4 de novembro de 2017

INVERSÃO DE VALORES

De tempo em tempo inventam-se grupos de palavras gratuitas para serem usados por toda e qualquer pessoa que queira passar por inteligente. Agora a moda guineense (importada, é certo) é esta: "inversão de valores". Ainda não usamos muito a "mudança de paradigma".


Sinto-me enjoado sempre que ouço e leio um intelectual guineense a falar de "valores invertidos". Mas qual inversão? De quais valores? A sério, a Guiné-Bissau alguma vez mudou de procedimentos desde que tomamos dos portugueses aquele pedaço de chão? Não. Fomos corruptos, nepotistas, tribalistas e oportunistas armados em espertinhos.

Alguém me diga um único período na Guiné em que a meritocracia tivesse sido regra... Uma vez, por exemplo, em que as bolsas de estudo dadas pelo Governo tivessem sido atribuídas por um concurso limpo e não para os filhos e sobrinhos dos bem-apelidados e do pessoal do Ministério da Educação... Ou de um concurso para a função pública.

Pelamordideus, enquadrem bem os discursos para não parecerem ocos, não pensados e gratuitos. A cantiga costumava ser "mudança de mentalidade", hoje "inversão de valores". Mas o que a Guiné precisa mesmo é de uma "inversão de valores", porque aqueles por que atuamos, de valores nada têm.

Alguém me ajude, por favor, pode ser que eu não esteja a ver bem as coisas, por isso pergunto: quais são mesmo esses valores que estamos a inverter?

1 de novembro de 2017

NECESSIDADE DE OFICIALIZAR O GUINEENSE

fonte: http://memoria-africa.ua.pt
Quando andava na primeira classe, no final do ano fiz o exame da segunda classe também, e passei (os meus colegas de Sonaco podem confirmar)... motivo: tinha uma boa memória, já tinha memorizado todo o livro da primeira classe e a tabuada, e como não tinha mais nada para memorizar, memorizei também o da segunda classe, o que me ajudou nos exames. Mas se era bom a memorizar, não posso dizer que entendia o que memorizava, porque estava escrito em português.

E eu tinha o grande privilégio de os meus pais saberem português e de me traduzirem algumas coisas, mas e os meus colegas desprivilegiados cujos pais nem sequer sabiam ler? Aos 7 anos li uma anedota no livro da terceira classe, mas só quando tive uns 25 é que me lembrei desse texto e finalmente me fez rir. Foram precisos 18 anos para a anedota me fazer rir. O principal motivo, a anedota estava escrito em português, e eu não a entendia.

Agora, pense-se, tratava-se apenas de uma anedota, lida por uma pessoa que sabia kriol, cujos sabiam português e que quando saía da escola e ia para casa ainda ouvia português a ser falado (porque tínhamos televisão, víamos Rua Sésamo, Vila Faia e outros programas portugueses) e ainda passava o tempo a tentar memorizar a Bíblia (em português). E os meus colegas que só ouviam português na escola nos poucos minutos em que o professor o falava?

Como é possível ensinar numa língua que os alunos não entendem e querer no final ter bons alunos? Como poderei pensar por mim e formular conceitos se as referências que tenho são inteligíveis?

fonte: http://memoria-africa.ua.pt
Centrei o meu exemplo na escola primária, mas esta deficiência persegue-nos até mais tarde. Se mesmo muitos que nascem português, sempre tenham falado português e vivem em Portugal, leem textos em português e, a não ser que seja bem mastigadinho, não o entendem, porque não sabem interpretar, pode-se perceber a partir disto a hercúlea tarefa de aprender na Guiné-Bissau numa língua que não nos é "usual".

No filme "Minha Escola" (a partir do minuto 7) o protagonista (aluno de sexta classe) explica muito bem a dificuldade de falar português, porque como cada um fala a sua própria língua étnica, quando se encontram na escola, para melhor se comunicarem falam em crioulo (guineense)? Vê-se daí a necessidade de oficializar o guineense a par do português, para facilitar o ensino e criar pensadores e não repetidores como eu costumava ser.


Nos comentários a um artigo de Didinho, muitos defenderam essa necessidade de oficializar o guineense, que é a língua franca e realmente a língua primeira da Guiné-Bissau, mas que não tem esse estatuto, e torná-la a língua de ensino.

No artigo de Flaviano, Uma Bandeira Falada, lê-se o oposto, que apesar de ser língua franca não se deve oficializar o guineense por ser ainda demasiado cedo para tal, na falta de suportes como uma escrita e gramática acordadas.

