22 de setembro de 2012

JUVENTUDE PERDIDA - A SUBMISSÃO DOENTIA E OS NOVOS DEUSES


Como referi no primeiro artigo com o mesmo título, estas reflexões começaram por causa de um único incidente. Já falei da histeria colectiva, agora vou falar sobre a submissão doentia e os novos deuses, a nova religião mundial.



A SUBMISSÃO DOENTIA E OS NOVOS DEUSES

Sempre houve o culto de personalidade, desde os sumérios que cantavam Gilgamés, aos egípcios cujos faraós se manifestavam como descendentes ou incarnação de deuses, o que levou os primeiros legisladores israelitas a atribuírem a Javé o mandamento: não faças para ti imagem de nada que existe sobre a terra e os céus, ou acima ou abaixo, pois sou Javé, e sou o único. 

Sim, foram sábios e equilibrados esses legisladores, porém tiveram o seu Sansão, o seu David e alguns outros poderosos, mas como os mandamentos proibiram claramente a adoração das pessoas, então para contornar, começaram a chamar-lhes de “ungidos” e a dirigir-lhes uma adoração velada. Os romanos imitaram os egípcios, os césares diziam-se deuses ou incarnações, e quando os católicos chegaram também, não ficaram atrás e com os seus papas e bispos substituíram as divindades antigas, começando a nomear santos atrás de santos e a deidificar os papas atribuindo-lhes a "tríplice coroa" que lhes permitia mandar na terra e no céu e até mesmo corrigir e castigar os anjos se esses alguma vez errassem. Aliás, mesmo a estória de Cristo teve os seus momentos de contradição, vezes há em que ele evitava adoração pessoal, outras em que a enaltecia. Tudo isto para dizer que o culto da personalidade é tão antigo quanto a história do homem. No entanto aqui quero falar são dos hodiernos flautistas mágicos, ou melhor, dos ratos que os seguem.

É doentia a forma como se cultua hoje as pessoas e o facto de que ser célebre não significa fazer nada de significante, mas apenas ter um vídeo visto 1.000.000 de vezes no youtube, ou ter 10.000 amigos no facebook, ou 1000 seguidores no twitter, mesmo que tudo o que faças é postar sobre as cinco melhores maneiras de peidar num elevador lotado. O padrão da exigência tem baixado muito e baixa mais a cada dia que passa. Criamos deuses a toda hora e perdemos a identidade por eles, e não estou a falar apenas daqueles que se vestem como o Marilyn Manson ou outro qualquer, mas também de muitos ditos intelectuais que não fazem nada senão repetir pensamentos dos seus ídolos, revelando um vazio de personalidade tal e qual os imitadores antes referidos.

As pessoas são cultuadas como se fossem deuses, e quando famosas são citadas como se fossem donos da verdade, sem uma análise crítica; por exemplo, nada que o Álvaro Ribeiro diga, por mais sentido que faça, tem o mesmo valor que as palavras de Johnny Depp, porque… mas quem raio é o Álvaro?... Aliás, note-se que mesmo eu escrevi o Álvaro precedido do artigo “o” e Johnny Depp sem artigo. Porém se todos sabem quem é o último, poucos sabem que o primeiro é um filósofo, com supostamente mais exercício de pensamento crítico e analítico na bagagem.

E mais, hoje, com a Internet, acontece atribuir-se frases a pessoas que nunca as disseram, ou inventar novos autores para citações antigas; o exemplo mais imediato que tenho agora é o tal: com grandes poderes vem grandes responsabilidades, que teria sido dito por Tio Ben, pelo lápis de Stan Lee, mas que na verdade pertence a… Ou então essa: o melhor é conhecer as pessoas certas do que certas pessoas, atribuídas a Bob Marley, o que não me parece ser verdade, visto que esta frase não funcionaria em inglês (até onde sei, convém ressalvar). Estas são umas das muitas frases constantemente citadas no novo antro da filosofia e lições de vida: o facebook (mas isso fica para para outra altura).

