10 de fevereiro de 2012

COMENTÁRIO SOBRE O TEXTO ESPAÇO-LIXO DE REM KOOLHAS

O presente trabalho versa sobre o texto Espaço-Lixo de Rem Koolhaas, retirado do livro Três Textos sobre Cidade (Editorial Gustavo Gil, 2010, ISBN: 9788425223716), constituindo uma análise crítica do referido texto.

No entanto, considerando a extensão do referido texto e os múltiplos assuntos focados, ligados por um fio de raciocínio que lhes dá coesão, torna-se um tanto difícil em apenas três páginas falar do texto, seja para mostrar os seus pontos chaves, seja para o refutar. E por ter lido A Cidade Genérica, outro texto constante no livro, não consigo evitar de fazer paralelismo entre os dois, tornando assim mais complicada a tarefa de fazer uma análise crítica, sendo essa a razão por que preferi fazer este comentário crítico através deste óculo: o que pretende Rem Koolhas com o “Espaço-Lixo”?

Neste vídeo da Dutch Profile, numa entrevista a Rem Koolhaas, ele diz: Não penso que se pode fazer uma arquitectura crítica porque a arquitectura sempre suporta o impulso de alguém. E por outro lado eu penso que a nossa arquitectura [da OMA] é completamente crítica, porque todos os assuntos, todas as questões, todas as ambições são analisadas e colocadas sobre a mesa do trabalho para vermos como podemos projectá-los de uma maneira nova ou como poderemos criar uma nova relação ou como poderemos organizar esses ingredientes de tal forma que ganhem diferentes valores. E tentamos fazer isso com tudo. E no Espaço-Lixo o mesmo diz, da arquitectura contemporânea: Em vez de desenho há cálculos (...). [pág. 87]


Então se Koolhaas afirma que costumam, na OMA, calcular a arquitectura para ficar crítica e não ser apenas fruto de um impulso apesar de apontar o cálculo como um dos geradores do espaço-lixo, põe-se duas questões: i.) será que ele está a desconstruir a arquitectura contemporânea como uma forma de conhecer os sintomas e patologias para depois apresentar alternativas (o que não chegou a fazer, e talvez o venha a fazer nos próximos livros)? ou ii.) só está a reportar sobre o estado actual da arquitectura, considerando que os seus métodos são abrangidos pela crítica negativa que faz? Não levanto uma terceira questão porque acredito que ele não se considera fora do padrão.

O Espaço-Lixo apresenta uma série de vícios da arquitectura moderna, vícios que, por mais que não queiramos, nós, estudantes de arquitectura, não conseguimos evitar de apreender, e que inevitavelmente, a não ser que ganhemos uma nova consciência arquitectónica, vamos esticar até a exaustão ou reformular para torná-los ainda pior. E acredito que o texto seja uma tentativa de despertar essa consciência.

Pessoalmente, costumo comparar a arquitectura contemporânea ao cinema contemporâneo, chamando-lhe de arquitectura de efeitos especiais, tem forma, tem estilo, mas falta-lhe o conteúdo. É certo que, tal como no cinema, existe sempre excepções, há arquitecturas que apesar dos efeitos especiais ainda apresentam algum conteúdo, embora este, por vezes se manifeste diluído no meio de tanto CGI, usando as palavras de Koolhas: os designers gráficos são os grande vira-casacas; enquanto que antes a sinalização prometia levar-nos onde queríamos ir, agora confunde-nos e enreda-nos num emaranhado de preciosismos que nos obriga a seguir por desvios não desejados, e voltar atrás quando nos perdemos. [pág. 87] Por outras palavras, concordo com o grosso do texto, não obstante as várias partes que me causam confusão por não as conseguir compreender. Pretendo citar algumas delas, mas antes penso que devo definir o espaço-lixo, conforme o autor.

