31 de dezembro de 2020

AS PALAVRAS

este texto já tem quase uns 20 anos, da altura em que achava que chegaria a ganhar o prémio nobel do rap. o texto não é tão fluído, porque me faltava prática - embora eu já me achasse um perito -, fazendo com que muitas rimas fossem mesmo apenas pela rima e não fizessem muito sentido dentro do contexto.



AS PALAVRAS

As palavras têm vidas, algumas são sentidas,
Outras abrem feridas, outras são perdidas.
Há palavras esquecidas, obstruídas e sem saídas,
Contidas e oprimidas, comprimidas e deprimidas.

Há palavas que são brigas, outras querelas antigas,
Algumas enchem barrigas, com outras só te perigas.
Palavras que são cantigas, são intrigas ou dão fadigas,
Palavras com que mendigas, palavras em que te abrigas.

Há palavras vividas, repetidas, escritas e imprimidas,
Que são precisas para que alegria exista nas nossas vidas,
Palavras que metem te numa fria, por teres a cabeça quente,
E há palavras que esfriam até mesmo os mais combatentes.

Há palavras que mentem à mente e faz a mente demente,
Que me deixam doente só de se chegarem à frente,
Há palavras eloquentes, quentes e imponentes,
Mas a falar com outras gentes são tão impotentes.


Caso as palavras e componho o raciocínio,
Mas caso nas palavras que ponho perca o domínio,
Começo a cosê-las como fazes em malhas,
O começo é cozê-las em fases sem falhas.



Palavras belas, mas que exprimem nada,
Palavras feias, cheias de ideias elaboradas,
Palavras, uma a uma, somadas dão um romance,
Palavras, há algumas apanhadas só de um lance.

As palavras que falo são duras e têm calos,
Mas com aquelas que eu calo o meu âmago escalo,
Com regalo consigo atravessá-lo num estalo,
E me abalo no halo das palavras que não calo.

Já vi ideias, ideais, feias e letais,
Cheias e anormais, sérias e banais,
Velhas e mortais, plenas de ais,
Obscenas e canibais, sem cenas de paz,

Medonhas e sepulcrais, não as ponhas no meu cais.
Olha onde vais, encolha que não sais,
Trolha, estás a mais, olha que eu sou ás,
Tu és bolha eu sou gás, põe rolha e dou-te paz.


Caso as palavras e componho o raciocínio,
Mas caso nas palavras que ponho perca o domínio,
Começo a cosê-las como fazes em malhas,
O começo é cozê-las em fases sem falhas.



A palavra que sai da minha boca,
toca, parece louca, evoca lembranças gordas,
invoca tamanhas forças e derroca, sem sacrifícios,
os edifícios de suplícios morais com artifícios amorais.

Emaranho as palavras, ficam viscosas como ranho,
Apanho as palavras faço-as vistosas dou nelas banho,
Uso verbos e advérbios, temática da gramática,
lógica matemática?... não sei… tenho prática.

Só sei que com as palavras sinto-me um rei,
De usar e abusar delas sempre eu hei,
Pra domá-las e forjá-las faço eu mesmo a lei,
A ideia é ser um poeta que palavreia bué cá!

Uso tantas palavras que parecem não ter sentido,
São estas as lavras em que sei ser perito,
Uso o raciocínio e palavreio com fascínio,
No meu raciocínio não há freio nem domínio.

1 de dezembro de 2020

DIÁRIO DE UM ETNÓLOGO GUINEENSE NA EUROPA (dia 5)

1 de dezembro – dia dos restaurantes tugas


O tio Paulo Bano contou-me uma vez que os tugas de Portugal tinham sido colonizados pelos tugas da Espanha, e quando finalmente se libertaram dos tugas espanhóis, criaram o Dia da Restauração, onde iam todos eles a restaurantes para festejar. Não sei muito bem o que se passou, mas provavelmente devem ter ficado fartos dos tacos, dos gaspachos e das tortillas. Porque não vejo nada que justifique um dia só para restaurantes.

Mas o tuga adora comida. Uma boa comidinha que se reflete naquela barriguinha de cervejinha bem redondinha do tuga que é típico daquelas ilustrações dos postais para turistas que se vendem no Rossio e no Bairro Alto. Rossio fica em Lisboa, mas acho que todos os guineenses sabem disso, pois é onde tiramos postais para confirmar que viemos a Lisboa. Guineense que diga que veio a Lisboa, mas não tem um postal no Rossio, é mentiroso. Bem, desculpem-me a distração, vou voltar aos tugas.

Sabem, só agora descobri que há uma grande mentira na história dos tugas. Afinal, enquanto estavam lá nas Áfricas a dizer que esta ou aquela era a sua colónia (o que não era na verdade)… afinal, eles mesmo estavam colonizados… afinal, eles eram espanhóis… afinal, se as colónias eram para ser de alguém na altura seriam dos tugas espanhóis… afinal…

Este ano, na Tugalândia, ou Portugal, como eles gostam de a chamar, o dia da restauração não está a correr nada bem, por duas razões:

Primeira, os empresários tugas do dia da restauração resolveram fazer greve de fome, acho que ficaram com saudades dos tacos e das tortillas. Isso é muito preocupante, se os donos da comida fazem greve de fome, imagina quando chegar a vez dos mendigos. Se a moda pega, o sindicato dos políticos… os políticos têm sindicatos? Bem, pela forma como são tratados e insultados pelo povo, se ainda não têm, acho que deviam… Como estava a dizer, se a moda pega os políticos ainda vão começar a fazer greve contra a corrupção, e os banqueiros contra as altas taxas dos bancos, e, como disse a tia Luzia Roubado, os patrões contra a precariedade. Será que estou a confundir as lutas? Sei lá, mas que é confuso, é. Só quem tem a barriguinha cheinha se atreve a fazer greve de fome, porque sabe que depois da greve tem a comidinha à espera.

