12 de março de 2021

LEI DE KON: A RAIZ DA VIOLÊNCIA (cronices crónicas)

NÃO, NÃO e NÃO! NÃO FOI ASSIM. VIOLÊNCIA NÃO É EDUCAÇÃO!

Já me cruzei com esta imagem (e outras similares) em vários lugares na internet, com pessoas a enaltecerem isto como boa educação. Mas olhemos atento para a imagem e leiamos a violência que emana.

Violência não é educação, nunca foi e nunca será. Se violência fosse educação, por causa daquilo que passamos na mão dos tugas teríamos sido dos povos mais educados do mundo. Essa fala de que “apenas o sute endireita o guineense” é mais uma daquelas estupidezes que repetimos sem sequer pensar.

O sute nunca endireitou ninguém, o sute nunca educou ninguém. O que o sute faz é criar submissão e medo, não respeito, medo. O sute faz as pessoas dobrarem-se ante o medo e não aceitarem erguidas a razão. E o sute é um dos maiores problemas da nossa sociedade guineense, senão o maior.

Somos educados com mantampa. Mantampeados e tcherninhados por dá cá aquela palha, desde crianças é-nos ensinada a “LEI DE KON”: o kon maior bate no kon menor, e assim progressivamente. Mesmo entre os kons duvido que essa lei funcione, mas nós não somos nenhuns macacos, somos humanos, com maior capacidade de reflexão e de pensamento… bem, olhando para o estado do mundo, tenho dúvidas sobre esta minha afirmação… ohhhhhhkay… temos alegadamente maior capacidade de reflexão, portanto, já era mais que tempo para começarmos a reformular determinados conceitos que claramente não funcionam.

A violência na qual somos educados, que na sua maior parte é gratuita e desproporcional, não é nada mais do que a incapacidade dos nossos educadores lidarem com a sua frustração. Pessoas mantampeiam crianças que estão a chorar, ao mesmo tempo que dizem “para de chorar, para!, cala a boca!”, mas como elas vão parar de chorar se estão a bater nelas? Já vi educadores a baterem em crianças bem pequenas, porque não querem comer ou por outra razão qualquer e julgam que estão a educar. Mas, vamulá, se mesmo a conversar com essas crianças será difícil fazer-lhes entender o porquê de não fazer certas coisas, muito menos elas irão entender o problema do que fizeram batendo apenas nelas.

Algumas pessoas já me disseram, quando discutimos este assunto, “eu concordo com mantampas, a mim foi o sute que me endireitou” e eu pergunto-lhes sempre: “mas o que estava errado antes?”

Eu, por exemplo, quando ia brincar com os colegas e voltava depois da hora do almoço, levava tareia lá em casa. Sim, evitava chegar depois do almoço para não levar tareia. Mas se calhar, proibirem-me de comer podia ter sido mais eficiente, eu sei lá (comia na casa dos amigos). A cena é que, como sabia que já tinha sute à espera, quando a hora do almoço, que variava muito, me apanhava na rua com os amigos, eu já só voltava à hora do jantar, porque sabia que a tareia era inevitável… ao menos não interrompia as minhas brincadeiras e brincava muito antes. (Depois fazia todo aquele ritual de pedrinhas para escapar do sute: uma debaixo da língua para colocar no pote de água, outra para atirar pelas costas quando estava perto da casa sem olhar para trás e coisa assim… que muitas vezes resultava).

A questão da violência não é específica apenas aos educadores, mas a toda a nossa sociedade que vive sob a “LEI DE KON”. Os mais velhos (mais fortes) batem nos mais novos (mais fracos) sem precisarem de outra razão fora de porque podem, na discarna mesmo. Um miúdo parado no meio do caminho pode levar a coquida de um adulto só porque está parado e ele quer passar, mesmo que o adulto pudesse desviar-se facilmente. O que faz o miúdo que foi coquido? Vai à procura de um outro miúdo mais fraco para, por sua vez, coquir também. E de repente vemos um miúdo de dois anos a riquitir um bebé de dois meses, e dizemos que não entendemos a razão do beliscão? É agressão transferida.

Os pais são agredidos pelos patrões, que são agredidos pelo Estado, e frustrados, sem poder dar respostas, vão bater (na mulher, no marido”?”) e nos filhos, e os filhos nos irmãozinhos, e então a “LEI DE KON” é padronizada dessa forma.

Professores batem nos alunos, com palmatórias de madeira, mantampa de serra, cinto, chicote, porque estes confundiram o P com R ou com o B. Eu fui obrigado várias vezes, quando aluno de primária, a ficar de joelhos sobre cascas-de-karus ou pedrinhas, não porque não sabia as lições, mas porque chupava os meus dedos, e diziam que eu já tinha idade mais que suficiente para deixar de chupar os dedos (chupei-os até aos nove, e só parei porque a certa atura deixou de saber bem, nenhum sute me impediu de os chupar)… os meus dedos… os meus próprios dedos… vá, se andasse a chupar os dedos de outras pessoa até poderia entender, e tenho a certeza de que me matariam se ao invés dos dedos eu andasse a chupar o pé… eeeeeeeepá.

Somos educados no sute, na “LEI DE KON”, e não conhecemos outra coisa e aceitamos isso como parte nuclear da educação, e aceitamos a hierarquia violenta inerente dessas práticas. Por isso, sempre que nos tornamos poderosos, oprimimos os outros e achamo-nos no direito de o fazer: filhos que oprimem os próprios pais quando envelhecem; polícias e militares que não sabem o seu papel e pensam que é bater nas pessoas; o “n’ na mostrau bu lugar”; governantes que acham que podem mandar prender e bater nos outros porque têm esse poder (que não consta em nenhumas das nossas leis escritas); e o povo que aceita tranquilamente o exercício desse tipo de poder (não só violência física), porque “eeeeeeeeee, pa pa pa pa pa, abo bu na kirtika nan sefi!”.

Não, violência não é educação. A “LEI DE KON” é estúpida e vazia. Se o sute fosse educação teríamos o melhor povo de mundo e o Prémio Nobel da Educação iria para.

 

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