28 de fevereiro de 2011

SANTUÁRIO, 2011 (Sanctum)

Não vou lamentar os euros, porque se fui ver Sanctum ao cinema não o fiz esperando maravilhas cinematográficas que não fossem simplesmente técnicas. 


Sim, fui pelo tratamento estereoscópico, afinal tinha James Cameron como produtor, e… que estereoscopia. Sanctum tem uma profundidade que eu nunca tinha visto, e isso em algumas cenas também revelou-se um problema, parecendo dizer que o realizador, o editor ou o chefe de efeitos especiais tinha de voltar para escola para estudar a geometria descritiva, porque como mexem muito com a perspectiva, perdem-se nela, os objectos ora ficando mais perto, ora mais longe, ora mais pequenos ora maiores. E tem uma cena em que o protagonista parecia medir uns quatro metros, apresentando uma deformidade proporcional que causaria um ataque de coração a Vitruvius.


trailer

Tirando isso, a beleza técnica, Sanctum é uma porcaria, parece que o realizador era um grande fã de Sylvester Stallone, resolvendo por isso apanhar Assalto Infernal (Cliffhanger), Pânico no Túnel (Daylight) e um pedaço de O Lutador (Over The Top), meter numa batedeira, acrescentado um pouco de gelatina para dar um consistência sólida e tridimensional, e usar James Cameron como vaselina para escorregar melhor e empurrar-nos essa merda toda para dentro.

Lembro-me que o filme quis criar alguns momentos de piada, falharam todos, ou deve ter-se salvado um ou outro, pois posso jurar que ouvi alguns risos na sessão, porém creio que foram daquelas pessoas que temem parecer estúpidas por não reconhecerem uma piada inteligente. A sério, que piada tem dizer: a tua bunda é tão apertada que quando peidas só um cão ouve!, principalmente sem um contexto que o justifique; Ou: “isso é mais estreito que a cona de uma freira”, este pelo menos tinha contexto.

Não me senti assustado em nenhum momento do filme, nem sequer preocupado, O Abismo (The Abyss) é cem vezes melhor, e talvez um remake dele valesse mais a pena do que este empanturrado de clichés que é Sanctum. Queriam então homenagear a JC (James Cameron, não Jesus Cristo)?

E tem elementos que apenas nos leva a questionar: para que essa merda serviu? Por exemplo, um Xamã que andaram a mostrar para depois não usarem. Tchekov, o contista russo, disse: num conto, se aparecer uma espingarda, este tem de disparar antes do fim (ou algo como isso). Tradução: elementos desnecessários só diluem o essencial. Também devo dizer que tem cenas que realmente incomodam, como por exemplo uma luta submersa para o escafandro; outra? hum, não me lembro, talvez a última cena entre o pai e o filho, se não fosse previsível.

O ponto positivo de Sanctum é um bocado de suspense que consegue criar, pois, quem como eu, não sabia do que estava à espera, julga que a qualquer momento iria aparecer uma criatura qualquer (afinal não foi o pai d’O Abismo que produziu o filme?).

Sanctum queria ser uma história de sobrevivência, sei lá, um Cubo (alguém se lembra de Vincenzo Natali?), tendo as pessoas como o próprio perigo, mas é fraco demais para isso, e resolve ser uma consulta psiquiátrica de complexo de édipo, fechando com a seguinte lição: filhos, não importa a idade que tenham, escutem os pais, que eles sabem o que é melhor para vocês! Ganda merda, copiando Rick Gervais, digo: o filme tem mais dimensões que os personagens.

Sanctum não tem ponto nenhum, não quer mostrar nada (ou quer?), apenas distrair durante 100 minutos, e consegue, pois apesar de tudo ficamos à espera que alguma coisa aconteça e a sensação é bem boa quando os créditos finais aparecem, pois finalmente acaba a suspense. Não obstante, acho que há quem consiga divertir-se com Sanctum. O meu conselho: não comprem o DVD quando for lançado, pois o filme só vale mesmo pelo 3D.

