20 de maio de 2019
PENSAMENTOS INEXACTOS - CAP. XII
4 de maio de 2019
DIÁRIO DE UM ETNÓLOGO GUINEENSE NA EUROPA
04 de maio – introdução
O meu interesse pela Europa, bem,
herdei-o de um tio meu. Não era mesmo meu tio, mas um homem-grande lá da
tabanca que toda a gente chamava de tio. O tio Paulo Bano Badjanca tinha vindo
a Europa uma vez e tinha visto tugas. Ele contou que os tugas eram muito
coitados, estavam sempre a correr de um lado para outro, com a cara fechada e
muito infeliz, e alguns deles não tinham nem mesmo onde morar, nem roupas,
andavam com trusses e calcinhas e deitavam-se na areia, perto do mar. O tio
Paulo tinha sentido muita pena deles, pois parecia que já tinham desistido de
viver e só estavam à espera que o mar subisse e os levasse, coitados!
Essa impressão do tio Paulo despertou em
mim um sentimento intenso e eu decidi que quando fosse grande iria até Europa
para ajudar a sua gente a ser menos pobre e mais feliz.
Então comecei a estudar sobre os tugas e
sobre a Europa para os entender melhor. Primeiro falei, na Guiné, com aqueles
que tinham conhecido brancos ou a Europa, para ter uma base, depois passei a
ler livros sobre a Europa. Isso confirmou que a ideia do tio Paulo Bano de que
eles eram mesmo infelizes estava certa. Eu li livros enormes, mas eram só sobre
guerras e guerras; guerras tão grandes que eles as chamavam de mundiais, guerra
de cem anos, guerra fria, guerra de golfe (ou de golpe, ou de golfo, já nem me
lembro), guerra de… Bolas!, era tudo sobre guerra! Guerras e problemas,
dinheiro, dinheiro, dinheiro, guerras, guerras, guerras, problemas,
problemas, problemas…
Não entendia como é que os tugas
conseguiam viver na Europa e por que gostavam tanto de escrever sobre
problemas. Eu pensava que eles também deviam ter coisas boas, como a música,
por exemplo… mas disseram-me que os brancos não sabem dançar, e isso eu não
entendia muito bem, visto que também eu li que eles tinham pimba, valsa, passo
doble, gavotte, mazurka, dança da roda, branle, quadrilha… entre outros nomes
difíceis. Eu sempre achei a cultura da Europa muito interessante e tão exótica,
e acho tão engraçado os tugas terem todos esses tipos de danças e não
saberem dançar.
Voltando ao assunto, depois da pesquisa,
decidi vir à Europa conhecer os tugas. Queria mesmo vir também tirar-lhes a
medida dos pés, das mãos, da cabeça, do pénis… ah, dizem que eles têm pénis
muito pequeno. Talvez seja por isso que não têm muitos filhos e não gostam nada
dos pretos. Também sei que as mulheres tugas gostam muito de sexo, um colega
meu, etnólogo guineense, WJ, que estudou também os tugas, falou disso no seu
trabalho “Nha Carta”, numa frase dirigida à sua namorada que ficou na
Guiné-Bissau: “si kontra bu fixi, nha fofa, fixi mas tem li; si kontra bu
bagri, nha fofa, bagri mas tem; si bu bom na kama, brankus, kilas e ta fasi
nam filmi”.
Bom talvez tenha de falar agora de uma
questão confusa aqui, pois ao que parece tugas não significa brancos, mas
portugueses. Aconselharam-me, portanto, a usar o termo de maneira menos
preguiçosa e mais exata, e para não confundir os tugas com os europeus, porque
nem todos os europeus são tugas. Mas se essas mesmas pessoas falam de africanos
como um grupo único, e falam da cultura africana como se fosse única, e falam
de gente preta como sendo automaticamente africana, então, não entendo, por que
razão não posso chamar a tugas de brancos, ou a brancos de tuga, ou
de europeus.
Eu vim à Europa para estudar a etnia
tuga e é isso que vou fazer, e é sobre isso que vou continuar a escrever.