Quando mais novo, o meu género
favorito era a ficção científica, tanto no cinema como na literatura. Gostava
(ainda gosto) dessa temática, das teorias de máquinas de tempo, viagens
interdimensionais, extraterrestres e tal, no entanto, eu considerava mais o
aspecto exterior da ficção científica do que o interior: os ensaios que os bons
autores fazem sobre a humanidade. E quando comecei a dar mais atenção ao
segundo aspecto, deixei de considerar qualquer coisa que tivesse uma nave
espacial de ficção científica, embora lesse tudo com essa classificação. Quando
comecei a ler Tempo Suspenso, não
estava à espera de nada, apenas de uma leitura leve, e foi o que encontrei, uma
leitura leve, porém, com profundidade.
Tempo Suspenso é uma excelente leitura de ficção e um excelente
entretenimento literário. O livro arrebata logo nas primeiras páginas e
continua, em crescendo, a intrigar mais e mais. O tema é sobre a desesperança
na humanidade. Ambientando num futuro distópico, pelo menos para nós aqui,
sente-se nele influências do 1984, de
Orwell, e do Admirável Mundo Novo, de
Huxley, no entanto consegue ser fresco e original, e não fosse o facto de
focar-se mais no contexto de aventura, de certeza que era capaz de ombrear com
esses em profundidade.
Tempo Suspenso acontece no terceiro milénio, a humanidade
sobreviveu, mas sobrelotou o planeta. Então para resolver o problema, o
governo, absolutista, resolveu dar a cada pessoa um dia da semana para viver,
passando os restantes numa câmara de suspensão. As pessoas vivem num dia
qualquer, terça ou domingo, e à meia-noite estão na sua câmara, esperando pela
próxima semana. Essas segundas, contavam-se dia a dia, como se fossem dias
normais, ou seja os segunda-feiristas, tinhas os seus sete dias da semana
completo, e com a tecnologia da suspensão, envelheciam normalmente cumprindo o
ciclo biológico. Ninguém parecia ter problema com viver um dia, sendo que vivia
todos, mas quem vivesse em todos os dias era considerado criminoso, do pior
tipo, um quebra-dias.
Quando se tem um governo
totalitário, ou de qualquer tipo que seja, existe sempre a oposição, e é aqui
que entra o nosso herói, que é um quebra-dias, um criminoso, quase terrorista,
e que vive com sete identidades, um para cada dia, para não ser descoberto, mas
que trabalha para a oposição. Este é o mote para o desenvolvimento do Tempo Suspenso, no entanto várias
questões, psicológicas e sociais, surgem durante a ocorrência.
Tempo Suspenso tem um belo ritmo e, como já disse, aposta muito na
aventura, entretanto, sempre tem tempo para analisar a sociedade através de
diferentes prismas. Tal como O Admirável Mundo Novo, mostra que as pessoas são condicionadas de diferentes maneiras e que na realidade, somos mais carneiros do que os próprios, e ao mesmo tempo, questionamos se quando existe a ordem e todos nós somos e estamos basicamente satisfeitos, se é mesmo problemático que esta ordem seja do tipo totalitário.
Farmer é magnífico em desenhar
sociedades e idiossincrasias, cada dia apresentado tem etiquetas próprias,
maneirismos, linguagens e vícios, podendo-se no entanto ver que não importa o
verniz, o homem é sempre homem. E não importa o governo ou a oposição, quando a
ideia é de dominar e de regular… bem, resumindo: o poder corrompe.
Uma bela e agradável leitura.