27 de fevereiro de 2011

DEFENDOR, 2009 (Defendor)

Começando do fim, Defendor não é dos filmes: oh!, ganda filme!, mas dos: ohhhhh!, e não o ohhhhh! de desilusão, mas aquele de comoção, positiva, perceba-se.

Saiu Kick-Ass, saiu Defendor, por ambos terem “super”-heróis sem poder, não se pôde evitar comparações entre os dois, aliás, dizem que este segue a linha do primeiro; mas para mim, não há conclusão mais errónea, na medida em que Defendor e Kick-Ass são totalmente diferentes, além de que Defendor só demorou foi em chegar aos cinemas.

Kick-ass é uma comédia de acção, e Defendor é um drama cómico, e é esse o seu ponto fraco, pois não se decide nem por um nem por outro, o seu aspecto sombrio e meliante pediam que fosse mais drama, entretanto a peculiaridade do protagonista é por si cómico. Todavia, não é certo dizer que Defendor baseou-se no Kick-Ass tomando dele o herói sem poder e sem desenvolvidas capacidades físicas, porque já havia heróis assim muito antes no cinema (alguém se lembra de Blankman – e Other Guy –, embora este tivesse mais geringonças que Dados d’Os Goonies, ou de Zebraman?).

Largando isso e ficando no filme. Defendor é um super-herói caseiro, (não do tipo homem-aranha que costura o próprio uniforme, porém parecendo mais confeccionado por profissionais), que nem um uniforme colorido consegue arranjar, tendo mesmo que desenhar o seu símbolo, no peito, com fita-cola, e uma pintura na cara que lhe dá mais o aspecto do lémur de Madagáscar (no entanto, apresenta um bom look, remetendo ao Flash Jay Garrick em luto), e as suas armas são vespas, berlindes, e uma maça. Esse é o lado cómico, porque, na verdade, o filme é um hino à inocência, ou à ingenuidade (eu sei lá), uma apologia à honestidade e à certeza de fazer o bem, acreditando que uma pessoa pode mudar o mundo, se tiver a verdade e a justiça do seu lado. Eu bem gostava de acreditar nisso.


trailer


Se Defendor fosse representado no tempo dos gregos, seria uma espécie de tragicomédia; é Sansão e Dalila, sendo Sansão aqui careca, mas sem noção disso, e Dalila, apesar de prostituta não é bem traiçoeira. Um filme sobre a amizade, sobre os limites (só existem quando os aceitamos – consideração um tanto ingénua, em todo o caso), e sobre nós mesmo que não lutamos contra (contra o quê? não sei, a cada um o seu problema).

Um dos pontos fortes do filme acontece através de um locutor de rádio que recebe chamadas de ouvintes, através dele ouvimos como as pessoas se escondem dos problemas, ou arranjam bodes expiatórios para os existentes, ou do perigo que o sarcasmo tem para as pessoas quadradas. Vou citar o caso de um ouvinte que liga a reclamar que o locutor fica a falar sempre de armas, e que se ele não falasse tanto disso esse problema não iria existir. Esse é um dos problemas da nossa sociedade, julgam tapar o céu com a mão e não percebem que na verdade só tapam os próprios olhos.

Não sei se uma atitude a Defendor seria o ideal para curar os problemas da nossa sociedade, e não estou a falar de ataques físicos aos problemas, mas do acreditar da inocência e da honestidade, porque como diz uma linha do filme, embora como um ensinamento negativo: da próxima vez que entrar numa briga, leva uma arma!, pois a nossa sociedade não joga limpo e ser Defendor é entrar nu num ninho de vespas. De qualquer maneira, eu acredito em Defendor, embora também acredite que a maneira de lutar da maioria é levar flores ao cemitério para carpir quem tem a iniciativa.