Esta é uma daquelas discussões onde aparentemente todos têm razão. No entanto, se por algum milagre o nosso governo decidir oficializar o guineense, a verdade é que já temos vários suportes: em 1987, a Direção Geral da Cultura criou uma norma ortográfica para o crioulo, e em 1999, Luigi Scantamburlo propôs outra, que eu, pessoalmente acho melhor, sem falar ainda de inúmeros trabalhos da Teresa Montenegro sobre o kriol.  

Quantos acordos ortográficos pensam que existe sobre a língua portuguesa? A língua é uma coisa viva, que modifica constantemente, vai ser sempre preciso estudos para acompanhar a sua evolução e talvez simplicar a grafia.

Flaviano também disse que Cabo Verde (que oficializou o seu crioulo) só tinha uma língua, o crioulo, e não uma miríade de línguas com a Guiné-Bissau, e, portanto, o contexto é diferente. Sim, deveras é, mas África de Sul tem onze línguas oficiais, creio eu, e o que se pede para a Guiné-Bissau não é oficializar as nossas mais ou menos três dezenas de línguas, mas apenas o guineense.

E mais... ensinar Fula e Mandinga nas escolas poderia criar também vantagens, considerando que são línguas faladas por cerca de 15.200.000 e 11.000.000 de pessoas, respetivamente, nos países vizinhos. Porém isso é outra história.

A necessidade de oficializar kriol é mesmo urgente, para acabarmos com a pouca-vergonha de termos deputados no parlamento a ratificarem leis em português quando nem a sua própria língua e o kriol eles mesmos entendem. Deixo, contudo, claro que não confundo a capacidade de raciocínio e de ponderação de uma pessoa com o seu grau de escolaridade... mas para pensar sobre alguma coisa temos primeiro de entender por que o estamos a fazer, para depois tentar entender a própria coisa, e quando não entendemos a coisa devíamos honestamente manifestar isso.


Já agora a tal anedota era esta:


fonte: http://memoria-africa.ua.pt



Livros de leitura da Guiné-Bissau dos anos oitenta (para fins académicos ou puro saudosismo):

1ª Classe:

3ª Classe:

4ª Classe:
http://memoria-africa.ua.pt/Library/ShowImage.aspx?q=/Geral/L-00000044&p=1


3ª Classe (anos setenta):
http://memoria-africa.ua.pt/Library/ShowImage.aspx?q=/Geral/L-00000035&p=1

23 de setembro de 2017

PRAÇA DE PINDJIGUITI E MON DI TIMBA - PATRIMÓNIOS NACIONAIS

Este artigo escrevi-o desde 2015, mas ainda vai a tempo e vai ser como vou festejar o 24 de setembro, dia da independência da Guiné-Bissau.

Mais de 300.000.000 de Franco CFA, na língua Euro, mais de 457.347,05. Quase meio milhão de euros foram utilizados para reabilitar a Praça de Pindjiguiti e a estátua Mon di Timba ou Sinku Dedus.

O projeto era para ser todo sustentável, respeitar o património e reavivar aquela área da cidade que, devido à sua localização de difícil acesso para a maioria, principalmente à noite, e com falta de programas ao redor que possam atrair pessoas para lá, é praticamente deserta, sendo mais um espaço de passagem do que um espaço de estar.

Para fazer um trabalho sustentável é preciso mobilizar muito dinheiro, porque temos que pensar a longo prazo… entendo a lógica, a sério. Só não entendi nada quando falaram que iriam usar a calçada portuguesa para fazer parte do pavimento da praça, menos ainda quando a usaram. Desde quando calçada portuguesa na Guiné-Bissau é sustentável? Em Portugal talvez seja, porque é portuguesa, produz-se aqui e usa-se aqui, retirando o custo de transporte e importação, e utiliza material local na construção local.

Porém, o que se vê no resultado final parece ainda pior do que existia na altura, principalmente no que se refere à estátua Mon di Timba e o busto de Amílcar Cabral, que, para começar, não parece com Amílcar Cabral, pelo menos aquele que conheço pelas fotos (tem súmbia, barbas e óculos, e fica por aí a semelhança), mas acreditando que as pessoas que o encomendaram, fizeram e inauguraram, conviveram com Cabral, não tenho muitos argumentos.

Quiseram fazer uma espécie de espelho de água frente ao busto, para embelezar o espaço, no entanto, todos sabemos que aquilo seria apenas mais um viveiro de mosquitos, mas fizeram-no na mesma, e não sei agora, mas na altura ainda estava por utilizar.

