31 de maio de 2010

EU E OS LIVROS

Estava a escrever um post sobre livros, quando resolvi falar de como eu me tinha relacionado com eles, a certa altura, como o texto prolongava-se muito, resolvi criar aqui um título dedicado especialmente aos livros, a minha bi(bli)ografia.
Vou mandar:


A PRIMEIRA METADE

Eu sempre gostei de ler, desde que aprendi a combinar as letras. Em casa tinha os livros da escola, meus e dos meus irmãos, que andavam em classes mais avançados (o meu mais velho tem mais 5 anos que eu), os livros de cowboy do meu pai, a Bíblia, os textos da catequese, e um livro dos adventistas, O Conflito do Século; desde os sete até aos dez anos foram a minha leitura, não entendia quase nada, mas gostava de os ler, ah, e os filmes, nunca tive problema em acompanhar as legendas. Eram livros, eram leituras, e agora sei que não eram adequadas à minha idade (os livros religiosos impressionavam-me profundamente). Mas a mim ajudou muito, porque português era uma língua que só ouvia falar umas quatro horas por dia, foi assim que comecei a aprendê-lo.

Ao dez anos, quando mudei do interior para a capital, tive acesso a uma biblioteca e, felicidade!, a minha única preocupação era quando é que havia de ler todos os livros que ali estavam. Tinha um vasto leque de escolha, e escolhi, a série de Noddy, a série de Anita, Astérix e Obélix, Vickie, o Pequeno Viking, Rua Sésamo, Spirou e Fantasio, Salamão e Mortadela, Os Estrumpfes, Lucky Luke, Disney... ups! descaí-me, é da nostalgia, mas era um monte delas. Eu não tinha quem me orientasse a leitura, também havia bandas desenhadas eróticas que eu lia com avidez, embora só cinco anos depois começasse a masturbar-me. Toda essa leitura criava um mundo de fantasia, mas não passava disso, fantasia.

Aos doze anos comecei a consumir Isaac Assimov, Robert A. Heinlein, Poul Anderson, entre tantos, era doido por ficção científica e já entendia melhor as minhas leituras. E também descobri uma outra colecção, Pêndulo, história de terror, foi onde conheci o Stephen King, e lia muito dele que troçava dos meu amigos que ficavam impressionados com Os Arrepios. Quando um tio me proibiu a leitura dos Pêndulos, chateei-me muito, e passei à leitura clandestina. Foi no entanto a primeira vez que alguém tentou orientar-me a leitura, o que devia ter acontecido mais cedo, bem, desde que fosse uma orientação sábia e feita por um entendido. Foi também quando comecei a ler Carl Sagan, fascinado pela astronomia, consumindo leituras que não entendia.

Aos catorze já não sabia o que lia, de banda desenhada só ficaram os Disney, Marvel e DC Comics (acabei de ler X-Factor #205), mas passei para Black e Mortimer, Fantasma, Mandrake, Tenente Blueberry, Tintim, nunca gostei Corto Maltese, embora lesse, entre outros tantos. Lia todo o tipo, todo o tipo mesmo, até guias de psicologia para pais e casais. Foi, no entanto a minha fase de Enid Blyton, Os Cinco, Os Sete, Os Mistérios (parte da infância e juventude foi consumido a ler esta mulher, desde o Noddy aos Cinco), a fase Uma Aventura, Triângulo J, Langelot (o agente que entrou na escola da SNIF com 18 anos, num curso de um ano, viveu vinte aventuras que levavam meses a concluir sem, no entanto, fazer os 19), Tom Swift, etc., o meu livro preferido era no entanto Odisseia de Homero, era doido pela mitologia e procurava tudo o que tivesse a ver elas, e de todos os povos (porém, achava mais excitante a grega e a nórdica); li Homero, Hesíodo e Virgílio, mas só Odisseia, até hoje, continuou a ser leitura recorrente.

Aos quinze, descobri a masturbação e procurava livros com conteúdos eróticos para serem combustível das minhas fantasias, e passei para literatura mais adulta, pensando que ali encontraria essas imagens, saí-me 90% das vezes defraudado, e foi nessa altura que comecei a deixar de ler mulheres, porque achava que elas eram muito "comportadas" e não escreviam sobre sexo, foi nessa fase que li Dostoevsky, Gorky, Georges Sand (pensava que era homem, por causa do nome), Diderot, Alberto Moravia (acertei em cheio neste), e outros tantos, mas o melhor foi Zero, de Ignacio Loyola Brandão. Nessa altura eu tinha lido muitos clássicos, mas quase nenhum autor lusófono, tirando Agualusa, que descobri numa crónica genial, Se o Lobo Mau Fosse Angolano, e as Minas de Salomão que afinal não era de Eça. E li Erasmus pela primeira vez.

Ao dezasseis, tive que voltar para o interior, por causa da guerra no meu país, e durante oito meses só tinha três livros para ler: Zero, 08/15 A Derrota, de Hans Hellmut Kirst, e um livro de psicologia de 12º ano, li-os vezes e vezes que comecei a descobrir novas coisas a cada leitura. Foi quando resolvi mudar a minha missão: não ler todos os livros, mas ler dentro dos livros que lia.