17 de maio de 2020

COMO ESCREVER EM KRIOL (PARTE 2)


Esta é a segunda parte de um exercício que comecei aqui:

Apesar de se escrever cada vez mais kriol, há uma série de “erros” que continuam a aparecer nessas escritas e vou elencar alguns de uma forma simplificada, mas que possa permitir posteriormente discussões mais profundas.


2. PROBLEMA NA SEPARAÇÃO DAS PALAVRAS

Não são incomuns textos onde aparecem palavras como “BADJA” em vez de “BA DJA”, por exemplo, para significar “Já te tinha dito...”, escrevem “N’ falau BADJA…”, ao invés de “N’ falau BA DJA…”. “Badja” significa “dançar, bailar”. “BA DJA” seria o correto, uma vez que “BA” é um marcador de passado e “DJA” é um advérbio de tempo. Mas vamos tentar deixar aqui a complicação nomenclatural para os gramáticos e os linguistas e tentarmos ficar mais na terra.

Escreve-se muitas vezes sem separar a palavras que quando não separadas significam outra coisas, tal como BADJA / BA DJA, há muiiiiiiiitas outras, mas vou elencar aqui apenas algumas:

AMINA, AMI NA, BOTA, KUTA, KUNO, IKUMA, SIBIME, DIDIME, NEGADE, NONA, NOTA, INA, ITA, NOSBA, KUM MOSTRAU, IKATA, BANHUS, NKUME.

A maior parte destas palavras têm em comum os seguintes marcadores:


2.1. MARCADORES LINGUÍSTICOS

BA – marcador de passado – Aparece sempre depois do nome/pronome ou do verbo. “Djon BA ki fala” ou “Djon ki fala BA” (O João é que tinha dito).

BA – marcador plural associativo – aparece sempre antes do nome próprio “BA Djon na se bairu” significa “As pessoas do bairro do João”. (Prometo dar mais e melhores explicações sobre este marcador nas minhas aulas de KRIOL EM 42 LIÇÕES, quando sentir vontade de voltar a elas).

KA – marcador de negação – “i KA sibi” (ele/a não sabe). Nota: para quem está habituado com o inglês, “KA” funciona como o “DON’T”, não dizes o “KA” para dizer “Não”, mas para fazer frases negativas.

TA – marcador de aspeto habitual – usa-se para descrever algo que fazes com frequência, “Djon TA djuga tudu dia” (O João costuma jogar/joga todos os dias); para descrever um estado “Djon TA djuga na Futebol Clube de Sonaco” (o João joga no futebol clube de Sonaco); para descrever uma atitude ou ação ou qualidade que caracteriza uma coisa ou uma pessoa: “Djon TA djuga bem” (O João joga bem /O João é bom jogador) ou "Tchuba ta tchubi nam na agustu" (Chove muito em agosto).  

NA – marcador de aspeto contínuo / ou do futuro (depende do contexto) –  Ex. de contínuo: “Pera un bokadu, n’ NA kume.” (espera um bokadu, estou a comer); ex. de futuro: (Amanha n’ NA kume tok.” (vou comer muito amanhã). No inglês é basicamente o “ING”.

Enfim, acho que esta descrição acaba por servir mais para os não falantes de kriol ou os que estão a aprender a língua, porque os falantes de certeza sabem disto claramente. Mas para os escreventes de kriol, serve isto apenas para mostrar que KA, BA, TA e NA, são palavras independentes com a sua própria categoria gramatical, por isso não devem ser escritas juntas às outras palavras.

Sobre algumas palavras acima listadas:

IKA / ETA / UNA / BUTA / BOTA / BONA /. O mais certo seria: I TA, E NA, U NA, BU TA, BO TA, BO NA. Pensem nisto: “I” “U” “BU” “BO” são pronomes, pronome são palavras que podem ser substituídas por nomes. Então, tal como não escreverias juntos “DjonTA fala” “JoanaNA kume”, então faz sentido separar os pronomes dos marcadores, "N' TA", "BO TA", "KU TA" "KU NO", além do mais "BOTA" é um sapato, “KUTA” é nome de mulher, e “KUNO” é nome de pampana (dependendo da pronúncia, é certo). 



