1 de novembro de 2014

TENTANDO ENTENDER... A DITADURA


Há uma diferenciação bem simples e explicativa entre os regimes ditatoriais e os regimes democráticos: a separação dos poderes

O estado moderno (e dito democrático) é gerido por três poderes: legislativo, executivo e judiciário. Os três são independentes uns dos outros e controlam-se (ou deviam controlar-se) para não haver corrupção e abuso de poder. Quando esses três poderes funcionam saudavelmente o regime chama-se democrático. E quando não, chama-se ditadura. 

Porém, há ainda outro elemento diferenciador que é a vontade dos governados. Quando é o povo a escolher o governante, dizem que é democracia (poder do povo, entenda-se), quando o governante impõe-se sem consultar o povo é ditadura.

Como disse, a explicação é bem simples e expõe bastante bem as diferenças… ou melhor, podia expor, se na verdade não vivêssemos num mundo extremamente baralhado e sem balizamentos claros.

Há estados modernos ocidentais que se dizem democráticos, mas que são REINOS (ditadura por nascença). A Espanha, o Reino Unido, a Holanda, entre outros, que são monárquicos, têm grupos de pessoas que não precisam de fazer nada senão nascer na família certa para serem consideradas importantes e terem o resto do povo a trabalhar para eles. E influenciam bastante os poderes no estado e são politicamente ativos, sem, no entanto, terem de se preocupar com as mudanças das ideologias políticas, esquerdas e direitas vêm e vão, e eles lá permanecem. Mas não foram votados pela população, ganharam o seu poder há muito tempo e conservaram-no pelas intrigas e força das armas, e hoje, quando confrontados com as mudanças, eles (e os seus adeptos) advogam que tem de se respeitar a tradição, e continuam ali, no pódio… ditatorialmente.


Há ainda estados, defensores da democracia, os EUA e todo o Ocidente rico, que de quatro a quatro anos vão trocando as pessoas que estão no poder, mas que mantém o círculo de poder e de influência, e que mesmo através de uma análise superficial percebe-se que só usam a democracia para trasvestir a… aristocracia?… oligarquia?... capitalocracia.

Esses estados têm os três poderes acima citados, separados uns dos outros, mas eles não são independentes como devia ser. Por exemplo, num caso recente nos EUA, a tal medida chamada OBAMACARE, foi considerada anticonstitucional por um grupo de tribunais de uns estados americanos ao mesmo tempo que foi considerado constitucional por outro grupo. A diferença na avaliação estava no facto de os juízes que o fizeram serem ou democratas ou republicanos, cada um puxando a sardinha para a sua brasa. Consultou-se o povo? Não, o povo é um burro que só é consultado para escolher quem o vai montar. A democracia moderna está desenhada para servir o capital.

No Brasil, recentemente houve eleições, três partidos eram fortes: PT, PSDB, PSB. O PT durante todo o seu mandato esteve envolvido em corrupção, embora dissesse possuir uma política orientada para o povo; o PSDB foi o corrupto antes do PT, e oferecia um governo de estado mínimo todo a favor do capital; o PSB perdia-se ali no meio de um de outro, aparecendo com algo novo e não experimentado. O PSB foi massacrado pela campanha agressiva que os outros dois desenvolveram contra ele. Por quê perdeu?, porque provavelmente não tem ligação com as grandes empresas, que controlam o dinheiro como os dois outros partidos.

Em suma, os partidos vencedores das eleições democráticas são aqueles que investem uma soma milionária na campanha para chegarem ao poder, e que para isso precisarão de investimento dos que na verdade controlam o dinheiro. E como se sabe que uma empresa não investe sem lucro em vista, mesmo quando diz que o faz filantropicamente, é sabido que a seguir vão cobrar ao governo que ajudaram a eleger e será o povo a pagar.
O povo é que escolhe, sim, é claro. Mas quais são as hipóteses que tem para escolher? Na maior parte do mundo acabam por ser só duas as escolhas: democratas ou republicanos nos EUA, Trabalhista ou Conservador no UK, PT ou PSDB no Brasil, PS ou PSD em Portugal. Claro que existem muitos outros partidos em todos esses países, mas não são relevantes. George Carlin dizia algo assim: quando tens de escolher uma coisa séria como quem governa, só te dão duas hipóteses, mas vai ao supermercado e para tudo tens centenas de escolhas.