O espaço-lixo (…) [é] o produto de um encontro entre a escada rolante e o ar condicionado, concebido numa incubadora de pladur (as três coisas faltam nos livros de história) [pág. 87]. O espaço-lixo é a soma total do nosso êxito actual; construímos mais do que todas as gerações anteriores juntas, mas de certo modo não nos registamos nas mesmas escalas. Nós não deixamos pirâmides. [pág.70].O espaço-lixo é pós-existencial; faz-nos não ter a certeza do lugar onde estamos, oculta para onde vamos e anula o lugar onde estávamos.[pág.90] Os interiores remetem ao mesmo tempo para a Idade da Pedra e para a Era Espacial. [pág.75]  

Fórum Sintra é um perfeito exemplo dessa arquitectura de
mixagem, todo o local parece ter sido feito por diversos
que nunca chegaram a entrar em contacto um com o outro
resultando que o espaço não apresenta uma linguagem
coerente e pareça mais uma manta de "retalhos"
Há muitas outras caracterizações que o autor atribui ao espaço-lixo, e cito apenas estes porque acredito que conseguem de uma forma ou doutra resumir o espaço-lixo numa arquitectura sem identidade, com a mania de atemporalidade, espalhando-se no tempo e no próprio espaço, através de pavimentos que são “manta de retalhos; diferentes texturas (…) alterando ao acaso” [pág.86], pois “o espaço criou-se empilhando matéria sobre matéria e unindo-as para formar um sólida totalidade nova.”[pág. 73], procurando evitar uma datação. A arquitectura contemporânea não quer ser definida por um estilo, aliás, não consegue, o que o leva a transformar-se no espaço-lixo, uma arquitectura que “aproveita qualquer invenção que permita a expansão, incorpora qualquer recurso que fomente a desorientação (os espelhos, as superfícies polidas, o eco), estende uma infra-estrutura de continuidade: escadas rolantes, elevadores, áreas cercadas, cortinas de ar quente, ar condicionado, etc. O espaço-lixo é fechado, mantém-se unido pela estrutura, ou por uma pele, como uma bolha.” [pp. 70-71] O espaço por si mesmo perde o significado e importância, concentra-se mais nos efeitos visuais, na ornamentação tanto criticada por Adolf Loos[1] século antes, e diferentemente da art-nouveau de Gaudi (por exemplo) que usava a própria arquitectura para adornar a arquitectura, o espaço-lixo ignora a arquitectura e usa apêndices para esse efeito, pois “quando pensamos no espaço, só olhamos para os seus contentores”, aliás, Bruno Zevi[2] já se referia a esse perigo, referindo-se ao espaço como o protagonista da arquitectura ao invés do seu núcleo contentor.

O espaço-lixo é, no entanto, a negação desse conceito, para o espaço-lixo, o espaço é mesmo lixo, o seu contentor, sim, esse é que tem valor, como diz o autor, “mais e mais, mais é mais, [pág.72] “O espaço-lixo é um Triângulo de Bermudas de conceitos (…) suprime as distinções, corrói a determinação e confunde a intenção com a realização; substitui a hierarquia pela acumulação, a composição pela adição.” [pág. 72] Todavia, essa afirmação de Koolhass que remete a simplicidade defendida por Mies Van Der Rohe (com o seu “menos é mais”), entra em contradição com a crítica que estendeu a este no texto Cidade Genérica (pág. 56), “Mies tomou decisão de uma vez por todas contra o interesse, a favor do aborrecimento”. Afinal, Mies tinha razão como o “menos é mais” ou não tinha?

Apesar da caracterização do espaço-lixo com a qual concordo, como já dissera algumas da afirmações de Koolhass só me levam a interrogações que, em vez de respostas, despoletam mais interrogações. Todavia, como não há espaço para apresentar todas essas interrogações, vou usar a abertura e o término do texto Cidade-Lixo, “O coelho é a nova carne de vaca… o cosmético é o novo cósmico”, para pôr a seguinte questão, se os conceitos mudaram hoje, se o capitalismo absorve até a arte e dita as regras, não deveríamos aceitar as mudanças de conceito e começar a pensar que o que definia antes a arquitectura já não o consegue fazer hoje, e que o espaço-lixo não é uma não-arquitectura, mas simplesmente a arquitectura hodierna?



[1] Adolf Loos critica a ornamentação no ensaio “Ornamento e Crime” publicado em 1908, como um desperdício de mão-de-obra.
[2] Em “Saber Ver a Arquitectura”, Bruno Zevi dizia que se os engenheiros continuarem a escrever histórias da arquitectura como se fossem histórias da construção técnica, o grande público não poderá acompanhá-los. É dessa maneira que vemos hoje a arquitectura mais concentrada na técnica de construção e de representação do que no próprio espaço contido, por exemplo, os fotógrafos e as revistas concentram-se mais no plástico do que na vivência do ambiente, não falam das sensações do espaço, apenas reportam sobre as técnicas e os materiais de construção, o lado “psicológico ou sensitivo” do espaço é totalmente ignorado. 
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