THEN,on CAIM E ABEL:
NOW:
Samael no entanto era contrário à ideia; havia rumores de que tinha sido ele que engravidara Eva e era por isso mesmo que Azrael queria o filho de Eva morto. Azrael era a favor da pureza racial e não queria que misturássemos as espécies, principalmente fora do laboratório, onde o nosso controlo era ultralimitado.
|
um sábado qualquer - carlos ruas |
Os humanos e todos os animais terrestres tinham sido criados a partir do caldo orgânico que incubamos durante séculos no núcleo Terra, misturado com o ADN de Eloim em pessoa (ele era o dono do projecto, por isso não houve objecção), e a cada geração houve remisturas, para conseguir a espécie perfeita. Passaram milhões de anos até chegarmos ao homem; milhões de anos na cronologia do núcleo, considerando as voltas que dá em redor ao seu sol, mas para nós, de uma linha temporal diferente, só decorreram seis dias, Adão e Lilith foram feitos no sexto dia – o projecto não se chamava ainda Lilith, mas sim Adama. Porém o projecto Adama foi suspenso, porque tinha maiores quantidades de ADN da nossa espécie do que da espécie que antecedeu a Adão; ou seja, era muito mais perfeita que Adão, muito mais ainda do que Eva viria a ser, e tinha bastante das nossas características e potenciais. Deus preferiu deixá-la em criogenia e fazer Eva para acompanhar a Adão.
Ou seja, os humanos tinham muito das nossas características, mas uma coisa é seleccionarmos no laboratório as capacidades genéticas para lhes atribuir e outra é deixar o acaso fazer isso através da reprodução natural. Por que Samael tinha dormido com Eva ninguém inquiriu, éramos livres no Inferno o suficiente para cada um tomar a sua decisão, desde que isso não prejudicasse o colectivo. No entanto, para Azrael era bestialidade, e por isso era totalmente contra, embora por respeito nunca tivesse chegado a mencioná-lo a Samael. Os nossos arquivos dizem que havia muito prazer nas relações sexuais, que se libertava uma enorme quantidade de dopamina para o cérebro, mas quando os nossos cientistas sintetizaram dopamina com maior intensidade e duração do efeito, que podia ser aplicado por outras vias sem a necessidade do vigor físico característico do sexo, o sexo foi pouco a pouco perdendo o interesse. E quando começamos a mesclar os géneros, ficando mais andróginos (oh! por Deus!, amo os gregos!), o sexo ficou ainda mais desnecessário. Por isso não posso dizer que tenha sido apenas a necessidade do prazer sexual que fez com que Samael se metamorfoseasse em Adão mais vezes para enganar a Eva.
Sim, meus amigos, a primeira vez de Eva no Paraíso não tinha sido com Adão, fazia parte do nosso plano para que houvesse expulsão. Queríamos a expulsão para que houvesse equilíbrio de novo no Paraíso, pelo menos para os nossos irmãos, alguns que se juntaram a nós queriam-no por inveja ao sucesso de Eloim, outros por vingança à sua ineptidão diante dos abusos de Adão; eu, pelo menos, queria-o porque acreditava que Adão poderia vir a ser melhor do que nós. Eu desenhei os projectos todos, sabia da sua potencialidade, acreditava que podíamos criar um ser infinitamente superior a nós, porém Eloim não estava disposto a ir por aí, acagaçado, dizendo ser anti-ético, e que o Conselho Supremo podia tirar-lhe a licença. Eloim amava a sua criação, amava-o e ama-o mais do que tudo, mas amava a sua posição no Concelho e a promoção que tinha acabado de receber era um sinal de que podia vir ser melhor posicionado.
Eu estava a marimbar-me para a Ética, não via razão para que uma criação tão maravilhosa e com pernas para andar por si fosse limitada por fios que titereiros puxariam como se não fossem mais do que brinquedos, foi por isso que mexi na fruta. Para Eloim, as frutas da Árvore Morta eram simples objectos para testar a obediência de Adão, (pelo menos assim julgava eu) não chegou a saber que as tínhamos sabotado, inserindo nelas um composto que reagisse com o ADN de Adão, libertando capacidades adormecidas, despertando mais neurónios, e quebrando o bloqueio evolucionista que Ele tinha instalado. Só que eu não contava que Deus também tinha trapaceado e mudado o código de bloqueio, razão porque não consegui muita melhoria. Todavia, poucos dos que foram comigo para o inferno sabiam dessa parte do meu plano.