Como se sabe, pode existir a democracia sem partidos políticos (embora o Ocidente chame a qualquer país com regime desse tipo de ditatorial - mas vejamos o exemplo dos fundadores da democracia - que, em boa verdade, de democráticos tinham nada), e pode haver eleições com patidos políticos que são puras representações de ditaduras. Por exemplo, conhecem algum deputado independente em Portugal? Quem são os que se podem candidatar-se a deputados senão os que são nomeados pelos partidos? O povo alguma vez indicou alguém para o representar ou apenas escolhe da ementa que lhe é apresentado?

Partidos pobres e sem influências, por melhores ideias que tenham para o povo, não têm chance nenhuma de vencer as eleições, e o mais estranho é que são crucificados pelo próprio povo. Isso acontece principalmente porque as eleições estão desenhadas para serem vencidas por quem tem dinheiro. E como tudo o que é bom para o povo vai contra o capital e vice-versa, percebe-se quem realmente tem o poder. 

O povo não é mais que um joguete. Votamos em quem aparece mais na televisão e em quem os nossos patrões dizem para votarmos, principalmente porque somos egoístas. Voto no partido do meu patrão, porque se ele perder as suas influências eu poderei perder o meu emprego. Voto no partido do meu patrão, porque se contradizer as suas opiniões perderei o meu emprego, e como o ouço todas as vezes sem contrariar e criticar, acabo por simplesmente fazer minhas as suas opiniões.

Tal e qual na missa só levamos com a opinião do padre, sem poder responder, e acabamos evangelizados, com a televisão acontece o mesmo. Quem tem dinheiro para comprar mais tempo de antena, ganha as eleições. Mas isso é durante as campanhas oficiais, e a campanha não se faz apenas nesse período. Passamos quatro anos a ouvir baterias de comentadores na televisão a lavarem-nos o cérebro, e são sempre dos mesmos (agora estou em Portugal), ou são do PS ou do PSD, e para cada comentador de um partido da esquerda, temos quase uma dezena destes dois partidos. Porquê? Por capitalocracia.

Meses atrás estava em debate se a Guiné Equatorial (GE) podia ou devia entrar na CPLP. (Antes de prosseguir, tenho de avisar: não pretendo fazer de advogado do diabo e nem quero enaltecer qualquer tipo de ditadura, o que estou a fazer com este artigo é entender a ditadura.) Os argumentos contra eram que 1) o Presidente da GE é ditador e que está no poder há mais de não-sei-quantos anos e que 2) é nepotista e beneficia os seus filhos e que 3) o país é a favor da pena de morte.

Bem, ponto um: o presidente angolano está no poder há muito tempo, é nepotista, e a sua filha já é dona de boa parte de Portugal, possuindo já poder para influenciar, inclusive, as eleições aqui… e Angola está na CPLP. Ponto dois: O filho de Durão Barroso acaba de ser nomeado para Banco de Portugal sem um concurso público (tal e qual os filhos de muitos outros políticos e poderosos que obtém cadeiras importantes sem precisar de suar, só, porque, como já tinha dito, nasceram na família certa ­ - faço, no entanto, a mesma ressalva que aqui, quando me referi à filha de Clinton). Ponto três: há pena de morte nos EUA, mas nenhum país usaria esse facto para negar uma cooperação com eles.

Falando agora da separação de poder, no caso português, vemos que praticamente não existe. Os casos escandalosos de corrupção que afetam a política e povo nunca são julgados e os julgamentos dão em nada. O caso BPN, por exemplo, e agora o BES, dão em nada, porque na verdade o capital entrelaça e manipula todos os três poderes. Os prevaricadores, nestes casos referidos, continuam com as suas benesses e os seus bens, e o povo vai pagar pelo abuso de poder que fizeram, porque os três poderes que deviam proteger o povo afinal são servis aos primeiros. 

O Caso da Citius, por exemplo, mostra claramente um problema da gestão do poder judicial, afinal é o governo ou os tribunais que deve gerir essa parte da questão?

