22 de novembro de 2015

CASAL GAY DEVE ADOTAR?

Esta pergunta pode ser capciosa, mas fi-la desta forma para ser diferente desta, casal gay pode adotar?, que já aqui tinha feito. 

Para responder à pergunta eu digo: nenhum casal deve adotar, seja hétero, seja gay, a não ser que se sinta na condição de o poder fazer. E digo ainda mais: nenhum casal deve procriar a não ser que se sinta na condição de o poder fazer… e não me refiro à condição biológica, porque qualquer idiota consegue gerar um filho.

Ao discutir com a mesma pessoa que me levou à reflexão que manifestei no antigo atrás supracitado, descobri alguns argumentos contra a adoção para os casais gays, nada novos, no entanto, colocados com aquele hipócrita apelo à lógica e ao consenso. Ei-los:

1. A vida é feita de escolhas e cada escolha tem a sua consequência: a lei de causa e efeito. Os gays escolheram ser gays, portanto que façam a vida deles em paz, sem arrastarem para o seu mundo as crianças. Porque se um gay criar um filho é mais certo o miúdo ser gay, tal como os pais católicos criam filhos católicos, os muçulmanos, muçulmanos, e por aí além. Deve ser dada liberdade total aos gays para viverem, casarem com quem quiserem, mas adotar está fora de questão, porque isso é o equivalente a tirar a liberdade às crianças de terem uma família normal. O que se encontra em questão aqui não são os gays, mas as crianças.

2. Se os gays quisessem realmente ter filhos, não se casariam entre si, porque não pode existir reprodução senão através de sexos diferentes. Se a natureza criou homem e mulher, e só através dessa união pode resultar descendência, ao se juntarem, os gays automaticamente excluem a hipótese de procriar e, portanto, não devem adotar. Se quisessem filhos, casassem com alguém do sexo oposto. Cada escolha tem a sua consequência.

Eu identifiquei nestes argumentos os seguintes valores: ESCOLHA, NATUREZA, REPRODUÇÃO e FAMÍLIA. Então aqui vai o meu contra-argumento:

ESCOLHA: Não acredito que a sexualidade seja uma escolha, nem uma questão genética – não acredito que haja gene gay, mas se houver gene gay, como podemos maltratar pessoas por causa de genes que nem sequerem puderam escolher? Acredito que a sexualidade seja uma construção social com qualquer outra, que ocorre sem percebermos como. Se ser gay fosse uma escolha, considerando toda a violência e todo o preconceito que sofrem, não parece mais lógico que escolheriam ser heterossexual?
 
Quando falei da discriminação sexual e usei o racismo como termo comparativo, a mesma pessoa disse-me que essa comparação era idiota porque ninguém escolhe como vai nascer (Michael Jackson escolheu ficar branco por causa do racismo e ficou tão branco que acabou por ter apenas filhos brancos - o poder da escolha). No entanto, a questão da discriminação não está em alguém escolher como nascer ou não, mas em não poder ser o que é (acidente) ou não poder ser o que quer (escolha) porque os outros não o deixam ser.
 
A sexualidade de alguém não agride aos outros, não faz mal a ninguém, por isso, nesse caso, as pessoas deviam ser deixadas em paz para usufruírem da sua sexualidade sem nenhum problema. Quando a sexualidade envolve atos criminosos (pedofilia, necrofilia e outras parafilias perigosas), sim, acredito que essa pessoa tem de ser responsabilizada (atenção, não estou a dizer maltratada e discriminada), mas esses problemas não são homossexuais, como muitas vezes nos tentam fazer crer, mas estatisticamente heterossexuais.

Volto a remarcar: a sexualidade não é uma questão de escolha. Ou acreditam que as pessoas são masoquistas e adoram ser discriminados e ainda por cima serem culpados da própria discriminação que sofrem?

NATUREZA e REPRODUÇÃO: Ninguém tem dúvidas de que só a união do feminino e masculino gera filhos, isso é a natureza a controlar a reprodução. Mas nós paramos de deixar tudo na mão da natureza há muitos, mas muitos anos. 

Quando a natureza nos tentava limpar com as doenças e infeções, criamos medicamentos e antibióticos que nos tornaram mais resistentes e mais longevos (sim, não há dúvidas que essas medidas resultaram também por obedecerem a leis naturais, mas a forma como lá chegamos foi por engenho próprio).

Numa época em que a ovelha Dolly já é história e já ninguém se lembra de Louise Brown e os geneticistas já conseguem manipular os genes e praticar eugenia dissimulada, numa época onde as pessoas recorrem ao banco de esperma para terem filhos ou às barrigas de aluguer, não precisando de efetuar sexo para se reproduzirem, não acham que o argumento de reprodução natural já se encontra obsoleto?

A dita pessoa defende que se os gays quisessem filhos não se casariam entre si, porque sabem que dessa forma não conseguirão reproduzir e por isso devem viver com essa consequência e não adotar. Então eu pergunto: e os casais heterossexuais cujo um dos pares é estéril ou ambos são, mas que escolhem casar-se e adotar, não deviam ser também penalizados por terem escolhido uma união que não pode resultar em reprodução direta e natural? Por que só os gays devem ser penalizados?


