27 de junho de 2018

COMO ESCREVO UM POEMA SLAM... (dicas, não regras)


(um poema para um workshop de Poetry Slam em Sintra)



Cabeça. Caneta. Papel.
Caneta. Cabeça. Papel.
Caneta. Papel. Cabeça.
Caneta. Cabeça.
Cabeça vazia. Papel vazio. Cabeça.
Ideia. Caneta. Cabeça.

Uma ideia! Ora essa, ouve essa,
não interessa se é boa ou se é à toa,
se é profunda ou está à tona…
só uma ideia, bela ou feia, 

oca ou louca, forte ou fraca; 
com palavras exatas ela se destaca,
essa ideia, cara ou barata.

Preciso de uma ideia para criar um poema,
de preferência que tenha um bom tema,
um poema que contenha
frases plenas de beleza semântica,
talvez com lições práticas,
engraçadas, mas sérias 

e de falas etéreas.

Então revisto a minha memória
à procura de uma história
aninhada num canto qualquer 

do meu espaço mental;
uma ideia banal 

como uma lembrança que se entrança
com experiências e vivências,
ou com esperanças ou desilusões,
ou com visões que eu possa partilhar.

E começo a artilhar 

essa memória encontrada.
Pode ser só uma palavra,
uma frase, ou toda uma cena montada,
mas sigo dando-lhe sentido,
e prossigo, vestindo-lhe 

de palavras e mais palavras.
Quando demais, tiro palavras,
quando banais, uso outras lavras.

Procuro palavras e falas 
entendíveis à primeira,
evito metáforas e parábolas
que possam deixar alguns à beira
da ideia ou do conceito do meu intento,
assim sendo eu tento que o texto completo
seja de lesto entendimento.

Gosto mais daquelas histórias esquisitas,
que a algumas pessoas agitam
e a outras pessoas irritam
de modo que elas te digam:
“mas… tu tás tapado, ó desgraçado?”.

Uso a rima para o ritmo,
sem lhe destruir o sentido legítimo,
e as rimas não têm de ser perfeitas
como as receitas farmacêuticas,
e estou certo que as
assonâncias e consonâncias
permitem que eu leve as
palavras a ter música, e use-as,
evitando as dissonâncias;
para tal fujo das palavras longas,
ou de sílabas tónicas
umas perto das outras,
ou daquelas bocas 
com 'sonoridades' próximas,
difíceis de pronunciar, tais como:

“CASA SUJA, CHÃO SUJO…
CASA SUJA, CHÃO SUJO…
CASA SUJA, CHÃO SUJO…"

Usar a métrica?, nem tanto,
portanto, a estética não é genérica e insere cá 
um ar a aparentar acidental
para se afigurar mais natural e tal.

Com aliterações faço interações,
passo entre ações e traço integrações
de palavras a sustentar a história que quero contar.

Escrevo a pensar na sonoridade
e na musicalidade, que também são parte
da realidade do meu poema.

Se no final não ficar bom… não tem problema,
posso mudar de tom, alterar o esquema
e ver de novo se aguenta outro teste em público,
mas tendo em mente que é um ato lúdico
e ser consciente de que não agrado a todos,
a modos que não me levo a sério
e digo o que quero, com ou sem impropérios.

Sendo breve ou extenso, leve ou intenso,
intento é intensificar a intensidade da intenção
e aproveitar a diversão de estar aqui à frente,
sabendo que aí tem gente a escutar-me,
com fingida atenção ou verídica emoção.

E sem receio, tento pôr ali no meio
alguma piada e provocar um riso.
E, por vezes, 
para isso, 
digo coisas sem sentido, 
e se não arrancarem um sorriso,
não tenho problemas com isso,
pois escudo-me atrás disto:
“hahaha, eu sou muito engraçado,
o público é que é mal-humorado”.

Então, nestes três minutos, de modo astuto,
aproveito para fazer a minha terapia, 
e no final, é mais legal se soar como poesia.
Ao menos vem com muitas rimas.

2 de junho de 2018

ABRIL, ABRIL...


Quando olho para as pessoas a cantar aleluias ao 25 de Abril, com a emoção a mil, à minha cabeça vem uma ideia que termina nesta questão: Afinal onde estão aqueles que de coração apoiavam o regime do Salazar?

Então, presto atenção e percebo sem emoção que eles ainda estão à cabeça da nação, a tratar da condução. Estão ali no parlamento, sedentos do poder, a foder com a política de forma crítica. Estão ali marcados no mercado, embarcados na banca, salgados e sagrados. Trocaram de casacas e continuaram sentados na crista do Abril, a surfar de forma febril nas costas do povo.

Hein!, onde estão aqueles tipos que apoiavam o salazarismo? Eles estão ali no poder, eles estão ali no poder. 

Sequestraram o Abril, amarram-lhes os braços e venderam-no aos pedaços, mas mantiveram a carcaça para expor ali na praça, nos 25 todos os anos. E nós… nós apoiamos.

Olho para os políticos que mandam no país, esses políticos que falam sempre do Abril e que me dizem com todo o brio que eu devia ser feliz, porque a revolução mudou este país. 

Pois sim, acredito que sim, o país mudou, mas eles não mudaram, pois só vejo afilhados e filhos, netos e sobrinhos, cunhados e primos dos tipos que andavam a fazer bico ao salazarismo. Que raio, num ato edipiano, destronaram os seus pais para foder com a mãe-pátria. E para o nosso azar até há um que ali reside, que teve ficha da PIDE. Teria sido um agente? Não sei, mas foi ministro e foi presidente.

Desculpem-me se não consigo embarcar no entusiasmo do Abril, porque nos anos 80 eu nasci, e nem sequer foi aqui, portanto não vivi nem conheci a dificuldade pré-Abril. Desculpa-me aí o meu pouco entusiasmo, porque o que vejo no país é uma traição ao Abril, ouço gente a dizer: “o povo é que mais ordena!”, e fico a perguntar que mas merda o povo ordena? Um ordenou ao Cavaco para que fosse trabalhar e todos vimos o resultado: mandam-no multar; é claro, se fosse famoso e aparecesse na TV podia chamá-lo de palhaço e nada ia acontecer.

O povo nada ordena, o povo serve para ordenha; o povo mata-se a trabalhar para uns poURcos triunfar. O povo é posto na engorda e tratado como porco, porque esses gajos no poder adoram o nosso lombo.

O Abril nos trouxe liberdade, liberdade de expressão, pois é, temos liberdade, só não temos é pão. Sim, Temos a liberdade de não ficar calados enquanto estamos manietados e a ser enrabados…. e quando reclamamos somos logo avisados: precisamos do teu rabo, portanto aquenta aí, bacano, pois este é o resultado da tua escolha de deputados; aguenta aí os danos que te fazemos ao ânus que daqui a quatro anos poderás escolher... uma nova marca de vaselina.