Outro exemplo, é deste Governo de PSD que apesar de atropelar várias vezes e deliberadamente a constituição não é chamada para o tribunal sob acusação de crime. No meu entendimento a constituição é um documento legal e portanto uma transgressão a um documento legal é passível de julgamento. Por que não se julga o governo? Será que é porque mesmo os constitucionalistas do TC são membros de um dos partidos mais poderosos e trabalham também para o capital. Ainda ontem ouvi o Marinho e Pinto a dizer que há escritórios de advogados (privados) com sócios que são do governo e que recebem milhões em honorários mensais pagos com o dinheiro público; e ainda disse que os advogados agora ajudam os governos e as empresas a fazerem trafulhices explorando as brechas legais. Eis a justiça no seu melhor.

Quando os poderes legislativo e judicial são dominados pelo partido que está no executivo, o que se pode esperar que não seja ditadura? Esta coligação que agora governa só leva as leis para aprovar no parlamento por praxe, porque sabe que as vai aprovar. E as leis que tem sido aprovadas beneficiam em quê o povo? E o que vai acontecer daqui a um ano? Essas leis serão anuladas? Não haverá simplesmente uma troca de cadeiras? E essas cadeiras estão no lombo de quem? Do povo, é claro.

Na ditadura africana as pessoas chegam ao poder com a força das armas e, na maior parte, só de lá saem da mesma forma. Os três poderes (legislativo, executivo e judicial) continuam a existir, pois há nomeados, mas funcionam tão bem quanto na ditadura ocidental, ou seja, só servem a quem está no poder. Mas, se na ditadura africana quem está no poder é quem manda (sabemos quem é), na ocidental, quem está no poder está lá a mando de uns poderosos capitalistas (não sabemos quem são). Essa é a grande força do capitalismo, dissimulação (lê aqui).

Como disse, não estou a lavar a ditadura africana. Estou apenas a comparar as situações. 

A ditadura ocidental, sem falar do capital, centrando-se apenas na política, é mais discreta, mas não deixa de ser ditadura. A vontade pelo poder, o egotismo e o egoísmo dos governantes é o mesmo. Se alguns ditadores do terceiro mundo não têm tempo e nem paciência para chegar ao poder pela manipulação e enriquecer à custa do povo, com o apoio do próprio burro… desculpa, povo… os ditadores do ocidente fazem-no. De Abril de 1974 para cá vão 40 anos, e em 40 anos ainda Mário Soares tem o poder de puxar cordelinhos, embora não esteja ali à frente. E por Mário Soares lê-se Cavacos, Sampaios, Barrosos, entre outros tantos. Ou mesmo vamos ver o caso de Juncker, que foi governante de Luxemburgo por quase 20 anos (sem falar que mandou no dinheiro durante um década - perfazendo quase 30 anos de grande poder) e que agora está a governar a Europa por mais 10 anos. Não será isto ditadura?

O que torna a ditadura política ocidental mais assustadora que a ditadura do terceiro mundo, é que lá pelo menos sabe-se que é uma pessoa apenas a controlar aquilo, e aqui são um grupo de indivíduos que criaram um círculo, no qual se movimenta e do qual não vai sair e que se mantém no poder por muito tempo, criando filhos e sobrinhos políticos e bem distribuídos na esfera do poder para continuarem com o seu legado, uma espécie de monarquia dissimulada (vejamos apenas o caso dos Bush ou da família Clinton).

Vá lá, digam-me lá se isto não é ditadura.


Para deixar claro, sou contra a ditadura, de qualquer tipo e não me perguntem qual é a ditadura preferível, porque é como me perguntarem se prefiro ter SIDA ou CANCRO. Não me peçam para escolher entre a ditadura africana ou ocidental, principalmente porque esta última estende a sua asa e incentiva, abençoa e protege a africana, enquanto os seus interesses vigorarem.

Não falei da ditadura socialista (a histórica da URSS), porque essa todos já conhecem, mas não é diferente da ditadura capitalista, na medida em que tem por finalidade acumular benesses e privilégios a custa do povo. Como disse Orwell: Todos são iguais, mas alguns são mais iguaisAté agora, o que consegui com este exercício de pensamento é achar que todo o regime é ditatorial.