A segunda razão, relacionada à primeira, é que os chefes dos tugas, o Marmelo e o Crosta (acho que é assim, mas vou confirmar depois), decidiram não deixar os tugas saírem da casa hoje, porque é perigoso lá fora: há um bicho pequenino, chamado Covid, a apanhar os tugas lá fora (não apanha turistas, nem imigrantes, estes podem ir trabalhar à vontade, e nem apanha os tugas coitados que têm trabalho de merda), por isso, quando o sol está no zénite é hora de começar a voltar para a casa, porque é quando o bicho acorda para apanhar os tugas preguiçosos, e estes precisam de ficar em casa, para encomendar e receber tudinho no quentinho do seu sofazinho, enquanto vomitam críticas contra as pessoas que têm de ou que querem estar na rua.

Então, por conta disto, não se pode fazer o dia da restauração como deve ser, os tugas devem ir para as suas casas e fingir que é um restaurante, se não souberem cozinhar, problema deles. E é isso que enfurece os empresários tugas do dia da restauração: como é que querem matar séculos de tradição tuga? Mas os chefes tugas dizem que os tugas têm que ser menos egoístas e mais solidários com os outros tugas, porque não há camas e aparelhos suficientes nos hospitais para descovidar toda a gente. Então os tugas, obedientes, vão para a casa. Antes ficavam contentes com isso e até batiam palmas e tocavam panelas na varanda, mas já estão fartos disso.

Os chefes tugas gostam de apelar à solidariedade, porque não há camas suficientes nos hospitais. Há muitas camas em muitas casas vazias, mas muita gente sem teto a viver na rua e muita gente a rezar para que os chefes dos tugas não façam um sinal para ser despejada; há muitas casas vazias e muitos tugas a viverem na rua, mas descobri que para os chefes tugas parece que a solidariedade tem a ver apenas com as camas dos hospitais e apenas para doentes da Covid.

Os chefes tugas continuam a querer jogar dinheiro aos seus amigos tugas dos bancos, das TAPs, da saúde privada e fechar as pessoas em casa, ao invés de investir na saúde pública e comprar mais camas para não favorecer o bichinho, e, enquanto isso, os tugas coitados estão a ir para o desespero. E isto dá medo, pois, há muiiiiiiiitos anos quando os tugas entraram em desespero, encheram-se em barcos e foram para África brincar a empresários… e não correu nada bem, para os africanos, é claro. Mas agora, por conta de desespero os africanos também vêm cá à Tugalândia tentar brincar a empresários, mas são mandados logo para as obras.

Os amigos tugas dos chefes dos tugas estão a despedir muitos tugas coitados e quando isso acontece, sempre mandam os tugas coitados emigrar. Por exemplo, há não muitos anos, um chefe tuga chamado Caço Coelhos também fez o mesmo, deu muito dinheiro aos seus amigos tugas donos dos bancos e despediram os tugas coitados e mandaram-nos emigrar. “Vá!, todos para o Norte, emigrem para a Europa, saiam da Tugalândia.” Nada mais fazia sentido para mim, eu a vir para a Tugalândia e o tuga, todo complacente e piegas, a fugir da Tugalândia.

Mas eu tenho um objetivo na vida, eu vim a Portugal para ajudar os tugas, para lhes ensinar a ser de cara menos fechada e mais sorridentes, para pararem de arrastar o corpo pelas estações do metro de manhã, como cadáveres vivos. Vou criar uma ONG aqui para ajudar os tugas a serem mais firmes e a saberem o que são os direitos humanos e a conhecerem a democracia, para não terem de aceitar complacentemente tudo dos seus chefes ditadores tugas, enquanto ficam em casa a serem piegas e a escreverem na Internet.

A minha ONG vai ser sem fins lucrativos, mas eu e os meus colaboradores que vou mandar vir de África, temos de ter um salário chorudo, afinal a Guiné-Bissau não é assim tão perto e eu sou um expatriado, não imigrante, imigrante é coisa de pobres, como os tugas coitados. E os tugas com quem vou trabalhar aqui podem fazer voluntariado, dou sandes e sumo todos os dias e tá-se. Vou chamar o tio Paulo Bano para coordenar, porque ele é um especialista em Estudos Tugas. Vamos fazer workshops sobre “como ser um bom cidadão tuga”, e ensinar aos tugas a culinária guineense, pois acredito que é a única forma de honrar o dia da restauração tuga, senão os restaurantes aqui vão continuar todos fodidos. Os meus alvos mais imediatos são a PSP e o Parlamento, a TVI fica para a segunda fase.

A sério, é preciso e é urgente restaurar o tuga e criar “homem novo tuga”, porque estes tugas estão cada vez mais a namorar com os bafientos netos do Salazar, porque não sabem realmente o que a democracia é. É bom que saiam do armário, sim, é bom, por isso é que a minha ONG tem o trabalho missionário de recebê-los e civilizá-los, para largarem esses hábitos selvagens e essa falsa religião e o seu Papa Ventura, que os leva a adorar o Santo Salazar e o Santo Hitler. Desta vez não vou falar que PORTUGAL É RACISTA, para evitar polémicas vazias.

Eu só estou aqui para educar os tugas sobre a sua própria história e civilizá-los, porque há uns anos vi o pedido de ajuda do chefe tuga Sovaco?… Babaco?… Palhaço?… bahhhh, não interessa, está na foto. Acho que ele estava com saudades dos tacos e das tortillas.