457.347,05 Euros foram usados para reabilitar uma estátua e o que se conseguiu foi torná-la pior do que estava antes. Pode-se olhar para a foto e perceber os erros absurdos e ridículos, tanto da decisão do arquiteto (se é que houve algum), como da parte dos executores e ainda da fiscalização.

As pedras que anteriormente revestiam a estátua Mon di Timba estavam perfeitamente alinhadas, perfeitamente cortadas e fixas no corpo principal por parafusos. O que se fez agora foi usar cola para fixar uns ladrilhos de aparência tão reles que parecem comprados em saldo, numa sexta-feira 13, na Fera-di-Kirintim. Os mesmos foram fixos sem grande cuidado (ou nenhum cuidado), sem alinhamentos, com a cola a verter sobre eles, manchando-os. Vejam as fotos e poupo palavras.








As obras foram inauguradas no dia 03/08/2015 e as minhas fotos feitas em 01/12/2015, mas mesmo nas fotos da inauguração que se podem encontrar na Internet, vê-se que a estátua não sofreu uma degradação super-acelerada, mas que foi mesmo mal feita. O busto de Amílcar Cabral parece ter sofrido ainda destino pior, com a escolha do ladrilho. Por Deus!, feito em taipe talvez isso até ficasse mais bonito.







Tirando o desrespeito absoluto pelo património histórico (e arquitetónico) nacional, a pergunta de 457.347,05 Euros é: onde meteram o raio do dinheiro?


Com todo esse dinheiro, eu reabilitava a estátua era para ficar como na foto abaixo.


5 de agosto de 2017

FESTIVAL DE CINEMA NA COVA DA MOURA

Não queria começar a falar de um evento cultural (ou de arte), relacionando-o com o racismo, mas, oh, está tão difícil fugir de fazer esse paralelo.

Uma lição básica sobre o jornalismo é: se um cão morder um homem é azar, mas se um homem morder um cão é notícia. Porém, se na Cova da Moura mesmo quando o cão morde uma galinha é notícia, como se explica o silêncio dos media sobre o festival do cinema que se realizou no bairro? Será que a Cova da Moura só pode e só deve ser notícia quando acontece algum ato de violência no bairro?

A 6ª Edição da Kova M Festival e a 2ª da Mostra Internacional de Cinema na Cova, organizadas pela Associação Moinho da Juventude e Nêga Filmes e Producões, aconteceram na semana passada, de 26 a 29 de Julho, mas não se ouviu um pio sobre o assunto nos media (com excepção da RFI)… sim, esses mesmos que semanas antes estavam como cães esfomeados na Cova de Moura, por um motivo bastante lamentável.

Uma comunidade trabalha e esforça-se para se livrar dos estigmas que lhe são colados, mas o que se vê é que os estigmatizadores parecem não querer que isso aconteça, porém… a cultura acontece, sob ou fora das objetivas dos media. E não deixou de acontecer na Cova de Moura.

Durante quatro dias foram dezenas de filmes vindos de diversas partes do mundo, diferentes temáticas e diferentes ritmos. O ponto comum de todos esses filmes é o preto, não o africano, mas o preto (eu explico mais tarde), e esse ponto comum é também espetacularmente o ponto de distonia entre eles. 

Nos filmes vindos das Américas e da Europa vê-se a luta do preto tentado afirmar-se como ser, como voz, como identidade e como entidade. Nos filmes vindos da África (tirando um, cujo o tema é sobre o clarear da pele e alisar dos cabelos) o preto é apenas preto, um ser com voz e com identidade, os problemas e os anseios são outros. O que me faz lembrar de responder ao Chico César: Chico, meu caro, ser negão no Senegal não é legal, pois nem sequer é um problema, porque lá negão não é discriminado como elemento estranho.

Agora a explicação para a linha em cima: muitas pessoas pensam que preto e africano são sinónimos, mas estão completamente errados, porque há muitos europeus e americanos que são pretos, mas não são africanos, não conhecem a África sequer (a não ser que a África seja uma questão genética e não geográfica). Da mesma maneira, há muitos brancos africanos. Por isso, eu evito correlações automáticas entre preto e africano, e por isso, não gosto quando os pretos americanos são chamados de afro-americanos só porque são pretos, e conheço um afro-americano de verdade, mas ninguém o chamaria desse jeito porque o gajo é branco.

Bem, esta tergiversação é que me fez dizer a frase com que comecei este artigo, sabia que iria acontecer, que iria desviar-me do tema principal. Mas para fechar a parte de racismo, quero dizer, o silêncio mediático sobre os festivais na Cova da Moura, pode ser assumido também como um ato de racismo.

