1 de julho de 2010

PENSAMENTOS INEXACTOS - CAP VI


MAQUIÁVEL OU GHANDI

O que procuramos todos, humanos, aqui, enquanto vivos? E o que querem depois de mortos, aqueles que acreditam no além? A mesma coisa: a felicidade. Por isso agimos como agimos para buscá-la, encontrá-la e segurá-la, de tal maneira que muitos vivem felizes no enganoso sofrimento acreditando mais na felicidade pós-vida, pensando que serão depois recompensados por terem neste plano sofrido. No entanto, o que é a felicidade?


Aristóteles já dizia, acerca da felicidade, o que acabei de repetir lá em cima, que ela é a finalidade universal dos homens. No entanto, embora todos queiram ser felizes, embora todos almejem a felicidade, ela não é para um da mesma maneira que para outro. 

A felicidade aristotélica seria a perfeição, a ausência de necessidades, o que o Buda chamaria de Nirvana, mas essa felicidade é apenas um ideal que, ao que parece, ninguém quer se cansar a procurar, pois está muito distante e, aparentemente, destruiria a individualidade, reduzindo a humanidade ao mesmo conceito. Por isso acho que o Paraíso vai ser uma chatice. No entanto, não procuramos a felicidade aristotélica não por medo da perda da identidade, mas por que somos preguiçosos e lentos, acreditamos mais nas frases feitas, cartilhas e catequeses do que nos laivos da razão que por vezes nos perpassa o cérebro. Kant declara que a maioria considera perigoso pensar por si mesmo e prefere confiar nos tutores (ou algo como isso), e eu acredito nele.


O homem não é apenas homem porque não vive isolado, o homem é o homem mais outros homens, copiando a frase de uma pessoa inteligente cujo nome não me lembro (Basset, Cacete ou Urtigas, alguém há-de saber) que reza: eu sou eu mais as minhas circunstâncias.
Daí que na equação humana não se pode singularizar a paixão ou a razão, pois cada acto na busca do eu ou da nossa vontade, mesmo aquela vontade que não é nossa mas nos é imposta, envolve circunstâncias e elementos vários. Reacções em cadeia constantes, infinitas, repercussoras e ininterruptas. Daí à questão: os fins realmente justificam os meios, só um passo.

Tudo o que sei de Maquiavel aprendi-o de um livro de sociologia, que por acaso não era muito explícito, de maneira que resumo a sua teoria, se calhar igual a maior parte do mundo, à frase já citada: os fins justificam os meios. 

Individualista e confiante no espírito da liderança, parece a contradição de Kant, enquanto aquele apela a libertação do pensamento, este convida a seguir o líder, ou convida o líder a impor-se. [Ainda hoje não sei bem qual é o princípio de Maquiavel, podia estar enganado na altura em que fiz o texto, se alguém souber da verdadeira essência da filosofia dele e quiser ensinar-me, estou agradecido]. Ao contrário de Ghandi. Ou melhor, aparentemente ao contrário. Ambos usam meios para atingir um fim; não estou certo, mas como antípodas, vou acreditar que os meios de Maquiavel não têm necessariamente que ser éticos nem morais, enquanto os do Ghandi apelam mais a moral. 

Moral? Ética? Qual é a diferença. A moral vem das regras não escritas, que as pessoas aprendem a viver na comunidade, ensinadas pela educação e assentes numa base religiosa. Enquanto que a ética nasce de regras sociais, para além da comunidade, puníveis por leis escritas, e diferentes entre si. Voltaire conta histórias interessante sobre essa diversidade de leis conforme a diversidade de locais e costumes, e se actualizarmos Voltaire, esses locais seriam agora sistemas académicos ou profissionais onde as diferentes éticas são aplicadas: ética dos médicos, bioética, ética dos psicólogos e até, contraditório, ética religiosa. Isto é outra coisa para falar depois.


[Hoje sei que estava bem errado nessa definição da moral e da ética, ao que parece apenas usei o conceito popular das duas ideias. A moral, afinal, é que é punível por leis, escritas ou do senso comum; a ética, no entanto, é a tendência natural ou a capacidade para praticarmos o bem, a ética seria, afinal, o caminho ideal para atingira felicidade descrita por Aristóteles. Na altura em que fiz este texto ainda não tinha lido Ética a Nicómaco, o que só fiz  recentemente. E só comecei a perceber a ética filosófica que, por acaso, não é atribuível às profissões como usualmente se faz (ética de médicos, ética de chulos, etc.) essas são, como disse a minha professora de Ética, deontologias moralizadas. Mas não quero subverter o meu texto, porque seria trapacear, visto que não tinha os conhecimentos que hoje julgo ter quando o fiz, e que já larguei muitas das opiniões que defendia. Por isso peço que pensem na ética que escrevi como a ética usada comummente de forma errada.]


Voltando a Maquiavel e Ghandi. Maquiavel é do tipo, o fim para não me bateres na outra face é partir-te o braço, e Gandhi (segue o exemplo de Cristo): para não me bateres na outra face dou-te ela mesma para bateres. Ghandi acredita na humanidade, ou se calhar, no bom do lado humano, acredita que um bom exemplo refreia os ânimos violentos. Pascal disse que aquele que oferece perdão é visto com alguém com grandeza de espírito por pessoas virtuosas, mas, por essa mesma razão, acirra mais o ódio da pessoa viciosa, ou sem virtudes. De tal maneira que não acredito que o sucesso de Ghandi tenha sido por oferecer a outra face, e nem acredito que ele seja mesmo diferente de Maquiavel, contanto que uma vez confessou que ajudava uma certa figura importante da política inglesa na Índia a abotoar a camisa, porque ele era-lhe útil para conhecer como funciona o congresso.

No entanto, apesar de tudo, é necessário diferenciar os planos maquiavélicos, dos planos gandhísticos. E considerando o mundo do indivíduo sobre a sociedade em que vivemos, quem devemos seguir, Ghandi ou Maquiavel?


Ambos acreditam que eu sou eu e os outros, só que agem de maneira diferente sob essa premissa. Mas quem não mata uma cobra que lhe entre no quintal (sem ser hindu)?


O que se deve fazer para encontrar a felicidade, sabendo que sem a consciência tranquila ela, ou essa fragrância que emana e que nos atinge fazendo-nos pensar que a encontrámos, é ainda mais ilusória?   
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