9 de novembro de 2006

SERÁ O SEXO SUJO?

Entrámos no quarto, o calor era tanto, todo o nosso corpo estava em ebulição, as roupas começaram a abandonar o nosso corpo, precisávamos de satisfazer a nossa fome animal.


A citação não é de ninguém, de momento não me ocorre nenhum escritor conhecido que tenha usado frase semelhante, mas frases do género abundam na literatura, principalmente na literatura cor-de-rosa barata. Fi-la para poder perguntar: por que raio o sexo é considerado animal? Por que é que a nossa animalidade tem que se reflectir no sexo? Será que todos os impulsos homeostáticos são animais (embora o sexo não seja enquadrado por alguns nessa tabela, porque se considera que não põe em risco a existência do indivíduo)? O que quero discutir não é se o sexo é ou não um impulso homeostático, mas sim se é animal, ou melhor, se for animal, se é sujo.

Silogisticamente, se nós somos animais, e os impulsos são nossos, logo os nossos impulsos são (de) animais. Mas não se trata disso, porque quando referem ao sexo como impulso animal relegam-no ao plano da nossa primitividade. E isso por quê? Porque sexo é algo com que todos os animais praticam, ou porque é algo que já foi praticado pelos nossos antepassados da caverna? Mas, se foi por esses motivos que o chamam de animal, eu pergunto se comer, beber, respirar e defecar não serão também impulsos animais. E... diferentemente dos animais, nós possuímos algo chamado sexualidade.


Um punhado de moralista de toda a sorte e a Igreja (principalmente a Igreja) resolveram considerar o sexo impudico (animal), algo que um homem de bom senso deveria praticar com moderação (e como definem a moderação neste caso: sete vezes por semana, tês vezes por dia, uma vez por mês, só no natal e nos feriados?), e para agravar conectaram umas séries de palavras que se relacionam com o sexo ao impudor. Já ninguém pode dizer foder, cona ou outras palavras do género, porque é devasso. Mas até aceitam, em certos contextos, que se diga pénis, vagina, fazer amor e muitas outras coisas como se a imagem que a palavra pénis invoca não fosse igual à invocada pela palavra caralho. E, condenando o significante, condenaram também o significado.


O nudismo, embora esteja a ser praticado cada vez em mais larga escala é ainda considerado uma espécie de depravação, porém recuemos à era dos criadores da democracia – uma das culturas mais admiráveis até agora – e veremos homens nus a praticar desporto nas olimpíadas, sem que isso constituísse um escândalo; lemos poesias latinas e vemos que cantam o falo (estão a ver que até não digo pila) e a vagina, sem que se tratasse de devassidão ou pornografia.

Acho a nossa cultura demasiado hipócrita e pretensiosa, prenhe de pessoas que praticam uma coisa, gostam de praticá-la, mas dizem que é suja.

Vamos lá perguntar: quem é que anda com a boca tapada? Ninguém (tirando o Michael Jackson). Não, ninguém tapa a boca, só temos que tapar as partes ligadas ao sexo, os genitais, as mamas e o rabo… mas não será a boca também um órgão sexual? Aliás, o maior órgão sexual. Não é a boca que faz elogios, que convida o parceiro, que combina o sexo, que começa os beijos, que faz um broche ou um minete (desculpem se eu não disse felação ou cunnilingus - cona-língua - mas não seria mais explícito?)? Já Freud falava da boca como o primeiro ponto de erotismo, ou melhor, o primeiro órgão erótico de um indivíduo. E, na minha opinião, a boca é o mais desenvolvido órgão sexual que existe. Mas ninguém censura a boca, nem é indecente dizer boca, enquanto que dizer caralho já é.

Por exemplo, costumamos ler: Ele saiu da água e escondeu com as mãos as suas partes vergonhosas. É uma citação muito frequente, chamar ao sexo (órgão sexual) de partes vergonhosas. Eu pelo menos não tenho vergonha do meu sexo, e, para dizer a verdade, se não sou nudista talvez não seja por causa de mostrar o meu sexo, mas sim das minhas canelas que são tortas. Sim, as minhas partes vergonhosas são as minhas canelas. E o que para os outros devia ser a minha parte vergonhosa, só me envergonha por ser pequeno.

Li algures uma anedota sobre a mulher de um sultão que caiu do camelo e deixou as suas partes vergonhosas (as palavras são deles) expostas ao olhar de toda a gente, e o sultão ficou contente porque a cara da mulher não se mostrou. Então, afinal, qual é mesmo a parte vergonhosa? Também já vi documentários sobre tribos que nem sequer andavam com tanga, mas a câmara evitava decentemente filmar a parte genital. Se a eles não causa nenhum mal andarem nus, e se não fazem balbúrdia por causa de sexo (eles, considerados primitivos), por que raio fazemos nós (que nos consideramos a nós mesmo super-civilizados)?

