29 de dezembro de 2010

BAUDOLINO, Umberto Eco (2000) - uma história de hoje


Esta visão já tem um ano, só a estou a transcrever.


Fechei Baudolino, de Umberto Eco, um autor muito bom na minha opinião (o que não conta nada, sendo que ele é considerado um dos melhores literatos vivos), que ensina a História e a Filosofia, através das lendas nos seus escritos ao mesmo tempo que vai contando a sua história, pelo menos nas duas das três obras de ficção que li dele: este Baudolino e O Nome da Rosa, mostrando também o fascínio que lhe inspira a Idade Média.


A outra obra que li dele, Apocalípticos e Integrados, diz que detrás da aparente superficialidade com que conta as suas histórias se esconde reflexões sérias, e se esta obra era totalmente académica, a sua revisita em modo mais ficcional, n’A Misteriosa Chama de Rainha Loana, onde ele apresenta um género literário totalmente novo (pelo menos para mim, que não conheço outro exemplo), percebe-se a riqueza das leituras e todo o universo que esse mundo pode conter.

Mas estava a falar de Baudolino. Baudolino, o personagem, é o filho de pobre aldeão que é adoptado por um rei, o arquétipo que a nossa sociedade adora (aquele que os americanos chamariam de self-made-man), o sonho de qualquer pobre, marcando assim o seu lado fabuloso, considerando que os contos de fadas e mitologias diversas estão repletos de personagens como ele. Baudolino é o Gato das Botas (não pensem em Shrek, pelo amor de deus, mas em Perrault), aquele que do nada cria um mundo, tal como um Deus, usando o verbo e mexendo na cabeça das pessoas. Mas ele é humano, rompendo-se assim com as fábulas, não é o pastel bidimensional, mas um homem que por vezes antipatizamos e odiámos e pomos em questão as suas acções. Porém este é Baudolino como personagem.

Baudolino como livro é deveras divertido. A história decorre durante a Idade Média – a Idade das Trevas (como lhe chamam os historiadores) -, as situações e as personagens são tão caricatas que muitas vezes pensámos: como é que as pessoas não viam o embuste atrás disto? Bem, se calhar por que nós da Idade Moderna (Idade da Informação ou das Luzes – não sei como a chamam) somos melhores ilustrados e mais inteligentes. Mas é aí o ponto forte de Baudolino, porque consegue estabelecer comparações e mostrar que somos tão estúpidos, crentes e manipuláveis como os da Idade das Trevas, querendo assim dizer que, provavelmente somos ainda mais estúpidos do que aqueles, porque embora tenhamos informação, deixamo-nos manipular, ou por outras palavras, por sermos muito informatizados, a manipulação vem através dela, tal como na Idade Média ela acontecia pela religiosidade. Em suma, pode-se dizer: os deuses mudaram, mas as pessoas não.

Baudolino viaja pelas lendas cristãs, tal como o Santo Graal, o santo Sudário, entre outras asnices do universo mitológico cristão, inclina-se sobre o espírito universitário, que, surpresa!, ainda não mudou séculos volvidos, ainda olha para a relação do poder entre os reis e reinos (hoje países e políticas), do qual vou citar um episódio: um rei apoia um povo para construir uma cidade, depois alia-se à outra cidade para atacar aquela que tinha ajudado a construir (isto não passa nos noticiários hoje?).

Baudolino não é daqueles livros que te obrigam a voltar a página seguinte com a avidez de o que vem depois, mas instiga a curiosidade obrigando-se a ser folheado por: o que vai inventar depois o personagem (acaba por ser o mesmo, não?). 

Baudolino parece um conjunto de contos, e se calhar é, mas é um romance, uma relegenda de lendas. Uma das grandes perguntas ao ler o livro é: até que ponto o que sabemos corresponde ao que é?



E Baudolino é atemporal, as reflexões que pode despertar sobre os homens de outrora e a forma de agir deles estampam-se à perfeição àquelas que devemos fazer sobre os homens hodiernos.

Baudolino é uma leitura obrigatória para qualquer cristão, considerando que fala da religião, e para qualquer um com olhar para a actualidade.
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