem à uma relação inter-especiés. Não importa que Ki manifeste emoção, não importa que seja tão inteligente ou mais inteligente que Gribbles, não importa que ela seja, permitam-me dizer, um ser superior, não, o que conta é que ela não é humana, portanto isso é bestialidade. Aliás, nem importa que Gribbles se sinta mais marciano do que terrestre por ter passado a vida toda em Marte e com os marcianos, não, ele não é marciano. Tal como os árabes não são americanos, tenham ou não nascidos ali, os pretos também não, os latinos, os chineses, etc, o que justifica os prefixos afro-americano, sino-americano, entre outros. Nesse sentido, aceitar o filme, e não classificá-lo mal, seria aceitar a ideia de uma relação inter-especial, o que para eles é de muito mau gosto.

  2. A ideia de que nós, os homens masculinos, somos realmente preguiçosos. No Marte há dois mundo o de cima, onde vivem as mulheres, e o de baixo, a lixeira, onde vivem os homens, enquanto o de cima é bem desenvolvido, as mulheres falam, escrever, são inteligentes, o de baixo, onde vão parar os homens é bastante primitivo, os homens nem falar sabem, a única coisa que fazem é esfregarem-se um no outro, revelando sentimentos homo-afectivos (por favor não confundir com homossexual). Parece que o filme quer dizer que os homens só são salvos de não serem gays pela existência da mulher, e os americanos não querem ver isso, não querem saber que em cada ser humano há um gay que nos leva a fazer amizades fortes e duradouras com pessoas do mesmo sexo, o que nos leva a querer a precensa do amigo tal como queremos da namorada, sendo a relação sexual o único diferencial.

  3. Esse mundo dividido de Marte, onde a vilã, a supervisora, é consequentemente feminina, é também um ataque aos feministas, pois para não o ser, se o mundo fosse governado por mulheres, tinha de ser justo e imparcial. Nesse sentido, os politicamente correctos americanos tinham de atacar o filme (embora, não me pareça que este ponto seja o que realmente os preocupa, mas sim a sua masculinidade arranhada) usando isso como desculpa.

  4. Outra desculpa talvez seja a questão mãe. Milos define a mãe como uma empregada que nos ama. E eles não gostam dessa definição, acham que o conceito mãe vai mais longe, e que essa é uma ideia errada para passar às crianças. Porém, na verdade, o que é mãe, senão aquela empregada, que ainda por cima é patroa, pois dá-nos ordens, porém que nos ama e por quem temos amor. Que mãe se importa de ser empregada do seu filho, desde que este lhe diga todos os dias que a ama ou lhe mostra todos os dias esse amor? O que irrita os americanos é terem de reconhecer que sim, que eles usam mesmo a mãe como empregada, por ela ser mãe, mulher, o segundo da hierarquia familiar.

  5. A referência ao comunismo, o planeta vermelho e tal, e o constante ataque americano  a ele pelos americanos, feito por Gribbles, porque é um golpe no orgulho capitalista. Ou seja, o filme é uma inversão polar de Marte Ataca, visto que estamos tanto a observar a eles, como eles a nós, e pelo que parece a objectivo deles é mais cândido.


Enfim, o filme mostra várias coisas, talvez até mesmo uma apoligia ao cannabis, mostrando como os hippies davam cores à vida, mostrando como Marte ficou mais animado depois, sob o lema: O poder da flores, todo esse conjunto, deixa de ser um ensaio, para ser uma ofensa para as crianças, portanto, para fazer do Marte Precisa de Mães um mau filme. No entanto, se 60% de adultos não conseguem fazer do filme esta leitura que eu fiz, imaginem se 90 % de crianças conseguiriam. Portanto, a desculpa para massacrar o filme é para salvar o ego e justificar as fobias de uma determinada classe americana e não porque o filme não diverte ou não ensina. Confesso que eu também fiquei preocupado com a relação inter-especial, mas será essa a razão para negar todo o valor do filme.

Em termos técnicos, a animação é muito boa, foi usada a técnica de captura, tendo actores reais interpretado os personagens, ou seja, não houve apenas uma interpretação de voz. E houve bastante realismo nas cenas, e mesmo na história, considerando que se tomou em conta a questão de gravidade, ou a impossibilidade de respirar fora da cápsula, e se puderam os marcianos a respirar como os humanos compreende-se que foi para dinamizar a história. Porém, isso não tem nada a ver com a técnica. O filme é visualmente aparatoso, algumas renderizações têm um aspecto plástico, mas no geral está bem definido e é magnificado pela utilização da luz e cor.

Marte Precisa de Mães, não se enganem pela crítica, vejam pelos próprios olhos, é um filme bem divertido, com, pelo menos, uma personagem carismática, e que arranca umas boas gargalhadas. Porém, também é um filme que diz: Oh, Disney, quando quiseres fazer uma animação, não te esqueças de levar a Pixar junto.
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