E aproveito também para criticar os mais fervorosos guerreiros africanistas com quem converso: vocês falam das culturas africana e preta, da necessidade da sua afirmação, mas quando acontece um evento cultural, como este, não aparecem.


A 2ª Mostra Internacional de Cinema na Cova reuniu um acervo muito interessante, como já tinha dito, e também pessoas interessantes, criando uma dinâmica bastante interessante entre os moradores da Cova da Moura e as pessoas de fora. A minha última sentença é um enormérrimo agradecimento às organizadoras. 


Obs: As fotos são de Vania Brayner.

25 de julho de 2017

MACRON E SEUS APÓSTOLOS (CEDEAO)

Há umas semanas o famoso presidente Emmanuel Trump dizia que as mulheres mexicanas tinham muitos filhos… Peço desculpas, tenho que repetir a sentença de forma mais calma, pois ando a confundir muito estas duas figuras.

Estava a dizer, Emmanuel Macron disse que o problema da pobreza na África é as mulheres terem muitos filhos. As mulheres africanas, olhem só!, essas parideiras descerebradas que não sabem fazer nada senão receber esperma e cuspir mais pretinhos para este mundo.

Já era mau por si só se Trump… desculpem, se Macron tivesse dito que os africanos terem muitos filhos é o problema da pobreza na África, mas não, não se trata dos africanos sequer, mas das suas Evas, essas encantadoras de serpentes. Nesta única frase, Macron mostrou as suas cores, é tão oco quanto Trump e tão racista quanto Trump e Le Pen, mas não é tão honesto como estes dois, pois eles ao menos assumem-se como são.

E feminismo à parte, Macron está preocupado com a superpopulação africana porque o destino dos jovens acaba por ser a Europa, e o destino dos jovens migrantes africanos das ex-colónias (?) costuma ser o país ex-colonizador. Estranha dinâmica. Só que em vez de Macron recomendar um muro, recomenda o controlo da natalidade numa base malthusiana idiota.

Sabe Macron qual é a taxa da mortalidade na África? Só sabe que cada mulher chega a ter oito filhos, mas sabe quantos destes sobrevivem de guerras criadas na África por interesses ocidentais, inclusive da própria França? Sabe quantas morrem de doenças ou de medicamentos fora de prazo vendidos por farmacêuticas ocidentais, incluindo as francesas? Sabe Macron quantas pessoas morrem de fome, porque o governo do seu país tem de continuar a pagar à França o direito de usar Franco CFA (ex-Franco de Colónias Francesas Africanas), em vez de lhes fornecer ajuda básica? Sabe Macron quantos desses jovens das suas chamadas ex-colónias têm de fugir do seu país para França iludidos com a ideia de uma vida melhor? Claro que deste último ele sabe e bem, e é o que o procupa.

Mas falemos das ex-colónias. Quando é que as ex-colónias francesas deixaram de ser colónias? Se até hoje França está a colonizar mais territórios. Guiné-Bissau já está lá quase desde que adotámos o Franco CFA e começamos a tornarmo-nos colónia de uma colónia (colónia do Senegal, que é colónia de França). A França quando não consegue controlar, destrói. Quantas ex-colónias francesas estão em Guerra Civil e quantas já enfrentaram golpes de estado quando os seus líderes dizem que não querem alinhar com os interesses franceses? Aliás, o conflito que hoje se vive na Guiné-Bissau não adveio do jogo de influências entre França e Portugal no país?

O discurso de Macron apenas demonstra a aura colonizadora da França e a sua necessidade de controlo. Mas, isso não é sequer estranho, ou não seria Macron um neoliberal, trocado em miúdos, imperialista capitalista. Vejamos só este caso caricato, enquanto algumas ex-colónias africanas estão a pedir compensação monetária pela colonização (por exemplo a Namíbia a pressionar a Alemanha), a França encontra-se nas antípodas continuando as extorquir as ex-colónias, como se estivesse a pedir compensação por deixar de oficialmente as colonizar.

Vamulá, França é França, Macron é Macron, defendem interesses próprios. Só tínhamos de nos irritar com eles e continuarmos a tentar desenhar as nossas próprias soluções. E desta forma esta história seria facilmente varrida para os anais das crónicas de idiotices ocidentais. Mas tal não foi possível, pois eis que, de repente, um grupo de “bons alunos”, que têm a função de empurrar a agenda da França na África, a CEDEAO (gerente do Franco CFA), levanta-se e vem dizer que Macron tem razão e que vão reduzir para três o número máximo de filhos por MULHER.

