7 de abril de 2011

IDIOTAS E ANJOS, 2008 (Idiots and Angels)

Primeiro houve o cinema mudo, Deus viu que era bom, mas Hollywood não se contentou e aumentou som: música ou banda sonora e diálogos. E Deus viu que era ainda melhor, e não meteu mais a colher. Depois Bill Plympton – que Matt Groening diz ser Deus – resolve fazer um filme sem diálogo e, pronto!, temos o Idiot and Angels. (Nota de rodapé que vai aparecer agora: Não sei se Bill Plympton foi o primeiro a fazer uma longa-metragem sem diálogo, mas pelo menos foi o primeiro que vi, e até ver ou saber de outro vou assumir que este é o primeiro).

Idiotas e Anjos é uma animação, com uma técnica única e com a melhor transição entre cenas que já vi. Quem viu The Tune (costumava passar no canal MOV todas as madrugadas, e acho que se não passa mais é porque desgastou o disco) sabe do que estou a falar. Além da curiosa forma de contar história, da história em si, há o bom gosto pela música.

O filme é sobre um gajo muito sacana, doentio, egoísta, hedonista e merdoso, que filhadaputeia todos os outros, e só se importa consigo (já tinha dito que era egoísta, não disse?). Pois bem, eis que de repente, crescem asas de anjos ao nosso sacana que o levam a tomar atitudes que ele despreza. Entretanto, essas asas não só criam modificações nele, como nas pessoas à sua volta. E as sequências da sua luta contra a personalidade invasora são ora hilariantes ora de cortar (literalmente) o fôlego.

Um dos pontos bons, no entanto é como as personagens, todos eles um tanto clichés e recorrentes nas fábulas, são psicologicamente caracterizadas sem o tal diálogo (ou monólogo ou qualquer espécie de logo), uma sequência com uma borboleta definiu-os a quase todos. Lá pelo fim, o filme assumiu o seu carácter fabuloso, tornando-se num conto de moral, do género: se Hitler tivesse um par de asas talvez abrisse uma cadeia de hamburgers na nova Zelândia e não assasse judeus só à toa. Enfim cada um interpreta como quer.


trailer


O filme não é só fábula, nem só drama e comédia (ou comédia e drama), ou um motivo para mostrar que sabe fazer arte, mas também uma crítica social, uma crítica à alienação que impomos a nós mesmo e, talvez sem notar, aos outros, e como somos forçados pelos outros por caminhos que talvez nunca tomaríamos. Temos uma cena (spoiler!) de um homem que assalta um bar onde foi maltratado. Mas, como disse, sem diálogos, as interpretações variam ainda mais, porque as  falas pelo menos criam balizas interpretativas. E temos outra onde bandos de bêbados sofrem diariamente atentados homicidas em bares e tabernas, mas todos os dias continuam atrás da bebida, entremeando-o com visitas médicas. Aqui é mais simples, só temos que trocar a bebida por algum outro vício, ou pelo vício mais generalizado e disfarçado da sociedade: o trabalho e a busca desenfreada por dinheiro (pelo menos no caso dos grandões).

Idiots e Angels é um filme muito bom, independentemente do olhar com que é visto, como alegoria, como sequências sem um ponto específico, ou simplesmente como uma concatenação de piadas de mau gosto. E outro dos seus pontos positivos é a banda sonora eximiamente seleccionada, do qual destaco a versão de St. James Infirmary tocada por não sei quem. E tem o Terry Gilliam, embora não saiba o que anda por ali a fazer.
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...