Quando há gentes a dormir durante dois dias ou mais na rua apenas para guardarem a fila para comprar o bilhete de um concerto qualquer ou de uma estreia de um filme qualquer, ou de um telemóvel novo, percebe-se quão minada se encontra a nossa sociedade. E o pior mesmo são os que o fazem pela estreia de um filme, considerando que este fica semanas no cinema, e os telemóveis muito mais tempo nas lojas, e o concerto acontece supostamente uma vez. No entanto, ainda pior são os groupies que vão a todos os concertos e sacrificam-se para adquirir os bilhetes. Porém o maior no entanto vai para os fãs de personagens fictícias que são capazes de fazer tudo por eles.

No entanto, como o gatilho deste artigo foi o jovem, já antes aqui referido, que abriu a boca para receber o líquido que o seu ídolo cuspia, quero voltar a falar dessa relação fã-ídolo. 


Já várias vezes vimos milhões de pessoas a acenderem velas para orar pelo seu ídolo (recorrem a um deus para salvar outro deus), o caso lisboeta mais recente foi o de Angélico. Imagino que muitos daqueles que estavam na rua podiam ter familiares doentes que negligenciaram para andar a velar por ele. E por que era ele muito importante? Para a sua família e amigos (atrasados pêsames) eu sei que ele realmente era, pois conheciam-no e lidavam com ele, mas para os tanto idiotas que estavam na rua a velar será que realmente eram das más músicas dele que gostavam ou era apenas porque tinham de gostar de uma cara bonita que os publicitários venderam e de outras pessoas gostam? Quero com isso dizer que muitos fãs são fãs e veneram outro porque esse é venerado e não porque conhecem mesmo a pessoa. É praticamente uma religião, tal e qual muitos católicos que têm dez bíblias numa prateleira e nunca abriram uma (eu sei como é, tenho seis irmãos que estavam sempre na igreja, mas eu era o único que lia a bíblia)... ou seja são católicos porque outros são, e não propriamente porque se sentem tocados pela doutrina (mas esse é um outro tema do qual vou falar mais tarde personalizadamente).

E a submissão aos novos deuses estende-se a vários patamares, por exemplo, atitudes imorais que não toleraríamos aos outros são permitido aos famosos, porque... oras, porque eles não são como nós. Por exemplo, Michael Jackson não era pedófilo, só queriam denegrir a sua imagem... Hm, mas se fomos pacientes no caso Michael para esperarmos por um julgamento, nos casos corriqueiros estamos de tocha em punho prontos para linchar; ainda falando do Michael, ele não era racista, e só virou branco e teve só filhos brancos porque tinha uma doença de pele, e não porque tinha vergonha da sua cor... Não, procuramos desculpas porque ele é famoso. Gosto muito das músicas da Amy Winehouse (ela vai ganhar um post aqui), mas isso não faz com que a sua conduta auto-destruidora não seja um problema, todavia, separo a sua arte da sua vida pessoal.

Estamos tão ocupados a celebrar ídolos que não olhamos para as pessoas ao nosso lado, e na maior parte das vezes, somos fãs porque invejamos os ídolos e queríamos estar na pele deles, assim como também os denegrimos pelas mesmas razões. E para seres jovem de verdade, tens de ter um poster no quarto de um ídolo qualquer e orar por ele e desejar ser ele, mesmo, repito, mesmo que não possua nenhuma obra de mérito.

Não parece muito grave quando dizem: oh, é a juventude, é a altura ideal para cometer os erros e fazer estupidezes deste género; pois sim, é a juventude, significando que os jovens são uns imberbes e irresponsáveis e que ser jovem é fazer asneiras e ser asno, sem que disso possa vir recriminações, ou seja, são uns seres a quem se desculpa a ausência do cérebro. O problema é que como todos queremos manter o espírito jovem, perpetuamos essa acefalomania até à velhice e nunca deixamos de ser idiotas. Até parece que nunca ouviram falar que: de pequenino se torce o pepino. Distraídos a cultuar humanos nem damos conta como nos perdemos e a repetir os mesmos erros que os nossos antepassados fizeram desde tempos remotos. Será que ninguém percebe a relação entre fã e fanatismo? 
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