Lá está de novo, MULHER, quer dizer, um homem pode engravidar dezassete mulheres, sem crise, mas ai da mulher se se engravidar mais de três vezes.

E pelo amor de deus, será que nem Macron nem a CEDEAO sabem que a economia africana não se baseia apenas na medida do PIB? Vais para um sítio onde as pessoas vivem da agricultura e agropecuária e vais medir a riqueza dessas pessoas com um 1 dólar por dia? Consigo entender que Macron não saiba, pois cresceu numa realidade e foi doutrinado com verdades próprias e aplicáveis para o seu meio, mas que os africanos da CEDEAO embarquem nesta cantiga é por demais preocupante.

Uma das razões porque eu não gosto da ideia de comemorar 25 de Maio é mesmo esta: por que comemorar o dia de África, quando a África é tão fracionada e a ideia do pan-africanismo já nem cadáver mais é? Fala-se da África como se fosse um corpo único e com ideais alinhados, quando na verdade, não se trata disso, ainda mantemos as mesmas fronteiras que os nossos senhores criaram e as nossas grandes instituições, como a CEDEAO, por exemplo, ainda dançam sob os cordéis dos interesses europeus.

Queremos uma África desenvolvida, todos falamos de uma África desenvolvida, mas não como uma África de africanos, que tenha em conta a nossa cultura e realidade. Queremos negar o que somos para sermos como os nossos senhores. Deus do céu!, o mais assustador é verificar que mais de sessenta anos depois, Frantz Fanon continua a ter razão, o preto quer ser branco.

A CEDEAO vai controlar a natalidade das mulheres africanas. Mas como? Eu sei que a China tem uma longa prática disso e podemos aprender muito com ela, mas, diabos!, até a China já está a seguir uma direção oposta.

Se a CEDEAO ainda não sabe que o problema da África não se trata da quantidade dos filhos das MULHERES, pois não são muitos filhos que geram a pobreza, mas talvez o oposto, a pobreza (no contexto socioeconómico moderno) é que gera muitos filhos… pois numa sociedade camponesa, muitos filhos significam muitos braços de trabalho e muita comida para a família… Como estava a dizer, se a CEDEAO não sabe que o problema da África não se trata disso, mas de alinhar com interesses ocidentais em detrimento do próprio continente, e também de seguir cegamente essas doutrinas ocidentais que já todos sabemos que não funcionam, então está mais que na hora de reformarem as botas.

Que a França tenha Macron, pode ser bom para a França. Mas que a Guiné-Bissau tenha CEDEAO a tentar decidir por ela, não abona a nosso favor. Espero que o nosso presidente sequer vai tentar embarcar nesta ideia abominavelmente idiota.


10 de julho de 2017

PALOMBAR E SEUS AMIGOS

Quando especialistas se juntam para discutir se bombardear Pyongyang ou bombardear Síria é sustentável ou não, sabemos logo que algo não está bem. 

E a questão nem sequer está na destruição premeditada em nome do capital, mas no uso do termo "sustentável", que é agora bastante indiscriminado e quase sempre confundido com "lucrativo". Isto faz com que ações realmente “sustentáveis”, desenvolvidas por pessoas com visão de “sustentabilidade”, passem despercebidas, diluídas no meio destas vacuidades que por aí proliferam.

Só há poucos meses ouvi falar da PALOMBAR (até pensava que era uma fabricante de sanitários, enganado pelo seu logótipo), é uma organização cuja missão é de preservar o património natural e construído, e tive a oportunidade de cooperar com ela, no 5º Encontro de Arquitectura Tradicional e Sustentabilidade, e de conhecer e descobrir a dimensão dos trabalhos que ela tem desenvolvido em função da sua missão.

Andei durante três dias espantado pela forma como uma associação que coordena dezenas de jovens voluntários vindos dos quatro continentes, consegue funcionar com uma fluidez, rigor e simplicidade, num ambiente todo calmo e descontraído… Mas agora acho que a resposta se encontra nos cabelos precocemente brancos dos seus dois jovens dirigentes.

Através da PALOMBAR pude conhecer outras organizações que trabalham também na defesa do património construído e no ensino e propagação da bionconstrução, como FUNDACIÓ EL SOLA e a ESPIGA (que desenvolveram, respetivamente, os seguintes sites WIKIPEDRA e a BIOCONSTRUPEDIA) e ainda conheci estudantes do património arquitetónico tradicional e profissionais e defensores da utilização dos materiais e técnicas tradicionais e da necessidade de aprender com os construtores de passado para melhorarmos o futuro. Por exemplo, a utilização da terra (adobe, taipe, taipa, tabique, entre outros), tão rejeitada nas últimas décadas, está a voltar à vida pelas mãos de arquitetos famosos, como se pode ver neste site de Elisabetta Carnavalle.

