Uns meses atrás, por causa de umas pessoínhas de uns afegãos que de manhã foram notícia e à tarde passaram à nota de rodapé, eu perguntei: serão os afegães humanos? Claro que não eram, só foram notícia por causa do americano envolvido na questão. Mas desta vez, por todos os envolvidos serem americanos, e por causa de quatro dias da mesma notícia, eu então pergunto: serão os americanos humanos?
Todos sabemos a resposta. Tal e qual os afegãos não são humanos, os americanos também não são; mas se os primeiros são pessoínhas, os segundos são deuses, e é por isso que as suas vidas são tão valorizadas, tão valorizadas, que se tornam notícias mundiais porque vinte crianças morreram (lamentos pelos pais e familiares), quando ao mesmo tempo estão a morrer pessoínhas (crianças, adultos, famílias inteiras) sírias, palestinas, iraquianas e eteceterianas, mortas pelas guerras americanas (ou com o dedo americano), e nem sequer levantam comoção.
Não estou contente com a morte desses meninos inocentes, se passei essa ideia perdoem-me, odeio matanças, não vejo justificação nenhuma em matanças, ao contrário do Bento XVI que falava de violência não justificada, pois para mim as vidas humanas estão no mesmo plano.
No entanto, por serem deuses, temos de velar e ficar compenetrados pelas vidas recentemente ceifadas nesse pequeno massacre na América (sim, estou a usar termos comparativos de propósito), e não nos lixarmos pelas outras tiradas pelas armas, pelas bombas, pelos soldados e drones americanos, ou pelos soldados do petróleo, e nem devemos ficar compenetrados pelos sírios que se estão a matar, ou irritados pelos abusos israelitas. Isto por quê? Porque pessoínhas não se medem com deuses.
A América é uma terra de deuses, por isso é que pode ser toda às avessas, por isso é que acreditam que as suas emendas publicadas séculos atrás continuam hoje tão boas e com infalibilidade bíblica e dogmática que não precisam de revisão; por isso é que permitem a jovens de 18 anos irem morrer na guerra, entrar em filmes pornos, poder portar armas de fogo e matar os outros, mas não não lhes permitem beber uma cerveja; por isso é que vão levar para a discussão outra vez a questão de porte de arma, embora todos eles já saibam o vai resultar daí: nada; por isso é que os Obamas e tal vão chorar lágrimas de crocodilo e depois ficarão à espera de uma nova matança; por isso é que esta matança não tem nada de novo, visto ser nada mais do que outro eco.
Para fechar, digo, lamento pelos familiares, mas basta de hipocrisia, as vidas americanas não são mais importantes do que nenhuma outra vida, por isso por quê a tanta hipocrisia mediática em torno do assunto?