Há umas semanas o famoso
presidente Emmanuel Trump dizia que as mulheres mexicanas tinham muitos filhos…
Peço desculpas, tenho que repetir a sentença de forma mais calma, pois ando a
confundir muito estas duas figuras.
Estava a dizer, Emmanuel Macron
disse que o problema da pobreza na África é as mulheres terem muitos filhos. As
mulheres africanas, olhem só!, essas parideiras descerebradas que não sabem
fazer nada senão receber esperma e cuspir mais pretinhos para este mundo.
Já era mau por si só se Trump…
desculpem, se Macron tivesse dito que os africanos terem muitos filhos é o
problema da pobreza na África, mas não, não se trata dos africanos sequer, mas
das suas Evas, essas encantadoras de serpentes. Nesta única frase, Macron
mostrou as suas cores, é tão oco quanto Trump e tão racista quanto Trump e Le Pen,
mas não é tão honesto como estes dois, pois eles ao menos assumem-se como são.
E feminismo à parte, Macron está
preocupado com a superpopulação africana porque o destino dos jovens acaba por
ser a Europa, e o destino dos jovens migrantes africanos das ex-colónias (?)
costuma ser o país ex-colonizador. Estranha dinâmica. Só que em vez de Macron
recomendar um muro, recomenda o controlo da natalidade numa base malthusiana
idiota.
Sabe Macron qual é a taxa da
mortalidade na África? Só sabe que cada mulher chega a ter oito filhos, mas
sabe quantos destes sobrevivem de guerras criadas na África por interesses ocidentais,
inclusive da própria França? Sabe quantas morrem de doenças ou de medicamentos
fora de prazo vendidos por farmacêuticas ocidentais, incluindo as francesas? Sabe
Macron quantas pessoas morrem de fome, porque o governo do seu país tem de
continuar a pagar à França o direito de usar Franco CFA (ex-Franco de Colónias
Francesas Africanas), em vez de lhes fornecer ajuda básica? Sabe Macron quantos
desses jovens das suas chamadas ex-colónias têm de fugir do seu país para
França iludidos com a ideia de uma vida melhor? Claro que deste último ele sabe
e bem, e é o que o procupa.
Mas falemos das ex-colónias.
Quando é que as ex-colónias francesas deixaram de ser colónias? Se até hoje França
está a colonizar mais territórios. Guiné-Bissau já está lá quase desde que adotámos
o Franco CFA e começamos a tornarmo-nos colónia de uma colónia (colónia do Senegal,
que é colónia de França). A França quando não consegue controlar, destrói.
Quantas ex-colónias francesas estão em Guerra Civil e quantas já enfrentaram
golpes de estado quando os seus líderes dizem que não querem alinhar com os
interesses franceses? Aliás, o conflito que hoje se vive na Guiné-Bissau não
adveio do jogo de influências entre França e Portugal no país?
O discurso de Macron apenas
demonstra a aura colonizadora da França e a sua necessidade de controlo. Mas, isso
não é sequer estranho, ou não seria Macron um neoliberal, trocado em miúdos, imperialista
capitalista. Vejamos só este caso caricato, enquanto algumas ex-colónias
africanas estão a pedir compensação monetária pela colonização (por exemplo a Namíbia
a pressionar a Alemanha), a França encontra-se nas antípodas continuando as
extorquir as ex-colónias, como se estivesse a pedir compensação por deixar de
oficialmente as colonizar.
Vamulá, França é França, Macron é
Macron, defendem interesses próprios. Só tínhamos de nos irritar com eles e
continuarmos a tentar desenhar as nossas próprias soluções. E desta forma esta
história seria facilmente varrida para os anais das crónicas de idiotices
ocidentais. Mas tal não foi possível, pois eis que, de repente, um grupo de “bons
alunos”, que têm a função de empurrar a agenda da França na África, a CEDEAO
(gerente do Franco CFA), levanta-se e vem dizer que Macron tem razão e que vão reduzir
para três o número máximo de filhos por MULHER.
Lá está de novo, MULHER, quer
dizer, um homem pode engravidar dezassete mulheres, sem crise, mas ai da mulher
se se engravidar mais de três vezes.
E pelo amor de deus, será que nem
Macron nem a CEDEAO sabem que a economia africana não se baseia apenas na
medida do PIB? Vais para um sítio onde as pessoas vivem da agricultura e
agropecuária e vais medir a riqueza dessas pessoas com um 1 dólar por dia?
Consigo entender que Macron não saiba, pois cresceu numa realidade e foi
doutrinado com verdades próprias e aplicáveis para o seu meio, mas que os
africanos da CEDEAO embarquem nesta cantiga é por demais preocupante.
Uma das razões porque eu não
gosto da ideia de comemorar 25 de Maio é mesmo esta: por que comemorar o dia de
África, quando a África é tão fracionada e a ideia do pan-africanismo já nem cadáver
mais é? Fala-se da África como se fosse um corpo único e com ideais alinhados,
quando na verdade, não se trata disso, ainda mantemos as mesmas fronteiras que os nossos senhores criaram e as nossas grandes instituições, como a CEDEAO, por
exemplo, ainda dançam sob os cordéis dos interesses europeus.
Queremos uma África desenvolvida,
todos falamos de uma África desenvolvida, mas não como uma África de africanos,
que tenha em conta a nossa cultura e realidade. Queremos negar o que somos para
sermos como os nossos senhores. Deus do céu!, o mais assustador é verificar que
mais de sessenta anos depois, Frantz Fanon continua a ter razão, o preto quer
ser branco.
A CEDEAO vai controlar a natalidade
das mulheres africanas. Mas como? Eu sei que a China tem uma longa prática disso
e podemos aprender muito com ela, mas, diabos!, até a China já está a seguir
uma direção oposta.
Se a CEDEAO ainda não sabe que o
problema da África não se trata da quantidade dos filhos das MULHERES, pois não são
muitos filhos que geram a pobreza, mas talvez o oposto, a pobreza (no contexto
socioeconómico moderno) é que gera muitos filhos… pois numa sociedade
camponesa, muitos filhos significam muitos braços de trabalho e muita comida
para a família… Como estava a dizer, se a CEDEAO não sabe que o problema da
África não se trata disso, mas de alinhar com interesses ocidentais em detrimento
do próprio continente, e também de seguir cegamente essas doutrinas ocidentais
que já todos sabemos que não funcionam, então está mais que na hora de reformarem as botas.
Que a França tenha Macron, pode
ser bom para a França. Mas que a Guiné-Bissau tenha CEDEAO a tentar decidir por
ela, não abona a nosso favor. Espero que o nosso presidente sequer vai tentar embarcar nesta ideia abominavelmente idiota.