A defesa do património tradicional (material ou imaterial) e a defesa do meio ambiente são ações sustentáveis e para as quais devemos prestar atenção e contribuir da melhor forma que pudemos. É bom verificar que existem por aí organizações como a Palombar e tantas pessoas individuais envolvidas neste trabalho que às vezes parece infrutífero. Mas se a Talmude diz que quem salva uma vida salva um mundo, então…

Envolvam-se.

4 de junho de 2017

NHA BAMBARAN PODRI

Nha bambaran banam ki branku fandam
Suma sangi labam, ali i burmedju tchadau...
Te nha korson kridu ki iabri ba uandam,
Gos i fitcha kasabidu, i bida i forti badau.

Nha netus i di tudu kor, pabia fidjus tchiu tok,
Ma bo na geria ku kor, bo na susam putchuk,
Kuma branku, burmedju, pretu ku pretu nok...
Bo seta n'utru, ami N' bedju!, kau na mela tchut.

Si bo djunta, bo mama, bo lanta bo firma tchan,
Bo na laba bo diskarna, nha kasa na limpu pus,
Es nha pes ki sta moli na bida mas i risu kan,
Asim li na es ko li, N' na sai na es kai karus.

N' panhadu, N' labadu ku sangi, tok N' modja iopot,
Pabia bo na sufri ba tambi, kau staba kinti uit,
N' karga bos na ombra, bo mon bida i moli potok,
Galinhas na sombra, kaminhu lundju i duru tip.

N' tchora dja N' kansa, nha larmas na kaba fep,
N' saksaki toki N' mansa, alin li kansadu, N' fria iem,
N' kansa sedu bo katibu, nha os bida i lebi kef...
Nha fidjus na kumem bibu, kredi!, ma i kuma ke?

15 de maio de 2017

MUNDO NAS MÃOS, O, John Pilger (2002) - o terrorismo capitalista

Entrou para a ordem do dia o terrorismo, desde 2001, e a cada ano que passa tem de acontecer alguma desgraça no mundo civilizado para carimbar esse medo na mente das pessoas. Compreende-se por quê; povos que sempre viveram tranquilos, pelo menos desde depois da Segunda Guerra (embora estejam constantemente a fazer guerras em territórios alheios e a vender armas a grupos suspeitos), de repente se vêem à mão com problemas explosivos, é normal que sejam tomados pelo pânico e assinem abaixo toda e qualquer ordem de retaliação contra o “inimigo”. Com os mais recentes ataques é compreensível que os média se concentrem todos a apregoar eufónica e euforicamente a necessidade de lutar contra o Estado Islâmico (bombardear alguns países muçulmanos, pela geoestratégia e recursos naturais, entenda-se… só que não o podem dizer em voz alta!) Numa Europa dividida pela economia, que melhor cola poderá existir do que um inimigo comum: o medo dos europeus de serem mortos na segurança da Europa?

Este preâmbulo é um tanto longo e parece meio deslocado para este artigo, no entanto, se lerem este livro de John Pilger, O MUNDO NAS MÃOS, com o subtítulo: o que os Média não Dizem sobre os donos do mundo, vão compreender a sua adequação.

John Pilger é um jornalista australiano que coleciona importantes prémios de jornalismo e de televisão pelos seus trabalhos como correspondente de guerra e pelos seus documentários, portanto, nesta sociedade, onde só tem crédito quem aparece na televisão, as suas palavras valem muito. E valeriam ainda mais se ele aparecesse muito mais vezes, mas como ele não escreve de acordo com o que manda a cartilha dos manda-chuvas e donos do mundo, que controlam o dinheiro e a informação, ele não é, consequentemente, muito popular.

O MUNDO NAS MÃOS fala de terrorismo, terrorismo ocidental, institucional e económico, porém limpo, limpo por ser praticado pelos donos do mundo e em nome da economia, do desenvolvimento, da democracia e dos direitos humanos, e por esses exatos motivos, mais aterrorizantes ainda. E se no ocidente só praticam o terrorismo económico, no resto do mundo vão ainda mais fundo.

O MUNDO… começa com a Indonésia, um país violado e destruído em nome da economia global, chamado pelo ocidente económico de “aluno modelo da globalização”. Pilger conta como, em 1967, os gigantes empresariais e económicos ocidentais dividiram entre si as riquezas e os recursos da Indonésia, em troca de apoio ao General Suharto para derrubar o governo existente, o que este fez, acabando por ficar no poder até 1998, com um saldo de mais de 1.000.000 de indonésios mortos, sem falar dos milhares de timorenses levados no processo. E enquanto isso recebia elogios dos média, por ser aquele que modernizou o país (e fê-lo mesmo, transformando-o num gigantesco complexo industrial a operar para os multinacionais ocidentais).

