25 de maio de 2011

DISTRITO 9, 2009 (District 9)


Se me perguntassem qual foi o melhor filme que vi em 2009, eu nem hesitaria em responder: Distrito 9.

Quando fui vê-lo, não tinha lido nada sobre ele, nem visto trailer, a única coisa que sabia dele era ser produzido por Peter Jackson e ter extraterrestres, mas eu sempre desconfio quando usam nomes de pessoas que já fizeram bom trabalho para vender mercadorias. Porém, um dia resolvi ver Distrito 9, estava à espera de uma comédia, porque o cartaz lembrava-me da Arma Infrutífera, com Samuel Jackson e Emílio Estevez, e o título remetia-me ao B13, aquele filme francês de parkour. Com uma expectativa assim tecida, por ser o Distrito 9 como é, apanhou-me totalmente desprevenido e chocou-me sobremaneira.

O início do filme, com aquele carácter de reportagem, criou logo a sensação de algo real, comecei a pensar que talvez o filme é sobre um desses tantos loucos que proliferavam nos anos 70 jurando terem sido abduzidos por aliens. Não sabia bem do que estava à espera, mas ainda contava com uma comédia, mas uma comédia muito realista. Não pude não me sentir parte daquele universo, por estar acostumado às notícias na TV. Além de passar a mensagem: apareceu na TV, é verdade.

No filme (cuidado com spoilers!) temos um grupo de alienígenas que vieram refugiar na terra, provavelmente porque o Titanic deles afundou. Não se pôde especificar bem do que estavam a fugir (se é que estavam) ou para onde iam, mas pelo menos, vemos um deles a planear voltar para a casa para ir buscar ajuda, ou seja, a estrutura social do planeta deles continuava ainda intacta. Sobre o aliens, chamados gafanhotos pelos humanos não se sabe muita coisa.

Para começar os aliens foram parar à África do Sul, país que ainda está a tentar curar-se do Apartheid. E… pausa para os problemas raciais, e abertura para os problemas especiais (leia-se de espécie), alguém dizendo no filme: ao menos fossem humanos. É, pois é! Até mesmo Aristóteles quando definiu a ética não contemplou outra vida senão a humana, porque aparentemente as outras são despidas de psique. Tal como ao longo da História os europeus consideraram os africanos desprovidos de alma.

É curioso ver que os aliens apesar da sua supremacia tecnológica e bélica deixaram-se ser abusados pelos humanos, confinados a um campo de concentração. Outro paralelo para os diversos campos de refugiados espalhados pelos países vizinhos a países em guerra, onde as pessoas são arrebanhadas, sem direito, sem consideração, onde têm filhos que crescem nesses mesmos campos até à idade adulta, mas sem cidadania (situação que abunda pela África), ou então paralelo aos bairros sociais e favelas espalhados pelo mundo inteiro, onde as pessoas são estereotipadas e estigmatizadas, proibidas de uma certa maneira, de relacionar normalmente com a “sociedade da elite”. E mais, como vizinhos, nesses campos, têm apenas um monte de pretos.

Sem falar da manipulação da verdade em nome do poder, das relações hierárquicas, da necessidade de domínio, que são umas das tantas imagens que vemos no Distrito 9, só a relação entre as pessoas, como o herói e a sua esposa, é uma ideia já forte que o filme trata. Mostra que, por vezes, os casais criarem conchas para se protegerem até que não é mau de todo. E as imagens metafóricas são também várias, como a "comida de gato", uma droga usada para controlar o comportamento dos gafanhotos, como a televisão e outras drogas nos controla a nós, ou, por exemplo, o símbolo da organização vilã do filme que remete para a águia do emblema americano.

trailer

Queria escrever isto há uns dias atrás, logo depois de ter revisto o filme, mas fui adiando, adiando, até hoje, e praticamente todas as notas mentais que fiz durante o visionamento perderam-se, mas lembro ainda vivamente de uma cena: os heróis, o terrestre e o alienígena invadem o laboratório, e imitando John Connor, o terrestre ordena ao outro para não matar ninguém. E quando o terrestre dispara sobre uma pessoa, o alien pergunta qualquer coisa como isto: “então não era para ser sem morte?”, ao que o terrestre responde: “ele tentou me matar”. Pois então a sobrevivência legitima o tirar a vida aos outros? Sim, se a vida for humana (leia-se dos poderosos) as restantes merecem ser sacrificadas para a preservação dessa.

O filme tem alguns buracos no argumento e tem cena estúpidas, como a parte final em que os aliens que durante 20 anos levaram dos humanos e sempre se mantiveram quietos mesmo quando um deles era morto abusivamente, resolveram se rebelar por causa de um mestiço (o herói hibrído).

Distrito 9 é um filme de ficção, um ensaio sobre a ética, e porque não podia deixar de ser, um filme de acção. A dada altura teve que largar a viagem no psique humano para se tornar apenas num filme de acção, afinal nem todos são Christopher Nolan ou Vincenzo Natali, mas nem por isso perde o seu poder e é um filme para ver e reflectir. 
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