Nos artigos anteriores em que falei
sobre o erótico ou pornográfico, referi-me ao plano cinematográfico e ao plano literário, desta vez pretendo falar dos dois no plano musical. E, vou evitar
falar dos vídeos, porque embora sejam complementos da música actualmente entram
mais no plano visual, e por não serem cinema, talvez venham a ganhar um artigo
independente. Posto isto, avanço:
Eu gostava de Roberta Miranda,
acho que ainda gosto, embora já faz um bom tempo que não a escuto. Ela tinha
esta música, Atração Fatal, que me
custava um tanto cantar em voz alta, por causa das imagens que evoca na refrão
que dizia: tou querendo tudo em mim, te
sentir bem animal, ai ai ai ai ai… É que eu era muito católico e lá em casa
não podíamos usar a palavra S… ok!, sexo, já disse. Para o meu pai dizer sexo
implicava vontade de o fazer ou algo assim no género e portanto era palavra
proibida… mas qual quê, contávamos entre nós muitas histórias que envolviam sexo,
o famoso peixinho, peixinho, na praia de
bambadinca e anedotas de traição… enfim.
Essa introdução é só para
reforçar o que todo o mundo já sabe: o sexo faz parte da nossa vida,
mercantilizada, moralizada, religionizada, poetizada, e de diferentes outras
formas. Ao mesmo tempo que a moral estipula o sexo “correcto”, ele nos é
apresentado como necessário e fundamental à nossa saúde, e inevitável, sob a
tutela da mesma unidade vigilante e moralizadora. Um moralismo hipócrita.
É certo que o tanto o erótico
como o pornográfico têm a mesma função: mexer-nos com a libido e excitar os
sentidos; e sendo assim muito dificilmente se considera a música como erótico
ou pornográfico, todavia, se ficarmos atentos ao seu teor e à sua imagem
facilmente vemos isso nelas.
Por exemplo, as músicas de Quim
Barreiros ou da Rosinha apesar de virem carregados de um duplo sentido e
implicitamente sexuais, dificilmente se podem considerar pornográficas ou
eróticas, no entanto, algumas músicas metidas a românticas acabam por não falar
dos ditos nobres sentimentos mas de folguedos sexuais, perdendo-se entre o erótico
e o porno. Entretanto, considerando que o pornográfico é mais explícito que o
romântico, podemos encontrar mesmo na música essa diferença.
Não sei bem em quê se enquadraria
a Ai, se eu te pego de Michael Telô,
se para mim é pornográfica, considerando as palavras que usa e a insinuação
aberta, para alguns não passa de um monte de palavras, entretanto, alguém
acredita que essa música seria famosa se não fosse pelo seu tom sexual? Pode-se
argumentar que há músicas mais explícitas e sexuais e melhor cantadas e tocadas
do que essa do Michael mas não são famosas, para dizer que não foi o componente
sexual que lhe deu a fama, mas a verdade é que a dissimulação existente na Ai,
se eu te pego faz todo o seu trunfo, como disse uma amiga fã da música: ela não diz nada, mas diz tudo.
Do Brasil temos músicas
abertamente pornográficas chamadas de funk, todas dizendo a mesma coisa, e se
ouvires cem delas acredito que terás aprendido metade da kamasutra. Mas não é
apenas do Brasil que temos músicas dessas, vêm de toda a parte do mundo. Vou
citar um exemplo português, feito pelo rapper Valete, com a sua Roleta Russa, onde faz um bem descritivo
episódio sexual, para no fim fingir que a ideia por trás de tudo é avisar sobre
a necessidade do uso do preservativo… nada a ver uma coisa com a outra, porque
quando fazemos um aviso, ilustramos com consequência, e a música era
inconsequente. De igual modo temos o rapper Azagaia que fez o mesmo (não me
lembro do título) e com melhores resultados, depois de uma extenuante descrição
sexual, no fim choca-nos com a ideia de que está a falar da exploração sexual
infantil, consegue ser melhor que o primeiro, mas se realmente pretendesse
passar uma mensagem não limitaria o público sendo pornográfico. Xeg, por exemplo, com a sua Vaca de Merda, não é nem erótico, nem pornográfico, mas simplesmente ordinário, usando palavras de um adolescente despeitado para fazer toda uma música. Enfim...
Como disse antes, somos invadidos
pelo erótico e pelo pornográfico de tal maneira que não sabemos separar as duas
coisas, e todos os nossos sentidos são bombardeados por eles, ou melhor, pelo sexo. Quando vemos axe
na televisão a prometer sexo fácil, ou vemos uma publicidade de um carro que
nos promete mulheres se comprarmos o modelo, e no dia seguinte sentir-mos o
cheiro de axe ou vermos a imagem do carro, não conseguimos evitar a
sexualização do produto e acordar em nós imagens eróticas. A música faz a mesma
coisa connosco e de uma maneira mais substancial.
No entanto, o que me admira acima
de tudo é as pessoas continuarem a fazer-se de admiradas e a fingirem não entender a razão das criança serem
cada vez mais sexualmente precoces.