BLACK MIRROR é uma mini-série inglesa com três capítulos, três histórias independentes, situadas em tempos diferentes, que, no entanto, tratam do mesmo tema: a tecnologia da informação e o seu impacto social, ou, por outras palavras, a nossa sociedade actual, toda ela bigbroderiana, youtubista, consumista e onde o maior e mais vulgar sonho das pessoas é ser famoso. Se dessem a escolher aos dos tempos de hoje ente ser rico (a outra meta mais procurada) e ser famoso, acredito que a maior parte das escolhas recairá sobre o segundo ítem.
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A forma como estes temas foram abordados, a carga dramática e o final de cada uma delas, seca (manifestando desesperança) e realista (que não diz nada de novo e apenas carimba as coisas como elas são), fazem de Black Mirror uma série impactante, de cortar o fôlego e emaranhar os nervos, mostrando-nos o pouco controlo que temos das nossas vidas, e que as coisas que julgamos úteis e necessárias só nos limitam ainda mais esse controlo.
No primeiro episódio, THE NATIONAL ANTHEM, uma história situada num hoje alternativo, a princesa britânica é raptada e a exigência é o primeiro-ministro fazer sexo com um porco em directo pela televisão.
Este episódio traz à tona questões como a censura (vemos como a tentativa de controlar a consternação do povo, escondendo-lhe determinadas informações foi frustrada pelo próprio povo), os meios de informação da modernidade e o nosso voyeurismo mórbido (que foi simplificado numa cena onde as pessoas se submetem a sofrer náuseas extremas só para assistir a um programa de sexo doentio na TV). Entretanto, apesar disso, também mostra o poder do povo e como pode influenciar as decisões, mas, lamentavelmente, apenas se preocupa com “uma bica e futebol”, no caso português.
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No segundo episódio, FIFTEEN MILLIONS MERITS, uma sociedade futurística e consumista, onde tudo o que as pessoas podem fazer é pedalar o dia todo para produzir energia para a cidade, ganhando assim dinheiro para viver – ou sobreviver, dependendo da perspectiva (parece com a nossa sociedade?), onde a natureza está totalmente lixada, e até mesmo as frutas são sintetizadas em máquinas, as pessoas estão divididas em pelo menos cinco castas: os donos da televisão (que controlam tudo), as estrelas da televisão, os operadores da televisão, os pedaladores e os limpadores.
Se no episódio anterior se mostrou o poder do povo, neste mostrou-se a sua inutilidade, inutilidade (porque somos completamente manipulados, embora julgamos que estamos no controlo), porque somos alimentados por sonhos fúteis que vemos na caixa-mágica e nem nos damos ao trabalho de pensar se nos serve realmente. Somos compelidos a consumir e a desejar esses sonhos vãos porque nos parece que é a única maneira de nos livrarmos destas celas para podermos sermos mais importantes e menos controlados, mas não percebemos que apenas mudamos para uma cela maior.
A história deste episódio é sobre duas pessoas que se apaixonam: uma é talentosa artisticamente e a outra é talentosa filosófica e revolucionariamente e que, provavelmente, devido a sua situação social de pedalador, concluiu que a sua sociedade é vã e deve mudar. No meio disso incentiva a sua amiga a concorrer aos Ídolos… desculpem, Hot Shot, um programa de televisão clone do nosso Ídolos, achando que podia transformar a vida dela. Depois acaba ela mesma acaba por concorrer ao mesmo programa.
A história destas duas pessoas mostra como a inocência é corrompida em nome da fama e apoiada pelas mesmas pessoas que a criticam, o culto da beleza, e também os milhares revoltados ou anti-capitalistas ou anti-consumistas que são absorvidos pelos sistemas que tanto criticam sem que nada mude (por exemplo, os inúmero gurus, os incontáveis autores best-sellers de livros de auto-ajuda e críticos sociais que falam da necessidade de mudança, mas só mudam a sua conta bancária e só “criticam” para isso).
E como bónus, temos uma interpretação magistral de Daniel Kaluuya (que já citei aqui e aqui), actor que tenho vindo a admirar, e que aqui solidificou os motivos da minha admiração numa cena que me deixou em suspenso durante toda a sua duração.
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O terceiro episódio, THE ENTIRE HISTORY OF YOU, que me deixou com um gosto amargo, conta a história de um casal que vive num mundo onde tudo o que vê é gravado e catalogado. À primeira vista parece ser uma bênção, visto que, como foi logo mostrado, dá para rever perspectivas que inconscientemente deixamos escapar, além de mais permite partilhar as tuas férias com os amigos e livrar-se da inconveniência de carregar uma câmara ou da chatice não ter tido um dedo rápido no obturador ou de ter faltado a bateria ou espaço na máquina num momento crucial.
No entanto, o facto de o ser humano possuir uma memória selectiva significa que precisa dela para o equilíbrio, as boas memórias costumamos armazenar num local de fácil acesso, as más mandamos para o fundo do armazém, procurando reprimi-las, portanto, não pode de jeito nenhum ser bom termos ao nosso alcance todas as nossas memórias detalhadas ao ínfimo pormenor, pois isso só pode tornar-se num pesadelo. E é o que acontece ao casal da história deste episódio: o marido desconfia que a mulher o trai e analisa todos os pedaços da sua memória para determinar se tinha ou não razão; entretanto, ao mesmo tempo que mantém vívida essa memória de traição, também vívida mantém a memória dos bons momentos que tiveram juntos e todos os pequenos detalhes que lhe fez amá-la. E assim, como dois sentimentos contraditórios, ele tenta gerir a situação.
A análise proposta neste episódio é bastante interessante. De uma maneira sumarizada, acho que posso dizer que o que foi se quis mostra foi: porque não há gravações da Sala Oval, Bill Clinton e Monica Lewinsky hoje são rumores, mas Paris Hilton terá sempre a sua Uma Noite em Paris.
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Em termos conclusivos: para mim Black Mirror não é propriamente uma série, pela sua linguagem cinematográfica e considerando que todas as histórias são independentes e apenas o tema é o mesmo, porém isso pouco importa, a verdade é que vai deixar-te abalado, independentemente do que achares que é. Definitivamente, merece ser visto.