23 de junho de 2009

UMA QUESTÃO DE... IGUALDADE

Esta reflexão deriva de um trabalho sociológico que por acaso tínhamos que fazer na faculdade. Pensei que talvez pudesse partilhá-la aqui, e é o que estou a fazer, não está o texto, acho eu, no estilo que costumo usar, está limpo, sem palavrões e tal, por causa do meio para o qual foi feito, entretanto não há crise algum. Alguma ingenuidade, mas... isso é normal.
Vai ele:


Todos somos alguém, sim. Concordo com a afirmação, mas, infelizmente, aplica-se na nossa sociedade a máxima dos porcos de George Orwell: todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros. Infelizmente, as estruturas sociais são o factor número um da segregação, e enquanto impera a dialéctica marxista teremos sempre a sociedade dividida em dois grupos, os senhores e os assalariados, e as reformas sociais só passariam pela substituição desses grupos por modelos novos, mas no fundo iguais aos anteriores (porque não ouviram Marx?).

Os bairros sociais, ou os guetos, são, geralmente, estigmatizados de violentos, inseguros e corruptores, e, portanto, os seus habitantes são olhados com desconfiança e preconceito, pelo que de uma maneira ou doutra organizam-se contra as esferas exteriores, e se são realmente violentos, são-no por oposição ao governo ou sistemas que consideram o gerador dos seus problemas e também aos estranhos aos seus meios, pois tal como são preconceituosamente apodados de violentos, da mesma forma apodam os que não pertencem ao seu meio de inimigo, permita-nos a palavra.

Por exemplo, numa carta de leitor publicado no jornal Destak (cujo número não me lembro), um senhor, em reacção a uma peça de noticiário da televisão, onde uma das moradoras do Bairro de Bela Vista reclamava contra o uso da força dos polícias, defendia que não se deve dar voz aos marginais porque os problemas da sociedade (suponho que a portuguesa) são criados por eles.

E daqui pode-se perguntar: sofrendo de segregação e ataque deste género e tendo à minha disposição apenas a violência para me defender, podem-me culpar quando tento sobreviver num meio para mim hostil?

Não pretendo fazer aqui uma apologia da violência ou a apoteose dos marginalizados dos bairros sociais, mas tal como disse Mônica Frechaut neste artigo a analisar: Estas pessoas esforçam-se diariamente por uma vida melhor e não necessitam da tolerância dos outros, mas sim da garantia dos seus direitos.

A palavra que mais salta à vista neste conjunto é a tolerância. Superficialmente, a tolerância seria o factor fundamental para a inserção social dos habitantes dos bairros sociais, mas a bem ver, percebe-se que tolerância não significa necessariamente respeito ou aceitação, mas sim obrigação de aceitar alguém por perto, pelo que pode ser negativo falar de tolerância em vez de respeito e aceitação, por outro lado se nem mesmo a tolerância funciona, mais difícil é os outros funcionarem.

E os direitos? Como podem ser garantidos direitos a pessoas a quem até mesmo a tolerância é negada? Quem seria o garante desses direitos? O governo? Em princípio, sim.

Mas se os próprios governos, após anos de logro com os programas de habitação sociais, e mesmo percebendo que esse método de segregação não é benéfico para a estabilidade social, pelo menos no que se refere à segurança, entre outros, ainda continuam a praticar esses programas, criando gaiolas de contenção em nome de habitação, e muros de campos de concentração que chamam de limites do bairro, então podemos dizer que o governo não está interessado em garantir o direito aos marginais dos bairros sociais, mas simplesmente a concentrá-los numa mesma zona, onde de vez em quando pode mandar polícias para arrebanhá-los e controlá-los. Só que parece não pensar que a saturação desses problemas no exíguo espaço que constitui o bairro faz com que estes se alastrem para os outros bairros e outras camadas que querem manter protegidos.

E com isso posso dizer que sei onde está o problema e que o governo é o culpado? É claro que não. Principalmente, porque quando se fala de direitos fala-se também de deveres? Ninguém se referiu aos deveres das comunidades de bairros sociais, neste caso, do Bairro de Bela Vista. E, considerando que, mesmo as pessoas com as mais básicas noções da justiça ou dotados de algum senso comum percebem que a inclusão social passa pelo respeito das fronteiras individuais – como sabiamente diz o povo: onde acabam os teus limites começam os meus! – e não atentar contra o bem estar do outros, então não é lícito de forma alguma que alguém violente outrem (com assalto, verbalmente, ou mesmo, e principalmente, através de leis aprovadas no parlamento); da mesma forma que condeno o acto dos dois vitimados, que, aliás, não foram os únicos, assim também condeno a reacção que tiveram os polícias. E por outro lado, levantando ainda a questão de direitos, eu diria que toda a gente tem o direito de ter o estômago cheio, e talvez eu não condenasse uma pessoa que roube para comer, desde que não ponha em risco a integridade de outrem. Mas no caso Bela Vista, ninguém falou dos motivos dos dois malogrados terem efectuado o assalto – foram vítima da fome, ou foram mais um dos muitos iludidos pelas publicidades televisivas que mostram produtos efémeros como fundamentalmente necessários à vida e que ditam a moda (não se está a  tentar aqui transferir a culpa), ou apenas queriam satisfazer outras espécies de vício?

É difícil fazer um julgamento justo quando não se pode resumir tudo em preto e branco. Entretanto sempre pode-se perguntar: por que razão em bairros ricos, como Cascais, não se faz rusgas, quando até mesmo jornais dizem que se realizam festas onde o consumo de droga é abundante e parece ser regra? Por que não permite a autoridade que se violente a casa dessas pessoas, que ponham às avessas a sua privacidade, que vão para lá canais de televisão filmar as suas caras e mostrá-los como os degradadores dos costumes morais e sociais? Certamente é por serem mais iguais que os outros.

Queiramos ou não, acabamos por atribuir ao governo a maior quota de culpa desta equação, porque em nome de uma lei igual usa pesos diferentes e medidas diferentes beneficiando a uns e penalizando a outros.

É preciso quebrar o ciclo de pobreza, apontar na formação e diminuir a precabilidade liberal (seja lá o que isto quer dizer) e o desemprego, ao invés de demonizar, ainda mais, o bairro. Palavras de Mónica Frechaut.

A realidade é que os governos parecem subsistir da pobreza, e quebrar esse ciclo seria passar por uma reforma completamente utópica e irreal, aliás, nem mesmo Marx, com as suas ideias de equilíbrio, o conseguiu. Além de que, como diz C. K. Chesterton n’ O Homem Que Era Quinta-Feira, o povo não se revolta, a revolta faz-se lá cima (pela burguesia). Portanto, enquanto os ricos não estiverem dispostos a abrir a mão dos seus benesses o ciclo de pobreza dificilmente será quebrado; e como os governos dependem totalmente da economia, e a economia é controlada pelos ricos, teremos sempre o episódio do bairro de Bela Vista a repetir-se.
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