20 de maio de 2019

PENSAMENTOS INEXACTOS - CAP. XII

A HUMANIDADE É SIMPLES

A humanidade é tão complicada que acaba por ser simples, ou seja, por ter uma definição simples, ou simplista, resumida em: a humanidade é complicada. Entretanto, filósofos e promotores de autoajuda têm andado a tentar convencer-nos de que não, que a humanidade não é complicada, que nós é que assim a fazemos. Daí põe-se a questão: se nós não somos complicados como conseguimos complicar? Não consigo perceber como é que o simples consegue complicar, da mesma maneira que me faz espécie que Deus, um ente perfeito, tenha criado a imperfeição.

Se o homem fosse simples não teria complicado o seu viver. Tentamos fugir da complicação criando sistemas binários ou dualistas, resumimos tudo em ou bem ou mal, ou preto ou branco, ou ser ou não-ser, ou 1 ou 0, mas todos sabemos que tirando os computadores e as pilhas, nada funciona com dois polos apenas, até mesmo os bebés sabem que por vezes têm de deixar de chorar e de ceder aos caprichos dos pais.

Eu entendo como um insulto à natureza humana chamá-la de simples quando na verdade ela não é, e quando quanto mais complicada mais o homem gosta. Senão vejamos, aplaudimos mais os discursos que não entendemos. “Oh, ele falou tão bem e tão bonito… mas não entendi nada”. Gostamos mais de poemas complicados e com vocábulos que não conhecemos, despendemos tempo a observar e a elogiar um quadro que não nos diz nada, simplesmente porque desconfiamos que haja sempre uma montanha de significados obscuros ou simples quaisquer escondidos atrás dessas coisas que não entendemos, e temos o receio de dizer gritar simplesmente: o rei vai nu! Pois! Vai! Mas e não estiver nu? Se todos o vêm vestido quem somos nós para dizermos que vai nu? Eu vejo-o nu, mas será essa a verdade? Pois! Não se sabe, porque na verdade… na verdade a verdade é verdadeiramente variável, tanto pode ser como não ser sem deixar de ser verdadeira. Eu explico: pense-se nos conceitos da lógica aristotélica e na álgebra booleana dentro da tigela da teoria da relatividade. A observação depende do ponto de vista do observador e o simples facto de haver um observador altera o resultado da observação. Não sei quem disse isso, mas acredito nele. Sendo assim, pode-se dizer que existe o Ser, o Não-ser, o Ser-que-não-é e o Não-ser-que-é, sendo que o Ser-que-é é o Ser, e o Não-ser-que-não-é é, neste caso, em vez de Ser, um reforço à negação do Não-ser. Mas o Ser para um pode, ao mesmo tempo, ser o Não-Ser para outro, como sabiamente se diz: a boa-vida do carrapato é a dor do cão.

Pode-se ver nas últimas frases como é tão complicadamente simples a humanidade. Ou por outras palavras, a humanidade não é simples, nós é que a queremos simples e o less is more, dito por não sei quem [agora sei que é uma frase de Van Der Rohe], é uma ilusão, nós desejamos mais, mais e mais, e cada vez mais complicado, porque a simplicidade é aborrecida. Mas, quando não nos sentimos capazes, queremos tudo simples, pelo menos para nós, os outros que o tenham complicado.

Dizemos que a humanidade é simples, porque preferimos crer que assim seja, acreditando que a fé move montanha. E, se calhar, sim, a fé move montanha… montanha de treta. É uma metáfora, eu sei, não era para ser levada à letra, mas eu diria, os braços movem montanha, a fé só incentiva os braços a moverem, quando o chicote não o faz (o caso do imperador romano que mandou cortar uma montanha que lhe tapava a vista, ou os egípcios que erigiram as montanhas-esfinges). A fé, não importa de que tipo, é um grande motivador e um item muito importante para fazer as coisas acontecer. Que seria de nós sem a fé? Sem a fé e sem a esperança? Até nem sei dizer qual das duas é mais importante ou mais útil, visto que uma gera a outra. 





