Escrevo-te, daqui, da Guiné-Bissau, com a missão de pôr na tua visão a noção de que temos a perceção da verdadeira intenção das tuas ações.
Europa, escrevo-te esta carta, como um filho da África, em nome da África, mas sei que é uma tática pouco prática, e é uma pândega esta audácia de eu, na minha pobre casca, falar em nome de toda a África, quando nem da minha casa eu sou o representante mais patente, pelo que muito menos posso ser o representante de todo um continente. Por isso, digo-te assim de fronte, só falo em meu próprio nome, mas não penses que é inconsequente este meu atrevimento.
Europa, queria começar por enviar-te cumprimentos, mas vais ter de perdoar-me, porque neste momento estou em tormentos cujo comprimento é imenso; tormentos tão velhos como este lamento que me risca o peito e me deixa neste leito, desfeito, em trejeito de dores lancinantes que enlaçam as partes que lançam ares salutares nestes esgares que mostram os meus desaires. Pois tu tudo fazes para que tu e a África não sejam pares. Nunca serão comadres, Europa, enquanto desejares que a África continue à tua sombra… sabes…
Ahhhhh… puta que pariu, Europa. Não me fodas. Eu, África, sou muito velha, mas falas de mim como uma tola de uma cachopa, empurrando-me para a popa, enquanto tomas a proa. Mordes-e-assopras e pensas que ninguém te topa? Primeiro apregoas que eu não tenho história, e que só entrei nesta roda, porque tu organizaste a boda toda. Porra!, já me deixaste sem roupa, depenaste-me vezes sem conta e agora apostas nesta moda de mandar bocas de que me vais restituir as coisas que me tinhas tirado à força com a tua tropa odiosa para a qual só o lucro conta. E falas agora como se tivesses muita honra e como se fosses uma filantropa que me está a fazer um favor? Ó, por favor, tenha dó, Europa, tenho cara de tola? Não sou nenhuma tonta.
Primeiro dizes que eu não tenho história, agora queres ser a mostradora da minha glória? E eu, eu não tenho voz própria para determinar as minhas escolhas, terei de seguir sempre as notas das tuas folhas? Por que está tão interessada em devolver-me as estátuas? É porque já não tens mais espaços no armazém. Pois bem…
Que são minhas, são minhas. Mas pergunta-me primeiro e eu decido.
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Que são minhas, são minhas. Mas pergunta-me primeiro e eu decido.
Falei do ouro, falei da prata, mais ainda não falei dos escravos e das pessoas extraviadas das suas terras e jogadas de repente em contextos alienígenas e de alienação completa, sem aliados e sem alianças, com crises de identidade que ainda hoje de forma indigesta se manifestam nos seus descendentes. E, tu, Europa, que te arrogas e te vestes da defensora dos direitos humanos… humanos, desculpa, queria dizer brancos… como cura da escravatura, indemnizaste os brancos, donos de escravos, por perderem o gado humano africano trazido do outro lado do oceano, pois tu estavas preocupada com reparos justificados. Mas quando te falam de reparos aos africanos feitos escravos, aí, assumes a postura de injustiçada e falas que não deves ser cobrada pelos erros do passado. Sim, é claro, então por que dizes que queres devolver-me as estátuas para pagar pelo erro do passado? Queres pagar pelos erros ou apagar os erros?
Que são minhas, são minhas. Mas pergunta-me primeiro e eu decido.
Que são minhas, as estátuas, são minhas. Mas pergunta-me primeiro e eu decido.
Europa, se quiseres devolver-me as minhas estátuas, então larga essa atitude fátua, sua crápula, pára com as fábulas e vamos falar da prática.
Estás preocupada com o meu bem-estar? Ai, que boa, és tão fixe, Europa. És tão boa, tão boa que me afogas com as tuas instituições e as tuas ONGs que só fazem cá a manutenção da pobreza e dos problemas. Dizes que mandas para cá dinheiro, para salvar o povo inteiro, mas não tens uma cheta para pagar uma merda de um bote para retirar do teu mar pessoas a afogar, mas tens 1001 barcos a pescar o meu mar. E pior de tudo, ainda vês se encalabouças aqueles que tiveram a força e a coragem de usar o privilégio e a vantagem para serem humanos de verdade para ajudarem humanos necessitados.
Europa, Europa, Europa. Tu vendes as tuas armas no meu quintal, incitas guerras para me poderes explorar, pois a minha instabilidade é fundamental para que possas continuar a dar cartas e a falar mal de mim, como se eu fosse um débil mental, e achas que o me preocupa são as porras das estátuas?
Que são minhas, são minha. Mas já que daqui as tiraste, e por anos com elas ficaste, considera-as arrendada. Vai ver aquelas que tens às mostras nas tuas montras e faz as contas e manda para cá o dinheiro.
Hey, espera!, se prometeres não mais mandar para cá as tuas as tuas armas, as tuas doenças, o teu desenvolvimento sustentável e o teu capitalismo selvagem, que não me trazem nenhumas vantagens, eu juro-te que te ofereço as todas as estátuas do mundo.