Suharto foi um ditador que matou milhões sem sanção do Banco Mundial ou do FMI, porque estas instituições, conforme relata Pilger, asseguram que não discutem a política de um país, apenas a sua economia.

Apoiaram Suharto, porque o presidente anterior, Sukarno, era considerado comunista. Tinha expulso da Indonésia o Banco Mundial e limitado o poder das grandes companhias petrolíferas e tinha recusado veementemente o empréstimo dos americanos. E assim, a Indonésia, que em tempos não devia nada, foi espoliada do seu ouro, pedras preciosas, madeira, especiarias e outras riquezas naturais pelos seus dominadores e hoje (2002) tem uma dívida de 170% do seu PIB.

Não obstante a extrema industrialização da Indonésia, os seus habitantes vivem na extrema pobreza a ganharem salários miseráveis e a viverem em situações miseráveis para trabalharem nas grandes fábricas e indústrias ocidentais que recorrem à mão-de-obra barata (trabalho de escravo) e trabalho infantil.

O que me revolve o estômago (este sou eu e não Pilger) é ver grandes marcas ocidentais a venderem os seus produtos utilizando slogans e desculpas humanitárias, por exemplo: por cada peça que comprares, 10% vai ser utilizado para a luta contra o trabalho infantil no terceiro mundo ou compra um par de sapatos e damos outro par aos africanos (como se os nossos problemas fossem falta de sapatos). Os inspetores ocidentais (esses fulanos que adoram falar de direito humano) visitam as fábricas indonésias, não com o objetivo de melhorar a vida dos funcionários e de criar condições mais saudáveis de trabalho para eles, mas com o objetivo de verificar a qualidade dos produtos e de cortar os custos de produção se for necessário.


Como esta descrição se estendeu muito, vou rapidamente fechar o artigo.

Pilger fala da propaganda ocidental da luta contra o terrorismo para governar pelo medo e legitimar o ataque a outros países para o benefício das multinacionais que realmente controlam o poder no mundo e controlam também os media, através dos quais nos manipulam. 

Pilger ainda fala do Iraque, do saque americano efetuado nesse país, da destruição do país e da forma de vida dos seus habitantes, numa postura aberta de terrorismo em nome de luta contra os terroristas. Começou com o Bush pai a bombardear iraque com bombas de urânio empobrecido, deixando um rasto de mortes e de crianças com cancro ainda hoje (e o seu clímax seria com o Bush filho, continuando o país débil por causa da avidez das petrolíferas ocidentais).

O livro fecha com o que Pilger chama de apartheid australiano, embora o que os media mostram é uma austrália justa para toda a gente.

O MUNDO NAS MÃOS é uma leitura obrigatória.



Se estás com preguiça de ler o livro, bem... tem o documentário aqui (com legenda):


John Pilger - New Rulers of the World

22 de fevereiro de 2017

TENTANDO ENTENDER... A NACIONALIDADE

Nos últimos anos tenho visto imensa discussão sobre a nacionalidade. E não estou a falar daquela simples "nacionalidade política" que podes adquirir legalmente, de acordo com as leis de cada país. Mas daquela “nacionalidade emocional" que muitos teimam em complicar, levando-a para o lado mais... racional(?). Já vou explicar-me melhor.

Para começar é preciso definir o que é um país. Um país define-se por um território criado por barreiras invisíveis e fictícias, por sobre a qual esvoaça uma bandeira (que tendemos a adorar como se fosse um deus, ou algo qualquer), regida aparentemente por leis próprias, e convencem-nos que a nossa vida é menos importante do que ele, e que é uma grande honra se morrermos por ele.

PARTE UM:
Hoje somos guineenses, e apregoamos isso aos quatro ventos como se fosse um feito nosso… mas não é, nós somos guineenses porque os colonialistas portugueses nos criaram. Eles chegaram, dividiram a África entre si, tomaram aquele pedaço de terra e disseram que é a Guiné-hoje-Bissau, e quando nos sacudimos da colonização (pelo menos a formal), nem sequer nos lembramos que do outro lado da estrada, onde agora é Senegal, vivia antes o nosso irmão, primo ou melhor amigo… não, começamos logo a dizer que nós somos guineenses e ele senegalês, portanto diferente, e que nós amamos melhor aquele pedaço de terra do que ele, e ele do seu lado proclama o mesmo. Mas por que devo amar apenas a terra que vai até à estrada? Quando chove ou faz sol, a natureza trata os dois lados da estrada por igual, por que faço eu a diferença? Lutamos contra o colonialismo, mas quando nos vimos “livres”, não apagamos aquelas divisões que ele criou na África, mantivemos essas fronteiras como ele as desenhou.

