29 de maio de 2020

WAKA-QUÊ? - BLACK PANTHER (uma treta de representatividade)

Resisti imenso a falar aqui sobre o filme Black Panther… o ficcional. Mas alguém ter citado Wakanda por conta do que se está a passar hoje nos EUA levou-me a escrever. Quando o capitalismo se apossa das causas sociais, temos isto.

O filme, apesar da estética e do formalismo maravilhoso, é narrativamente bastante fraco, um filme onde o vilão consegue ser mais consistente e mais sólido que o herói. Mas tirando todas as falhas do conceito e da execução do filme, o marketing do mesmo foi genial.

Black Panther foi vendido como um filme negro, um filme para negros, um filme afro-futurista(?), e o marketing foi tão bem feito com ajuda dos próprios movimentos negros e o filme ganhou o hype que ganhou (e o dinheiro que ganhou). Mas na verdade Black Panther é um filme tão negro-representativo como Wonder Woman é um filme feminista, aliás, eu já vi filmes pornos mais feministas que Wonder Woman.

Voltando ao Black Panther, o que faltou na análise é que a história do filme não representa sequer a África ou os negros. Black Panther é a história de privilegiados que querem manter os seus privilégios. Wakanda é todo futurista, assim como Nova Iorque é cheia de prédios, mas como vivem as pessoas, como vivem os pobres? Por que é preciso um sistema monárquico e todo à la Rei Leão (inclusive com o herói a ter visão do pai)? Por que é preciso um sistema de força onde machos-alfas lutam pela coroa? Por que o herói que perdeu a luta, dentro das leis locais, volta para cometer um golpe de estado? Por que o vilão que é mais coerente e que só quer liberdade para o seu povo teve a sua filosofia distorcida, tornando-o um genocida? Há mais coisas.

Para simplificar a leitura, mostro alguns problemas da representação do filme que mostra com ele é bem branco e panfletariamente americana:

1. Dentro de Wakanda, uma sociedade ultra-desenvolvida, a questão da liderança é resolvida à força através de lutas tribais.

2. A tribo "Jabari" que não quer a tecnologia é representada como "primitiva", nem veste roupas, anda o tempo todo pintado e quando aparece fica a ulular.

3. A CIA que foi inimiga dos Black Panthers reais é representada no filme como amigo, e até Wakanda que é fechada à restante África foi aberta ao amigo branco da CIA.

4. O príncipe acha que agora Wakanda vai abrir-se para o mundo, então a primeira coisa que faz foi ir para os Estados Unidos abrir um centro qualquer, em vez de fazer acordos com os países africanos que sofrem da opressão do capitalismo.


Black Panther é um filme com atores negros, trabalhadores negros, mas, não é um filme sobre negros ou sobre a luta dos negros, aliás a única pessoa que representa a luta dos negros é o vilão (entendem a relação?). E no final do dia, com todos os negros a comprarem bilhetes, brinquedos, camisolas e merchandises de Black Phanter (ou mulheres, no caso de Wonder Woman), quem fica ainda muito mais rico no final do dia são os donos dos estúdios americanos, homens brancos e ricos como os Harvey Weinstein.

Africanistas a dizer Wakanda Forever… pelamordideus, basta de masturbação. Voltem para a realidade. Resumo: se não desenharmos nós mesmos as nossas lutas, fora dos sistemas controladores, vamos continuar a wakandar forever enquanto a situação continua a mesma.

Ah, a propósito, a cena de cruzar o braços em X é muito mais antiga do que Black Panther.


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