Buba. 2019. 1 de Maio. Praia. Um grupo de jovens sentados, a beber e a conversar, outros a dançar. De repente a música "larga nha kodjon" e os que estavam sentados, rapazes e raparigas, gritaram todos: uaaaaaaaa, e lá se meteram a dançar e a cantar com a música, todos, até crianças.
Bissau. 2021. Abril. Cuntum. Tocava
música lá fora. De repente: "Bo rastam, bo lebam..." e ouvi:
uaaaaaaaa, e toda a gente a cantar e, suponho, a dançar. A música é fixe,
dou-lhe isso, mas a letra é horrível. Claramente escrito por um homem.
Há meses que tenho visto a campanha
"Mindjer i ka Tambur" a tentar sensibilizar as pessoas para assuntos
de violência contra as mulheres. Lidamos constantemente com violências do tipo
que a música invoca, onde mulheres são arrastadas e a suas perucas lhes são
retiradas e ela são violadas, tratadas como carne e não pessoas. Essa música
reforça a prática.
Se fosse uma mulher a escrever e a
cantar a música... bem, continuaria a ser problemático, mas menos... sabem?, a
cada uma a sua preferência sexual.
É assim, já me disseram, é só uma
música, é brincadeira. Não, não é brincadeira. Não digo que a intenção
consciente do autor seja apelar à violação, mas é isso que a música faz.
As piadas, os estereótipos, entre outros
ditos problemáticos reforçam as ideias, porque nunca pensamos que são perigosos
até que se tornam. É como um bebé que quando insulta os outros nos rimos da sua
inocência, até que nos insulta a nós e já não achamos graça e depois notamos
que ele ao crescer normalizou o insulto e depois fica difícil corrigi-lo. Kana
seku...
Não brinquemos com a violência, ou com
coisas que destroem a vida de outras pessoas, ou com coisas que diariamente
causam vítimas.
WJ numa música, "Nha Carta",
romantiza a violência, diz que bate na sua fofa, dá-lhe rasteiradas e deixa-a
fungulida. Isso não é amor, é só violência e sentimento de posse.
Maio Copé canta: "kusta n' bafa
mindjer, ma n' ten di toma noiba". Não, se bafares uma mulher é para seres
preso, não é para casares com a pessoa que violaste. Ahdeuss! Então é assim?
Isso reduz a mulher a um objeto conquistável enfiando-se nele o pénis.
Vi mulheres a dançar e a cantar "bo
rastam, bo lebam", e pensei se não deviam ficar preocupadas, falei com uma
amiga e ela respondeu: "não é sobre mim". É verdade, não era sobre
ela.
Lembro-me de uma música de Tino Trimó
que dizia "si dinheru sta ba na po, mindjeris na kasa ku santchu",
ideia que é ainda veiculada na Guiné. Até o meu irmão mais novo de 20 anos que
não tope nem "koko na kadera" (não tenho problemas com palavrões),
também diz que as raparigas de Bissau só querem dinheiro. E ele tem muitas
namoradas e nenhum dinheiro. Se as mulheres só quisessem dinheiro, mais de 80%
dos guineenses seriam virgens. E os jovens então, uiiiiiiii... Na altura dessa
música do Tino, lembro-me de uma tia responder, quando alguém perguntou por que
as mulheres gostavam do Tino se ele falava mal delas: "Ele canta bem [e
canta e como!] e é sobre outras mulheres, eu não sou assim".
É sempre sobre outras mulheres, mas
quando o estereótipo pega, nenhuma mulher fica de fora, e quando o mal se
espalha, todas as mulheres sofrem, e com elas a sociedade.
Ussumane Grifom escreveu um artigo sobre este
tema de músicas problemáticas e relacionou a causa com a falta da educação
formal (escolas). Eis a coisa, precisamos de nos reeducarmos formal e
informalmente, e discutirmos cada vez mais estes assuntos.