4 de maio de 2019

DIÁRIO DE UM ETNÓLOGO GUINEENSE NA EUROPA

04 de maio – introdução

 

O meu interesse pela Europa, bem, herdei-o de um tio meu. Não era mesmo meu tio, mas um homem-grande lá da tabanca que toda a gente chamava de tio. O tio Paulo Bano Badjanca tinha vindo a Europa uma vez e tinha visto tugas. Ele contou que os tugas eram muito coitados, estavam sempre a correr de um lado para outro, com a cara fechada e muito infeliz, e alguns deles não tinham nem mesmo onde morar, nem roupas, andavam com trusses e calcinhas e deitavam-se na areia, perto do mar. O tio Paulo tinha sentido muita pena deles, pois parecia que já tinham desistido de viver e só estavam à espera que o mar subisse e os levasse, coitados!

Essa impressão do tio Paulo despertou em mim um sentimento intenso e eu decidi que quando fosse grande iria até Europa para ajudar a sua gente a ser menos pobre e mais feliz. 

Então comecei a estudar sobre os tugas e sobre a Europa para os entender melhor. Primeiro falei, na Guiné, com aqueles que tinham conhecido brancos ou a Europa, para ter uma base, depois passei a ler livros sobre a Europa. Isso confirmou que a ideia do tio Paulo Bano de que eles eram mesmo infelizes estava certa. Eu li livros enormes, mas eram só sobre guerras e guerras; guerras tão grandes que eles as chamavam de mundiais, guerra de cem anos, guerra fria, guerra de golfe (ou de golpe, ou de golfo, já nem me lembro), guerra de… Bolas!, era tudo sobre guerra! Guerras e problemas, dinheiro, dinheiro, dinheiro, guerras, guerras, guerras, problemas, problemas, problemas…

Não entendia como é que os tugas conseguiam viver na Europa e por que gostavam tanto de escrever sobre problemas. Eu pensava que eles também deviam ter coisas boas, como a música, por exemplo… mas disseram-me que os brancos não sabem dançar, e isso eu não entendia muito bem, visto que também eu li que eles tinham pimba, valsa, passo doble, gavotte, mazurka, dança da roda, branle, quadrilha… entre outros nomes difíceis. Eu sempre achei a cultura da Europa muito interessante e tão exótica, e acho tão engraçado os tugas terem todos esses tipos de danças e não saberem dançar.

Voltando ao assunto, depois da pesquisa, decidi vir à Europa conhecer os tugas. Queria mesmo vir também tirar-lhes a medida dos pés, das mãos, da cabeça, do pénis… ah, dizem que eles têm pénis muito pequeno. Talvez seja por isso que não têm muitos filhos e não gostam nada dos pretos. Também sei que as mulheres tugas gostam muito de sexo, um colega meu, etnólogo guineense, WJ, que estudou também os tugas, falou disso no seu trabalho “Nha Carta”, numa frase dirigida à sua namorada que ficou na Guiné-Bissau: “si kontra bu fixi, nha fofa, fixi mas tem li; si kontra bu bagri, nha fofa, bagri mas tem; si bu bom na kama, brankus, kilas e ta fasi nam filmi”.

Bom talvez tenha de falar agora de uma questão confusa aqui, pois ao que parece tugas não significa brancos, mas portugueses. Aconselharam-me, portanto, a usar o termo de maneira menos preguiçosa e mais exata, e para não confundir os tugas com os europeus, porque nem todos os europeus são tugas. Mas se essas mesmas pessoas falam de africanos como um grupo único, e falam da cultura africana como se fosse única, e falam de gente preta como sendo automaticamente africana, então, não entendo, por que razão não posso chamar a tugas de brancos, ou a brancos de tuga, ou de europeus.

Eu vim à Europa para estudar a etnia tuga e é isso que vou fazer, e é sobre isso que vou continuar a escrever.