Comecei este artigo a pensar: será que é coerente fazer um texto
sobre a escrita de kriol em português, quando quem quero alcançar são os
escreventes de kriol? Não seria mais lógico fazer o texto em kriol? Isso vou
discutir depois, para já vamos ao que interessa.
Ver pessoas a escrever kriol cada
vez mais pelas redes sociais e “messengers” deixa-me muito contente, porque estamos
a abraçá-lo mais, e a discussão sobre a oficialização de kriol que teima em
aparecer, então… mais contente ainda me deixa.
Entretanto, apesar de se escrever
cada vez mais kriol, há uma série de “erros” que continuam a aparecer nessas
escritas e vou elencar alguns de uma forma simplificada, mas que possa
permitir posteriormente discussões mais profundas.
1. FALTA
DE COERÊNCIA ORTOGRÁFICA
É certo que não temos um sistema
ortográfico normalizado, embora existam propostas, por isso cada um escreve com
o sistema que lhe dá mais jeito, alguns utilizam o sistema português para o efeito
outros sei lá qual. Todavia, não importa o sistema que se utilize, é preciso que
haja coerência nos textos, que se “uniformize” a escrita dentro do sistema
escolhido. Por exemplo:
1.A: “C” e “K”
Alguns escrevem, usando as letras
“C” e “K” indiscriminadamente, uma vez escrevem “kana” outras, “cama”, umas “baka”
outas “faka”. É certo que as duas letras fazem o som de “K” neste contexto, mas
é bastante aleatório escrever com qualquer uma delas.
Sugestão: escolhe uma letra e fica por ela, ou escreve tudo com “K” ou “C”, mas não andes a djugutar de uma para outra aleatoriamente.
1.B: “S”, “Ç” e “SS”
Eu confesso que me estranha a
utilização do “Ç” em kriol (mas isso sou eu). Na verdade, há poucas línguas no mundo que o usam e
em algumas delas tem som diferente do “S”. E mesmo em português eu acho
dispensável, o “S” dobrado, faria muito bem o “servisso" (mas isso é só
uma opinião). Enfim… Também não me parece muito coerente escrever-se “bedjiÇa” e
logo a seguir “garandeSa”, “malandriSa” ou “mufineSSa”, porque se se considerar
que os sufixos se escrevem “EÇA e IÇA” eles não variam, portanto, é aconselhável (para os que usam o Ç) escrever tudo com “Ç” e evitar as variações (os sistemas publicamente propostos para kriol utilizam todos "S" simples, e nunca "Ç"). “RaÇa”, “raSSa” e “raSa" no
mesmo texto para significar a mesma coisa é horrível.
Outra variação aleatória é entre “S” e “SS”. Umas vezes “kaSa”, aparecer ao lado de “mASSa”, “kuscuS” aparece ao lado de “djambakuSS”.
Sugestão: escolhe escrever todos os sons de “S” entre vogais com “SS”, ou então com “S” apenas. E se escolheres o “S” simples para representar o som de “S” entre vogais, também não o use para representar o som de “Z”, como em “atraso” ou “ranhoso”.
1.C: “R” E “RR”
Escrever “nha teRa sta na gueRRa”, ou “gaRan di mancaRRa” não faz muito sentido, principalmente porque nós não dizemos o “R” dobrado em kriol. “karu karu - caRRo caRo” “sera - seRRa” (di karfinteru) ou “sera - ceRa” (di bagera), é a mesma “sera” dizemos os dois da mesma forma, por que não escrever da mesma forma?
Sugestão:
1.D: “U” e “O”
Eis outras letras que são usadas indiscriminadamente, principalmente no fim da palavra. “FanadO”, “bonitU”, “faladU”, “sintadO”, “mortU”, “rostU”, “komboiU”, e por aí fora.