Eu não pretendo apelar a pessoas a aderirem ao nudismo, nem que andem a dizer na rua palavras que certamente a maioria consideraria palavrões e indecências, mas sim para nos tornarmos indulgentes com as pessoas que usam dessas palavras, porque são apenas palavras e servem para representar algo. 

Se não é devassidão falar de Deus, porque é Ele que nos dá a vida, por que será devassidão falar do sexo se é através dele (e de todos os seus componentes) que ganhamos a vida?

30 de outubro de 2006

NA TERRA DE CEGOS...

É! A minha mãe já me dizia: Quando um burro fala… não o oiças, é burro. Eu sei que ela tem razão, e por isso tento evitar ouvir os burros, principalmente porque, ao contrário do provérbio, quando um burro fala, os outros também o fazem; são como os cães quando ladram.

Bom, deu-se-me começar este texto com o parágrafo acima, porém não sei agora para o que serve isso, não sei continuá-lo e nem sei por quê comecei com ele, pois o que me inspirou a escrever isto foi um livro de Saramago, Ensaio Sobre a Cegueira. Ainda não li a obra em questão, foi-me recomendada por uma amiga que teve ainda a bondade e gentileza de fazer uma síntese.

Isso fez-me pensar: E nós? Não estamos nós todos cegos? A educação que recebemos, os preconceitos em que somos criados, os dogmas ditos incontestáveis, a proibição de sermos diferentes daquilo que vou chamar de Regra de Conduta do Senso Comum (conforme as diferentes culturas, é claro), todos este factores, e mais outros aqui não nomeados, não nos cegam?

Por exemplo, estamos à mesa e um de nós mete o dedo no nariz à medida que fala com a boca cheia, criticamos logo, mesmo que em silêncio. Mas por quê? Porque houve quem decidiu que isso é má educação. E por quê? Não vou tentar responder para não criar uma cadeia infindável de porquês. Mas será que meter o dedo no nariz torna-nos pior do que somos? Eu… para mim isso tudo são regras criadas pela ceguice das pessoas que se julgam com bons olhos.

Para ilustrar: Mostremos a um invisual – atenção que não digo cegos, porque cego aqui tem um sentido semântico que tende mais para o cérebro do que os olhos… Estava a dizer: mostremos a um invisual o magnífico quadro de Leonardo da Vinci, Monna Lisa (pessoalmente prefiro uma foto de Charlize Theron… e nua, hmmm) e peçamos-lhe a opinião; responder-nos-ia, porque usámos a palavra magnífico: É magnífico! Espectacular! Absoluta e perfeitamente negro.

Sim, que mais podemos esperar de uma pessoa que não vê a luz? No entanto, nem por isso ele deixaria de dar o seu parecer – o ser humano tem um toque especial para criticar. Porém será que não devemos levar em conta a sua opinião só porque ele é invisual? Eu digo que não, porque aí seríamos cegos. Mas já Camus dizia no seu livro, O Mito de Sísifo, qualquer coisa como o homem é um cego que quer ver e que sabe que a noite não tem fim. Porém, não demoremos a raciocinar sobre isso, proponho irmos dar um passeio à famosa Caverna de Platão (julgo que não preciso repetir aqui o conceito) e perguntemos: Afinal quem está na razão? Não estamos todos intrincados num jogo de sombras, iludidos por pessoas que se julgam terem escapado da caverna?

O modo que estou a usar para falar deste tema está a lembrar-me de uma observação de Descartes no seu Discurso do Método, sobre pessoas com espírito medíocre que preferem filosofar com princípios obscuros e que são como cegos (invisuais) que, para lutar com alguém que vê, sem ficar em desvantagem, preferem fazê-lo no escuro. De qualquer forma, avante!

A minha mãe disse-me para não ouvir os burros, mas quem são os burros isso ela não me disse. Tenho livre arbítrio e algum cérebro e devo guiar-me por eles. Entretanto, isto não é tão fácil como é pronunciável, sendo eu um cidadão desta terra de cegos.


Em princípio eu devia ouvir os chamados sábios, porque diz o ditado: Na terra de cegos que tem um olho é rei; porém, tive a infelicidade de perceber que este ditado mente de maneira descarada, pois, na verdade, na terra de cegos, todos são reis e sábios e que tem olho é louco. Imagine uma pessoa a descrever Van Gogh a cegos (nascidos cegos ou cegos por opção – aqui a palavra cego toma uma conotação embaralhada), o primeiro comentário seria: Devemos internar este desgraçado, pois já não diz coisa com coisa.

A minha mãe disse-me e bem: não oiças os burros… pois estando todo o mundo cego, quem guiará a quem?