Não sou racista. Eu vou para a cama com pretos!
Lembro-me de ter ficado bastante
magoado quando uma amiga que prezo muito me disse que não se via a ter relações
com pretos que não fosse mais que amizade. É claro que pensei que ela era
racista, porque para mim, na altura, a maior mostra de não ser racista era
talvez ter relações sexuais com alguém de outra raça (e digo já àqueles que vão
retorquir que somos todos da mesma raça: pliz, não chateiem e deixem-me acabar o meu
raciocínio). Eu sei que foi um pensamento estúpido tanto quanto foi estúpida a
frase dela, pois quando desenvolvemos sentimentos de amizade, se forem
genuínos, é claro, por alguém, isso significa que podemos desenvolver
sentimentos de amor, pois se não nos restringimos a amar fraternalmente alguém de
uma raça diferente, provavelmente é porque não somos racistas.
Eu vou para a cama com pretos!, não quer dizer que a pessoa não
seja racista (embora não signifique que o seja), aliás, não atesta de forma
nenhuma o racismo ou a sua ausência em ninguém, embora possa ser um indicador. Pode-se ir para a cama com
pretos por fetiche, ou para se sentir cool
e progressista, ou porque essas
pessoas não passam de objectos sexuais. E pode-se não querer ir para a cama com
pretos da mesma maneira que não se quer ir para a cama com gordos, musculados,
magros, loiros, morenos, anorécticos, entre outros tipos físicos. Porém, quando
alguém diz: loiras não fazem o meu tipo,
ninguém o acusa de “tipismo”, mas quando alguém fala: pretos não fazem o meu tipo, é logo racista. Eu sei que estou a ver
a coisa de uma maneira um tanto superficial, mas acho que suficientemente para
mostrar o meu ponto.
Imaginemos um branco a dizer
(como já ouvi algumas vezes): gosto de
carne escura, brancas não me atraem!, o que concluímos: Ele é racista e não
gosta da sua própria raça? Ele é racista e trata os pretos como objectos? Ele simplesmente
definiu um tipo? E vamos pensar então que ele cresceu com os pretos e sempre
viveu com eles?
A verdade é que nem tudo o que
envolve a cor é complicado, no entanto, tudo o que envolve os pretos é. E
parece que para a maioria, tal como era para mim, o não-racista é aquele que
vai para a cama com a outra raça e não aquele que respeita, valoriza, amiga-se
ou ama os outros, independentemente da sua raça.
E, voltando atrás, quando um
preto diz: gosto mais de brancas!,
ele é logo taxado de racista e de alguém com vergonha da própria raça, nem se
pensa em aspectos culturais ou na simples questão de atracção pelo oposto. Não
choca a ninguém ouvir as arianas, loiras platinadas e de olhos azuis nórdicas a
dizerem: atraem-me mais os morenos e de
olhos negros. Ninguém julga que pela abundância de “arianismo”, elas
queiram algo diferente; aliás, de forma igual, ninguém se chocaria se uma delas
manifestasse uma tendência exclusivamente “ariana”, certamente se diria: ah, é o tipo ao que ela está habituada!
Por essa razão não entendo por
que tem de haver sempre complicação quando esta questão envolve os pretos. Quando
um preto prefere brancos é racista; quando preto prefere pretos é fingido e
orgulhoso; quando branco prefere pretos é fetichista.
Mas como eu disse antes ir para a
cama com pretos não significa não ser racista (mas também não significa sê-lo,
ou seja, como indicador para o racismo não serve de nada); há quem coma os
animais, em todas as acepções da palavra, e isso não significa que não seja “especicista”,
por exemplo, decerto que Monica Mattos nunca diria que respeita os cavalos como
aos humanos.
Há muitos indicadores para o
racismo e o factor “cama” é também um deles, mas só se, suponho eu, aliado a
outros, porque só por si não é nada determinante. E olhem que para esta
reflexão usei o preto como a
constante e o branco como a variável,
o que, não fosse o facto de eu me encontrar num país branco, poderia significar que pretendo que apenas os brancos
podem ser racistas. E para esclarecer digo:
o racismo não tem raça, só os homens têm. E olhem que nem comentei a frase:
não sou racista, pois tenho amigos pretos!