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E eu tinha o grande privilégio de os meus pais saberem
português e de me traduzirem algumas coisas, mas e os meus colegas
desprivilegiados cujos pais nem sequer sabiam ler? Aos 7 anos li uma anedota no
livro da terceira classe, mas só quando tive uns 25 é que me lembrei desse
texto e finalmente me fez rir. Foram precisos 18 anos para a anedota me fazer
rir. O principal motivo, a anedota estava escrito em português, e eu não a
entendia.
Agora, pense-se, tratava-se apenas de uma anedota, lida por
uma pessoa que sabia kriol, cujos sabiam português e que quando saía
da escola e ia para casa ainda ouvia português a ser falado (porque tínhamos
televisão, víamos Rua Sésamo, Vila Faia e outros programas portugueses) e ainda
passava o tempo a tentar memorizar a Bíblia (em português). E os meus colegas
que só ouviam português na escola nos poucos minutos em que o professor o
falava?
Como é possível ensinar numa língua que os alunos não
entendem e querer no final ter bons alunos? Como poderei pensar por mim e
formular conceitos se as referências que tenho são inteligíveis?
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No filme "Minha Escola" (a partir do minuto 7) o protagonista (aluno de sexta classe) explica
muito bem a dificuldade de falar português, porque como cada um fala a sua
própria língua étnica, quando se encontram na escola, para melhor se comunicarem
falam em crioulo (guineense)? Vê-se daí a necessidade de oficializar o
guineense a par do português, para facilitar o ensino e criar pensadores e não
repetidores como eu costumava ser.
Nos comentários a um artigo de Didinho, muitos defenderam
essa necessidade de oficializar o guineense, que é a língua franca e realmente
a língua primeira da Guiné-Bissau, mas que não tem esse estatuto, e torná-la a
língua de ensino.
No artigo de Flaviano, Uma Bandeira Falada, lê-se o oposto, que apesar de ser
língua franca não se deve oficializar o guineense por ser ainda demasiado cedo
para tal, na falta de suportes como uma escrita e gramática acordadas.
Esta é uma daquelas discussões onde aparentemente todos têm
razão. No entanto, se por algum milagre o nosso governo decidir oficializar o
guineense, a verdade é que já temos vários suportes: em 1987, a Direção Geral da Cultura criou uma norma ortográfica para o crioulo, e em 1999, Luigi Scantamburlo propôs outra, que eu, pessoalmente acho melhor, sem falar ainda de inúmeros trabalhos da Teresa Montenegro sobre o kriol.
Quantos acordos ortográficos pensam que existe sobre a língua portuguesa? A língua é uma coisa viva, que modifica constantemente, vai ser sempre preciso estudos para acompanhar a sua evolução e talvez simplicar a grafia.
Quantos acordos ortográficos pensam que existe sobre a língua portuguesa? A língua é uma coisa viva, que modifica constantemente, vai ser sempre preciso estudos para acompanhar a sua evolução e talvez simplicar a grafia.
Flaviano também disse que Cabo Verde (que oficializou o seu
crioulo) só tinha uma língua, o crioulo, e não uma miríade de línguas com a
Guiné-Bissau, e, portanto, o contexto é diferente. Sim, deveras é, mas África
de Sul tem onze línguas oficiais, creio eu, e o que se pede para a Guiné-Bissau
não é oficializar as nossas mais ou menos três dezenas de línguas, mas apenas o
guineense.
E mais... ensinar Fula e Mandinga nas escolas poderia criar
também vantagens, considerando que são línguas faladas por cerca de 15.200.000
e 11.000.000 de pessoas, respetivamente, nos países vizinhos. Porém isso é
outra história.
A necessidade de oficializar kriol é mesmo urgente, para
acabarmos com a pouca-vergonha de termos deputados no parlamento a ratificarem
leis em português quando nem a sua própria língua e o kriol eles mesmos entendem. Deixo, contudo,
claro que não confundo a capacidade de raciocínio e de ponderação de uma pessoa
com o seu grau de escolaridade... mas para pensar sobre alguma coisa temos
primeiro de entender por que o estamos a fazer, para depois tentar entender a
própria coisa, e quando não entendemos a coisa devíamos honestamente manifestar
isso.
Já agora a tal anedota era esta:
Livros de leitura da Guiné-Bissau dos anos oitenta (para fins académicos ou puro saudosismo):
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Livros de leitura da Guiné-Bissau dos anos oitenta (para fins académicos ou puro saudosismo):
1ª Classe:
3ª Classe:
4ª Classe:
http://memoria-africa.ua.pt/Library/ShowImage.aspx?q=/Geral/L-00000044&p=1
http://memoria-africa.ua.pt/Library/ShowImage.aspx?q=/Geral/L-00000044&p=1
3ª Classe (anos setenta):
http://memoria-africa.ua.pt/Library/ShowImage.aspx?q=/Geral/L-00000035&p=1