14 de abril de 2013

UMA QUESTÃO DE... LIBERDADE DE EXPRESSÃO


O senso comum diz: onde acabam os teus limites começam os meus, sustentando-se no princípio de boa convivência.

Entretanto o mais certo é que isso não é assim tão simples como se diz, na medida em que esses limites na maior parte das vezes são marcas invisíveis e imperceptíveis, ou visíveis, porém, ilusórias, nada mais do que miragens. De qualquer forma não há como negar que este simples princípio consegue estabelecer algum equilíbrio, no entanto, quando as pessoas invocam a liberdade e os direitos, aí a coisa complica.

A liberdade nunca pode ser plena, ela é ultra-condicionada tanto por outros factores como por ela própria (considerando que a nossa liberdade e o direito a ela tem de se submeter, na maior parte das vezes – e para a maioria dos mortais, conforme a sua importância social –, à liberdade e o direito a ela de outras pessoas). Somos livres mas não tanto ao ponto de entrar numa casa alheia e usar as coisas dela, por exemplo… oh… essa foi demasiado básica… somos livres, mas não tanto ao ponto de nos mandarmos embora de um emprego quando temos contas por pagar no final do mês, ou para nos darmos ao luxo de não ter uma conta num banco qualquer, ou para não nos submeter às filhadaputices das leis governamentais que nos tramam... hem!, somos livres mas não tanto ao ponto de agredir física ou emocionalmente outras pessoas.

E é sobre esta parte complicada da liberdade que eu quero reflectir: a liberdade de expressão. A liberdade de expressão é uma das mais confusa, tramada e opressora forma de liberdade de que eu tenho conhecimento; muita gente pretende que pode dizer o que bem lhe dá na telha sob a alçada da liberdade da expressão, mas não percebe que embora pareça que possa, talvez não deva usar essa aparente liberdade (e não, não quero ir para o sempre aclamado e vulgar direitos e deveres).

Em nome da liberdade de expressão faz-se declarações difamatórias, publica-se o ódio, publica-se a estupidez, chama-se de estúpido aos estúpidos, aos iluminados e aos pseudo-iluminados, sem discriminação, desde que não estejam de acordo com a nossa forma de pensar. Eu mesmo que estou praqui a falar, por exemplo, ao escrever uma crítica sobre um filme que não gostei, chamei de pseudo-intelectuais àqueles que disseram que gostaram, e digo, em minha desculpa, que tenho os meus motivos para isso e justifico-os. E é isso que toda a gente faz quando usa da chamada liberdade de expressão, agride os demais e justifica a agressão.


O que não faltam por aí são artigos escritos por pessoas cultas (considerando as citações que fazem), académicas (por causa da estrutura séria dos seus textos) e bons escritores (porque os textos têm ritmo e são bem redigidos e apelativos), feitos à bandeira da liberdade de expressão, mas que não passam de um atropelo à expressão da liberdade: textos misóginos, textos racistas, textos homofóbicos, textos partidários, textos religiosos, textos ateus, textos eteceteristas; e quanto com mais cultura são escritos, mais perigosos são, porque se baseiam sabiamente (mas de forma errada) em justificações bem manipuladas que, sem um pensamento crítico da parte de que os lê, induzem em erro.

Há uma confusão constante, as pessoas julgam que a liberdade de expressão é uma expressão de liberdade, pois devia ser, mas considerada no plano ético, onde temos o tríptico: eu, tu e nós, vemos que restringimos a nossa liberdade quando só respeitamos um dos elementos desta santíssima trindade e fazemos pouco caso dos outros. Quando só olhamos para o próprio umbigo, quando só julgamos que a nossa opinião é que conta e quando fazemos tudo para defender essa opinião e o direito de a ter, o que poderemos esperar que a alteridade faça? É aqui que triunfa o príncipio de os meus limites e os teus.

Por exemplo, lembro-me de alguém justificar que tem o direito de não gostar dos gays e de não os querer perto de si. Pois, faz sentido, tanto quanto o meu sobrinho tem o direito de não gostar de repolhos. Porém, os repolhos são para serem comidos, não têm decisão na matéria, mas um gay tem (ou devia ter) os mesmos direitos que esse alguém que não os quer por perto, e, voltando à santíssima trindade, percebe-se facilmente que apenas o elemento eu fica em desvantagem diante dos outros dois.

A questão da liberdade é complicada, a da liberdade de expressão é estupidamente mais complicada ainda, mas talvez se simplifique se pensarmos que se com ela estamos a pôr em questão a liberdade de outras pessoas é porque não faz sentido e é prejudicial. Como por exemplo disse alguém inteligente, se há muitas pessoas heterossexuais solteiras que não querem casar-se e acham ridículo o casamento, mas ninguém lhes acusa de estragar a seriedade casamento por isso, por que raio acham que os homossexuais que querem casar-se (entenda-se, respeitam essa instituição) é que vão pôr em risco o seu significado?

Sem esticar mais, e não me sentindo muito claro e inteligente hoje, vou acabar aqui o artigo e deixar a sugestão de que quando a nossa liberdade de expressão agride qualquer expressão de liberdade, pondo em risco o tu e o nós (considerando que se o eu atacar o tu, este reage atancando o eu, e o nós deixa de existir), então o mais certo é não fazermos o uso dela.

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