FAMÍLIA: A família é composta por um pai e uma mãe e não dois pais ou duas mães, é o que defendem. Mas aqui, pergunta-se: qual família? A ocidental, talvez. 

Há famílias compostas por um pai e várias mães, como as muçulmanas ou africanas (atenção, nem todas assim são) e muitas famílias ocidentais, embora não sejam oficiais em nome da lei (mas isso é apenas uma questão moral). Há ainda famílias compostas por uma mãe e vários pais, há famílias de vários pais e várias mães, cujos irmãos não são consanguíneos, por serem apenas meio-irmão do meio-irmão e não deixam de ser família por causa disso. 

Além do mais, eu compreendo que um ocidental diga que a família é pai, mãe e filho, mas não um guineense, porque a família guineense é bastante alargada, inclui tios, tias, primos dos maridos ou esposas destes, inclui meio-irmão do meio-irmão do meio-irmão, inclui sobrinho da neta do cunhado da ex-mulher e prolonga-se num nunca mais acabar de relações. 

O termo madrasta ou padrasto na Guiné só é usado em poucos contextos, geralmente quando a pessoa se separa e volta a juntar-se (e é um termo relativamente moderno), as crianças que nascem de famílias poligâmicas chamam às outras mulheres do pai de "mame sinhu" – pequena mãe, e ao outro companheiro da mãe de "pape sinhu" – pequeno pai, portanto temos crianças com muitos pais e muitas mães.

O próprio Cristo tinha três pais: José (pai adotivo, que o criou, amou e educou), Espírito Santo (pai biológico ou sem-lógica, que entrou na sua mãe e a engravidou) e Deus (que ele depois alega ser seu pai efetivo).

Há crianças de famílias monoparentais que não são criados por pai e mãe, mas por apenas um deles. Ninguém reclama que essas crianças merecem um outro membro e faça leis para obrigar que os seus pais casem com um respetivo membro, então, por que não deixam que a criança em vez de ficar só com uma mãe ou um pai, possa ficar com duas mães ou dois pais? Sem dizer que muitas crianças são criadas com dois pais ou duas mães, embora só um deles seja legalmente pai. Há crianças criadas pela mãe e pela tia ou pelos tios, que os considera, os ama e os respeita como pais e mães, podem ser chamados legalmente de tios ou de tias, mas no coração da criança são pais, porque sente que será protegida e amada por eles. 

Não devia ser a lei a submeter-se ao sentimento derivado do conceito da família e não o contrário: as famílias terem de ser construídas e amadas conforme os ditames da lei?

família poliândrica tibetana 
A família é uma construção social como qualquer outro tipo de agrupamentos humanos. Quem não tiver preguiça e estudar um bocado, vai saber que houve vários e há e haverá modelos de famílias. Usando o livro A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, de Engels, vou simplificar os modelos da família aqui em quatro. 

No primeiro modelo de família, incestuoso, os membros casavam-se entre si, pais, mãe, filhos, sobrinhos e sobrinhas, reproduzindo-se conforme conseguissem, porque na altura a sobrevivência da espécie era o fundamental e era preciso pôr na terra mais gente possível, para compensar os que morriam e morreriam de doenças ou de outros predadores. 

No segundo modelo de família, matriarcal e poliândrica, as mulheres, reprodutoras, tinham quantos homens quisessem e pudessem e tinham a merecida importância, porque eram elas que mantinham os agrupamentos coesos e organizados, enquanto os homens iam à caça (modelo questionado com as recentes descobertas de que as mulheres afinal eram também tão caçadoras quanto os homens). 
família poligínica americana

O terceiro modelo da família, patriarcal e poligâmico, nasceu com a propriedade privada. Os homens começaram lavrar a terra e a criar gados e serem mais individualistas, sendo eles donos das terras e dos gados e não sabendo que filho da sua mulher era dele, inverteram os papéis, começando eles a casarem-se com várias mulheres para terem a certeza que o herdeiro é mesmo seu filho - o tal gene egoísta. 

O quarto modelo, patriarcal e monogâmico, que hoje impera, nasceu muito tempo depois e foi popularizada e imposta na sociedade ocidental pelo cristianismo.

Com isto vê-se que a família é um conceito que evolui conforme os tempos e as circunstâncias e não tenham dúvidas que houve sempre atritos durante a transição entre os modelos acima citados, mas se aprendemos que a mudança é necessária, por que razão ainda vamos utilizar como argumento um modelo fixo de família e dizer que é o modelo natural, quando é mentira, para impedir os homossexuais de terem a sua própria família?

Há aqueles que se opõem aos homossexuais e a tudo relacionado com isso por motivos religiosos, mas sobre isso falarei num próximo artigo, visto que este ficou mais extenso do que inicialmente pretendia. Enquanto isso, vivam e deixem viver (e se for em paz, melhor ainda).