2.1.1. BA e BA

Também há quem use o “BA” para referir o passado, ligando-o imediatamente ao verbo. É uma influência do português, que usa o “VA” para o pretérito imperfeito, por exemplo, ESTAVA – ESTA(r) (verbo) + VA(sufixo) – logo, alguns escrevem também “STABA”, “CALABA” “KUMEBA” “FALABA”, entre infinitos verbos. A questão é que o “BA” não é um sufixo, mas um termo independente, um marcador do passado (neste caso específico). E “BA”, como observado, pode vir depois do NOME e do VERBO, como no exemplo acima: “Djon BA ki fala” ou “DJON ki fala BA”, por isso acho que escrever “falaBA” transforma o “BA” num sufixo quando ele não o é. Mas, de qualquer forma, isto é apenas uma observação, escreve “fala ba” ou “falaba”, apenas escreve, a língua kriol agradece.

NOSBA (i papia ku NOS BA – tinha falado connosco, definitivamente escreve-se separado).


Quanto ao segundo BA. 

Alguns escrevem “BANHUS” (para dizer “os senhores) ou “BANHARAS” (as senhoras). Mas como BA é também uma palavra por si, e tal como não escreveríamos “BADjon”, mas “BA Djon”, e tal como “nhara” (senhora) é uma palavra independente, por exemplo, as “nharas” de Cachéu, ou o “nhara-sikidu” (o arbusto, alguém se lembra?), penso que o mais certo aqui seria “BA nhus” “BA nharas”. Mas outra vez vou dizer, isto é apenas uma observação não imposição.


2.2. SEPARAÇÃO ENTRE PRONOMES E VERBOS

IKUMA, NKUME… entre outros. Seguindo os exemplos acima, penso que devemos separar os pronomes “I” “N”, e os restantes, do verbo, porque não escreverias  “DjonKUME”.
NKUME é juntar o “N” ou “ N’ ” depende do código escolhido por quem escreve, com o verbo logo a seguir.  Mas imagina que o verbo fosse “NVENTA”, então escrever-se-ia “NNVENTA”.

AMINA, AMI NA… Aqui falta o pronome forte “ N’ ”. Notemos que em kriol, dizemos “AMI” “ABO”, etc, para fazer referências às pessoas, mas para conjugar verbos temos de dizer “ N’ ”, “BU / U”, entre outros. AMI NA bai, significa que a pessoa com o nome AMI está a ir, não que eu estou a ir. “AMI N’ NA bai” já é outra questão. Mas entre AMINA e AMI NA, por favor, escreve AMI NA.


2.3. SEPARAÇÃO ENTRE OUTRAS PALAVRAS E AS PARTÍCULAS DISCURSIVAS

ME, DE, PON/PO, BO, NAN, PRO, GORA (não me lembro de outras agora), são partículas discursivas, quase sempre enfáticas, também termos independentes dentro do seu próprio contexto. Quando digo independentes não significa que podem ser usadas sozinhas, pois estão sempre condicionadas a um contexto, mas pertencem a categorias próprias. Se calhar são advérbios, pois alguns comportam-se com algumas palavras ou termos que em português são advérbios ou locuções adverbias.

NEGADE é claramente um erro, “i nega DE” (ele negou mesmo), parece-me mais certo, pois ainda podemos dizer “i nega GORA DE” ou ainda dar mais ênfase “i nega NAN GORA DE”, e sei lá, talvez até possamos exagerar e dizer: “I NEGA NAM GORA DE BO”.

Penso então o DIDIME deve obedecer à mesma separação das palavras (DIDI ME), principalmente porque usamos o DIDI sozinho, e o ME no "DIDI" so adiciona o ênfase. "DIDI mursegu ka ta bota ovu", "DIDI ME mursegu ka ta bota ovu" (Afinal os morcegos não põem ovos).



Bem, isto acabou por ficar muito mais comprido do que eu contava. 

Vou, portanto, ficar por aqui, por enquanto, depois mostro outros exemplos sobre os problemas em escrever kriol.



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