Foto de Neto Tonecas Betchiguê
PARTE DOIS:
A Guiné-Bissau é um pedaço de terra, chamado país, e só é país porque foi reconhecido internacionalmente por um conjunto de países, mais propriamente pelas Nações Unidas, se não fosse esse reconhecimento dos outros não seria país.

Vejamos por exemplo a Palestina, é reconhecida pela ONU como país, mas não por Israel e aliados de Israel. Ou mesmo, vejamos a Guiné-Bissau de 1973, era guineense na ONU, mas ainda continuava portuguesa para Portugal e amigos de Portugal. Então, pergunto, o que faz realmente um país ou cria uma nacionalidade? Utilizemos como referência a confusão que é o País Basco (é basco?, é espanhol?, é castelhano? é país? ou apenas uma região de um país?).

Posto isto aproveito para dizer àqueles que gostam de proclamar aos quatro ventos, que têm quatro avós guineenses ou algo assim, de que estão bem enganados. Porque a nacionalidade guineense nasceu em 1974, antes, os que viviam nesse território ou eram portugueses ou eram nada, e tornaram-se depois guineenses (politicamente) de nacionalidade adquirida.

PARTE TRÊS?
De qualquer forma, a Guiné-Bissau já é um país estabelecido com fronteiras, leis, bandeira e problemas próprios. E muitos já podem clamar, exclamar, proclamar, declamar, conclamar, aclamar ou reclamar a nacionalidade guineense. 

Mas o que faz alguém ser guineense? O que é um guineense?
  1. Será aquele que nasceu no território da Guiné-Bissau, podendo ter vivido lá o resto da vida ou mudado para outro país?
  2. Será aquele que viveu lá por algum tempo ou durante toda a sua vida, mesmo não tendo lá nascido?
  3. Será aquele que obteve os papéis legais que confirmem a sua nacionalidade?
  4. Será aquele que ama aquele território, não importando se nasceu lá ou não?
  5. Será aquele que nem sequer conhece aquele país, mas só porque um dos pais nasceu lá, ou ambos os pais nasceram, sente-se guineense?
  6. Será a “guineensedade” genética, que pode ser herdada dos pais, ou apenas uma construção social?
  7. É mais guineense o guineense que nasce, vive e trabalha na Guiné-Bissau do que aquele que vive e trabalha fora? (E quando o guineense que vive e trabalha na Guiné-Bissau é um político que só está a prejudicar o país?)

Guerra Civil, 7 de Maio de 1999, Hospital Simão Mendes
Podia fazer ainda mais questões, mas não quero aborrecer a ninguém. No entanto, faço esta observação sobre os que se dizem guineenses de raiz, gema e nata, só pelo fato de terem lá nascido. Eu conheço, por exemplo, uma pessoa que não nasceu na Guiné-Bissau, Teresa Montenegro, mas vive “o” país, e faz trabalhos extraordinários para a Guiné, será ela menos guineense que os tais políticos já referidos?

Não sei o que faz realmente a "nacionalidade", para mim continua a ser apenas uma questão legal e política, mas a forma como as pessoas se relacionam entre si ou com o território que habitam vai para além desses enquadramentos (legais e políticos). Por exemplo, eu nasci em Sonaco, e apesar de existirem muitos mandingas em Sonaco (e a terra ter um nome mandinga), eu sinto-me fula, mas vão dizer-me que não sou, porque não tenho pais fulas ou não sei falar fula, mas muitos que não viveram em comunidades fulas já podem ser fulas só porque um dos bisavôs foi. Faz sentido?

Não devemos esquecer que a nacionalidade é apenas uma questão política, que a terra, ou a Terra, não nos pertence, pois vamos morrer e ela vai ficar por cá, portanto, não devemos deixar que questões políticas ditem o nosso relacionamento, principalmente quando esta estúpida questão de nacionalidade é apenas a chama que ateia o fogaréu de nacionalismos e cria um dos vários problemas com que a sociedade global tem de lidar.

Em lugar de “guineense”, cada um pode colocar a nacionalidade que quiser para fazer a questão... e no caso dos guineenses, pode ainda colocar o grupo étnico.