Sugestão: escolhe acabar tudo com “O” ou com “U”, mas não fiques a saltar injustificadamente entre um e outro. E se escolheres acabar tudo com "O" então põe acento em "Ó" nas palavras que acabam com O aberto, como em "koko" ou "da bolo", para não ser lido como em português "coco" ou "dar bolo"
1.E: “CH” e “X”
Também escrever “chatu” e logo
depois “xapa” parece uma escolha não consciente.
Sugestão: opta pelo “x” ou pelo “ch”, e se optares pelo “X”, proponho que não o uses como “Z” em palavras como “ixami”, porque se depois escreveres “bruta di mexa”, fica difícil perceber se é “bruta di mecha” ou “bruta di mesa”… eu sei, estou a brincar, há sempre o contexto para ajudar, mas vamos tentar mais coerência.
1.F: “N” e “ N’ ”
As propostas ortográficas que
foram publicadas até agora usam o “ N’ “ para dizer “EU”, por isso, em palavras
com “ntindi”, “nventa” “ntrumpi”, etc, penso que não é preciso escrever o “ N’ “
com apóstrofo, pois sendo o “ N’ “ EU,
então, “n’tindi” seria “eu tendi” não “eu entendi”, e mais fica quando se
escreve “bu n’tindi”, pois assim fica “tu eu tendi”. Sim, o contexto, sim… mas
é preciso acertar a ortografia e facilitar o trabalho a quem lê. “N’ ntindi”
tem o sujeito “N’” e o verbo “ntindi”.
Sugestão: para as palavras “ntindi”, “ntrumpi” “ntera”, etc, penso que fica melhor não usar o apóstrofo depois do N (N’). Há quem não separe o “ N’ ”, sujeito, do verbo, escrevendo, por exemplo, “n’kunsi”, eu também não o fazia até há algum tempo e não me parece que isso seja um problema desde que haja coerência, mas para palavras como “N’NTINDI” não separar o sujeito do verbo torna a coisa um bocado mais complicada, mas se o separarmos ali, então sugiro que o separemos nos restantes.
1.G.: “N’A” e “NGHA”
Para as palavras como “N’ala”, “n’oroto”,
alguns escrevem “nghala”, “nghoroto”, ou podia dizer aqui o contrário, para
palavras como “nghala”, “nghoroto”, alguns escrevem “n’ala”, “n’oroto”, eu escrevo
desta última forma.
Sugestão: Não importa a forma que escolheres para escrevê-la, o que é preciso é que haja a famosa coerência. Para os que escrevem “N’ala”, vê-se aqui a necessidade de separar o sujeito do verbo, para que não se pense que a palavra é uma frase.
Para os que escrevem “Nghala”, quando chegar a altura de escrever “N’ alinha”, também devem separar o sujeito do verbo, porque senão o sistema usado para representa o som “ N’ ” fica a parecer aleatório, pois “N’ghalinha” seria mais coerente dentro desse sistema (embora seja possível construir uma regra à parte para conjugações neste caso).
Sugestão: Não importa a forma que escolheres para escrevê-la, o que é preciso é que haja a famosa coerência. Para os que escrevem “N’ala”, vê-se aqui a necessidade de separar o sujeito do verbo, para que não se pense que a palavra é uma frase.
Para os que escrevem “Nghala”, quando chegar a altura de escrever “N’ alinha”, também devem separar o sujeito do verbo, porque senão o sistema usado para representa o som “ N’ ” fica a parecer aleatório, pois “N’ghalinha” seria mais coerente dentro desse sistema (embora seja possível construir uma regra à parte para conjugações neste caso).
Vou ficar por aqui, por enquanto,
depois mostro outros exemplos sobre os problemas em escrever kriol. Enquanto isso, podes dar uma vista de olhos nisto: SISTEMAS DE ESCRITA DE KRIOL.
http://montedepalavras.blogspot.com/2016/03/as-licoes-do-guineense-kriol-introducao.html
http://montedepalavras.blogspot.com/2016/03/as-licoes-do-guineense-kriol-introducao.html