Que tipo de escritor e bibliófilo seria eu se aqui falasse de muitos livros e não falasse do meu? E seria modéstia não inclui-lo na lista do 100 Títulos Para Ler Antes de Morrer? Hum, talvez!, no entanto, considerando que a modéstia no curriculum vitae é nada mais do que estupidez, acho que devo valorizar-me o suficiente para auto-incluir-me nessa minha lista, álias, se o próprio Ed Wood achava que fazia bons filmes... além do mais, essa lista é também pessoal.
Bem, de qualquer maneira eu falar do meu livro seria bastante suspeito e muito pedante, razão por que vou convidar outra pessoa para o fazer, e não vejo ninguém melhor para isso do que o conceituado escritor angolano José Eduardo Agualusa, sendo que foi ele quem lhe fez o prefácio, e ei-lo:
Prefácio de Fogo Fácil
Num contexto como o da Guiné-Bissau, de grande pobreza literária, a emergência de um novo escritor é sempre de saudar. O lançamento desta recolha de contos de Marinho de Pina, “Fogo Fácil”, merece contudo uma maior atenção. O que mais me impressionou, logo no primeiro conto, foi a sensação de me encontrar num território autónomo, um universo próprio, feito de um conjunto de referências e de uma soma de obsessões muito particulares. A isto chama-se estilo, e está para a literatura como o tempero para a culinária. O estilo de Marinho de Pina faz-se se sábia mistura entre humor inteligente, uma pitada de tradição oral, outra de suave erudição literária, nunca pretensiosa, e a paixão pela retórica.
Lúcio, o pícaro personagem do conto “A Alavanca do Cérebro” exemplifica estas características: “Estávamos nesses palavreado quando um rapaz caiu ao rio, e começou a ser arrastado pela corrente. Segundo a teoria de Lúcio, o rapaz estava no mesmo sítio, a cena é que se desenrolava. Se conseguisse entrar na frequência do mundo, iria ao sítio onde o rapaz estava, antes de cair na água, e mudava a cena”. E Lúcio, de facto, serve-se apenas do pensamento, da retórica, para alcançar os seus objectivos – e descobrir a alavanca do cérebro. Há aqui um prazer pela efabulação, uma energia e sinceridade, que não é muito fácil de encontrar, nos nossos dias, em literaturas mais sofisticadas.
Marinho de Pina leva-nos a conhecer uma outra Guiné-Bissau. Não aquela que julgávamos conhecer, através das notícias, quase sempre funestas, que nos chegam pela rádio e pela televisão, mas uma outra, infinitamente mais complexa e interessante: com os seus mitos, os seus dramas e inquietações, e, sobretudo, a sua atenção ao mundo e ligação à modernidade.
"Fogo Fácil" (eis um título feliz!) parece-me um raro primeiro livro, anunciador de um mundo mais vasto. É por ele que aguardo agora, que aguardamos todos, na certeza de que mais do que um escritor da Guiné-Bissau, Marinho de Pina se revela, nos contos que se seguem, como uma esperança de literatura em língua portuguesa.
José Eduardo Agualusa