10 de maio de 2020

COMO ESCREVER EM KRIOL (PARTE 1)



Comecei este artigo a pensar: será que é coerente fazer um texto sobre a escrita de kriol em português, quando quem quero alcançar são os escreventes de kriol? Não seria mais lógico fazer o texto em kriol? Isso vou discutir depois, para já vamos ao que interessa.

Ver pessoas a escrever kriol cada vez mais pelas redes sociais e “messengers” deixa-me muito contente, porque estamos a abraçá-lo mais, e a discussão sobre a oficialização de kriol que teima em aparecer, então… mais contente ainda me deixa.

Entretanto, apesar de se escrever cada vez mais kriol, há uma série de “erros” que continuam a aparecer nessas escritas e vou elencar alguns de uma forma simplificada, mas que possa permitir posteriormente discussões mais profundas.



     1. FALTA DE COERÊNCIA ORTOGRÁFICA

É certo que não temos um sistema ortográfico normalizado, embora existam propostas, por isso cada um escreve com o sistema que lhe dá mais jeito, alguns utilizam o sistema português para o efeito outros sei lá qual. Todavia, não importa o sistema que se utilize, é preciso que haja coerência nos textos, que se “uniformize” a escrita dentro do sistema escolhido. Por exemplo:

1.A: “C” e “K”

Alguns escrevem, usando as letras “C” e “K” indiscriminadamente, uma vez escrevem “kana” outras, “cama”, umas “baka” outas “faka”. É certo que as duas letras fazem o som de “K” neste contexto, mas é bastante aleatório escrever com qualquer uma delas.

Sugestão: escolhe uma letra e fica por ela, ou escreve tudo com “K” ou “C”, mas não andes a djugutar de uma para outra aleatoriamente.

1.B: “S”, “Ç” e “SS”

Eu confesso que me estranha a utilização do “Ç” em kriol (mas isso sou eu). Na verdade, há poucas línguas no mundo que o usam e em algumas delas tem som diferente do “S”. E mesmo em português eu acho dispensável, o “S” dobrado, faria muito bem o “servisso" (mas isso é só uma opinião). Enfim… Também não me parece muito coerente escrever-se “bedjiÇa” e logo a seguir “garandeSa”, “malandriSa” ou “mufineSSa”, porque se se considerar que os sufixos se escrevem “EÇA e IÇA” eles não variam, portanto, é aconselhável (para os que usam o Ç) escrever tudo com “Ç” e evitar as variações (os sistemas publicamente propostos para kriol utilizam todos "S" simples, e nunca "Ç"). “RaÇa”, “raSSa” e “raSa" no mesmo texto para significar a mesma coisa é horrível.

Outra variação aleatória é entre “S” e “SS”. Umas vezes “kaSa”, aparecer ao lado de “mASSa”, “kuscuS” aparece ao lado de “djambakuSS”.

Sugestão: escolhe escrever todos os sons de “S” entre vogais com “SS”, ou então com “S” apenas. E se escolheres o “S” simples para representar o som de “S” entre vogais, também não o use para representar o som de “Z”, como em “atraso” ou “ranhoso”.

1.C: “R” E “RR”

Escrever “nha teRa sta na gueRRa”, ou “gaRan di mancaRRa” não faz muito sentido, principalmente porque nós não dizemos o “R” dobrado em kriol. “karu karu - caRRo caRo” “sera - seRRa” (di karfinteru) ou “sera - ceRa” (di bagera), é a mesma “sera” dizemos os dois da mesma forma, por que não escrever da mesma forma?

Sugestãoesquece o “RR”, escreve tudo com o “R”, assim vais errar menos quando até palavras que em português se escreve com “R” simples escreves com “RR”.

1.D: “U” e “O”

Eis outras letras que são usadas indiscriminadamente, principalmente no fim da palavra. “FanadO”, “bonitU”, “faladU”, “sintadO”, “mortU”, “rostU”, “komboiU”, e por aí fora.

Sugestão: escolhe acabar tudo com “O” ou com “U”, mas não fiques a saltar injustificadamente entre um e outro. E se escolheres acabar tudo com "O" então põe acento em "Ó" nas palavras que acabam com O aberto, como em "koko" ou "da bolo", para não ser lido como em português "coco" ou "dar bolo"

1.E: “CH” e “X”

Também escrever “chatu” e logo depois “xapa” parece uma escolha não consciente.

Sugestão: opta pelo “x” ou pelo “ch”, e se optares pelo “X”, proponho que não o uses como “Z” em palavras como “ixami”, porque se depois escreveres “bruta di mexa”, fica difícil perceber se é “bruta di mecha” ou “bruta di mesa”… eu sei, estou a brincar, há sempre o contexto para ajudar, mas vamos tentar mais coerência.

1.F: “N” e “ N’ ”

As propostas ortográficas que foram publicadas até agora usam o “ N’ “ para dizer “EU”, por isso, em palavras com “ntindi”, “nventa” “ntrumpi”, etc, penso que não é preciso escrever o “ N’ “ com apóstrofo, pois sendo o “ N’ “  EU, então, “n’tindi” seria “eu tendi” não “eu entendi”, e mais fica quando se escreve “bu n’tindi”, pois assim fica “tu eu tendi”. Sim, o contexto, sim… mas é preciso acertar a ortografia e facilitar o trabalho a quem lê. “N’ ntindi” tem o sujeito “N’” e o verbo “ntindi”.

Sugestão: para as palavras “ntindi”, “ntrumpi” “ntera”, etc, penso que fica melhor não usar o apóstrofo depois do N (N’). Há quem não separe o “ N’ ”, sujeito, do verbo, escrevendo, por exemplo, “n’kunsi”, eu também não o fazia até há algum tempo e não me parece que isso seja um problema desde que haja coerência, mas para palavras como “N’NTINDI” não separar o sujeito do verbo torna a coisa um bocado mais complicada, mas se o separarmos ali, então sugiro que o separemos nos restantes.

1.G.: “N’A” e “NGHA”

Para as palavras como “N’ala”, “n’oroto”, alguns escrevem “nghala”, “nghoroto”, ou podia dizer aqui o contrário, para palavras como “nghala”, “nghoroto”, alguns escrevem “n’ala”, “n’oroto”, eu escrevo desta última forma. 

Sugestão: Não importa a forma que escolheres para escrevê-la, o que é preciso é que haja a famosa coerência. Para os que escrevem “N’ala”, vê-se aqui a necessidade de separar o sujeito do verbo, para que não se pense que a palavra é uma frase. 

Para os que escrevem “Nghala”, quando chegar a altura de escrever “N’ alinha”, também devem separar o sujeito do verbo, porque senão o sistema usado para representa o som “ N’ ” fica a parecer aleatório, pois “N’ghalinha” seria mais coerente dentro desse sistema (embora seja possível construir uma regra à parte para conjugações neste caso).




Vou ficar por aqui, por enquanto, depois mostro outros exemplos sobre os problemas em escrever kriol. Enquanto isso, podes dar uma vista de olhos nisto: SISTEMAS DE ESCRITA DE KRIOL.
http://montedepalavras.blogspot.com/2016/03/as-licoes-do-guineense-kriol-introducao.html


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