Entretanto, voltando para trás, Samael era contra a ideia de deixar morrer Eva, porque, embora não o confessasse, ele amava a Eva; todavia, fazia todo o sentido o que Azrael defendia, Lilith combinado com Adão podia levar a humanidade a patamares mais elevados do que Eva e o acaso (Lilith e Eva seriam a melhor combinação, mas infelizmente por serem do mesmo género não havia hipóteses de reprodução. Adão era muito inferior às duas, mas tinha ego de uma criança. muito grande, mas frágil, e como era muito querido por Eloim, tínhamos sempre de lhe dizer que era superior à Eva). Azrael também não sabia do meu plano de fazer da humanidade uma espécie superior à nossa, ele pensava que a sua evolução podia ser controlada, e desenhava bloqueios constantemente, porém eu adulterava esses seus bloqueios. Já bastava os bloqueios de Eloim, os quais não conseguíamos ainda quebrar, receava que a combinação desses com os do Azrael, pudesse vir a criar uma involução tornando os humanos mais estúpidos e selvagens, o que seria um perigo visto que lhes desbloqueámos a capacidade cerebral. Porém, eu era contra começarmos a matar a criação por mera eugenia, preferia deixar que eles se adaptasse e se tornassem mais complexos por si mesmos, assim, a eugenia far-se-ia naturalmente conseguindo sobreviver apenas os capazes e melhor adaptados. Para Samael isso também não tinha sentido, porque preferia capacitar todos os humanos, para evitar que tivessem que concorrer para a sobrevivência, pelo menos até descobrirmos a Pedra Filosofal. À Pedra Filosofal chamávamos o código para hackear o pior bloqueio de Eloim, a finitude da vida humana. Na verdade a fruta da Árvore Morta estava projectada para bloquear a renovação celular depois de algum tempo, mas Deus não me tinha informado disso, de modo que eu pensei que tinha ali apenas uma fruta normal. Já nem sabíamos o que tínhamos feito aos humanos jogando assim com eles.
Devíamos, no entanto, tomar uma decisão, deixar morrer Eva ou ajudá-la a dar à luz. E não havia muito tempo, porque para poupar a energia que precisávamos para o laboratório, desligáramos a suspensão do tempo, e ele decorria da mesma maneira para nós e para os humanos. Não podíamos dar-nos ao luxo de mantê-lo a funcionar como no Céu se faz, porque o Céu fora projectado tendo isso em conta, mas o Inferno foi uma alternativa que criamos quando decidimos abandonar o Céu, e não temos aqui tantos recursos assim. No entanto, não julguem que por o tempo passar mais lento no Céu, eles conseguem saber das coisas antes de nós. Não, isso não acontece, apesar de toda a rapidez com que vivemos aqui, eles sabem das coisas exactamente no momento em que acontece, não é como se viajassem no tempo. Entretanto, por não podermos ligar a suspensão temporal para reunir a Assembleia Infernal, e porque não nos restava muito tempo, tínhamos que decidir entre nós o que fazer e assumir as responsabilidades depois perante o conselho. Tínhamos de votar entre salvar ou deixar Eva morrer.
Não vou fingir suspense, porque certamente vocês já terão lido a Bíblia na altura em que vou libertar este diário, e sabem que Eva vive. Azrael foi escolhido para ajudar a Eva, embora não confiássemos nele, mas como Samael estava numa experiência que lhe obrigava a usar um dispositivo que lhe impedia de jauntar, ou seja, de teletransportar-se, e eu não podia ir, receando deixar os laboratórios sem supervisão, não restou outra alternativa. No entanto, esperávamos que ele tomasse a decisão certa e agisse em função do colectivo, e não fosse dar apenas numa de Anjo de Morte e substituir Eva por Lilith, visto serem as duas parecidas.
Ali na Terra. As contracções de Eva aumentavam cada vez mais e os gritos dela aumentavam proporcionalmente. Quanto a Adão, bem ele estava alo, estirado no chão, junto à porta, desmaiado. O choque ultrapassara os seus nervos, mas Eva aguentava firmemente, quer dizer, tão firme quanto as suas pernas permitiam, estava em pânico, e não sabia se devia ficar sentada, de pé ou deitada, porém a certa altura, já não tinha dúvida, intrigava-lhe que aquela coisa fosse sair por um orifício tão pequeno, mas sabia que ia sair por ele, tudo indicava a isso. As suas pernas estavam bambas, o que a fez ficar de joelhos. Olhou para onde o covarde de Adão tinha caído, mas não o encontrou, ficou intrigada, mas não era a altura para dar atenção a Adão, ou melhor, não parecia ser, porque:
- Aaaaaddãooo!, seu filho da puta! Nunca mais vais meter essa coisa em mim!... Aaaadaaaãooo, grande corno…
Bem, considerando a pudicícia daqueles para quem escrevo estas memórias não vou reproduzir as falas de Eva que seriam capazes de fazer corar a uma profissional de um bordel.
De repente Adão entrou pela porta, muito determinado e aproximou-se de Eva, sussurrando: calma, querida!, calma querida!, foi segurar-lhe a mão e com técnicas precisas de respiração e relaxamento, ajudou-lhe a dar à luz à coisa. No mesmo instante em que Eva pôs os olhos sobre a coisa, algumas amaras do seu coração desmancharam-se, ela sentiu-se como uma borboleta a metamorfosear-se, sentiu que não era apenas a coisa que tinha nascido, mas ela também tinha. Aquele espaço no coração que parecia todo preenchido por Adão, de repente alargou-se de uma maneira extraordinária, e ela percebeu que ele era apenas um ponto nesse espaço, que a coisa quase o ocupava todo. Nunca julgou que tinha tanto lugar na sua alma para tanta gente. Adão lhe pôs a coisa no braço, ela resolveu que aquilo era seu filho, e que, realmente, agora eram mesmo deuses, porque conseguiram gerar uma criatura viva. Eva deitou o filho sobre o seu peito, enquanto Adão lhe sorria e lhe acariciava a cabeleireira.
- Não é lindo?, perguntou ela.
Adão não falou, apenas sorriu, concordando com a cabeça. Então, junto à cama, debaixo de uns lençóis tirou uma seringa, sob o olhar estranho da Eva, e picou Eva antes que ela pudesse reagir, pelo que tudo o que ela pôde fazer foi: O que é isso, querido?, para logo a seguir adormecer.