Defendor é um bom filme, no seu primeiro minuto já nos fisga e estamos prontos para seguir a viagem, e o seu ponto mais é Woody Harrelson, a fazer o melhor papel que sabe fazer: o de desequilibrado (não que esteja a diminuir o homem, mas na verdade, em 90% dos filmes dele que vi é desequilibrado ou então incomum, e eu gosto dele). As situações, muitas vezes, apesar de caricatas, parecem genuínas. No entanto digo de novo, o mal do filme é não se decidir pela comédia ou pelo drama, levando-se a sério em determinadas alturas para se perder em burlesco noutros, mas mantendo-se sempre verosímil, apesar de certos lugares-comuns. 

22 de fevereiro de 2011

CRADLE OF FILTH - barulho organizado :)

Em 2008, andava à procura de músicas instrumentais quando ouvi uma intitulada Castlevania, e era tido como feita por Cradle of Filth. Só mais tarde, muito mais tarde, este ano, descobri que Castlevania não era uma música de Cradle of Filth, e, aliás, nem era mesmo Castllevania, mas Bloody Tears, de Naoto Shibata (que, de certeza, vai ganhar aqui um post), e que faz parte do videojogo Castlevania. Entretanto, gostara muito de Castlevania, por isso fora à procura de álbuns de Cradle of Filth.

Não sou fã de metal, e nem sei lidar com as suas imensas variações: heavy, trash, extreme, gothic, etc. Na minha classificação entram todos no domínio rock, reino hard, filo metal, e não vão além. E metal não é a minha primeira escolha musical ainda hoje, mas aprendi com os Cradle of Filth a apreciar o metal, pelo menos aqueles e que a música não é deliberadamente dissonante, revelando tons na maior parte das vezes cacofónicos, apreciados apenas por fãs extremos.

bloody tears

Metal não é apenas barulho, como pensava antes, e limpando aquela voz rouca da música (que para nós, comuns mortais, mais habituados a músicas normalmente cantadas, não é nada mais que animalismo sem piada) e concentrando-se apenas na execução instrumental, metal é boa música, e muito mais cuidada de que muitas músicas que usualmente ouvimos que não passam da mesma coisa repetida 48 vezes com uma variação que se repete 24 (isto é o hip-hop, outras ainda conseguem ser mais mínimas). O uso da percussão é o que também torna metal metal (julgo eu), apanha-se Eric Clapton ou Carlos Santana e adiciona-se-lhe kicks e drums sem fôlego, e tem-se metal (ok, não se trata apenas disso, mas é uma tentativa).

rise of the pentagram (thornography)


Voltando ao tema, Cradle of Filth fez-me começar a apreciar o metal, mais com Thornography (2006); o primeiro álbum que ouvi deles foi The Principle of Evil Made Flesh (1994), muito enérgico e pouco friendly para um neófito, no entanto deu-me vontade de ouvir mais, e foi assim que ouvi cinco álbuns, sendo The Midian (2000) o mais desconcertante deles, muito bem executado, mas que eu preferia que eles se limitassem a tocar e não cantassem (enfim, como na praticamente maior parte das músicas deles).

amor e morte (the midian)

Na última semana descobri que Cradle of Filth lançara um novo álbum no ano passado, e fui então ouvir, e para me actualizar e escrever isto, escutei três álbuns deles: The Principle... (1994), The Midian... (2000) e Darkly Darkly Venus Aversa (2010), este último muito enérgico, cheio daquela espécie de pressa de que as músicas metal parecem impregnadas, mas com muito ritmo e melodia mais afinada, pelo menos em relação a The Midian, que ouvi antes dele.

forgive me father (darkly darkly venus aversa)


Acertando as contas, não sei entre Darkly... e Thornography  qual prefiro mais, embora prefira o "ar" mais gótico do primeiro.

Como já tinha feito notar, metal não é dos meus géneros, mas eu gosto bastante de Cradle of Filth, embora não saiba identificá-lo rítmica e musicalmente, ou seja, se me puserem a tocar uma música metal qualquer e me disserem que são eles, vou acreditar. Mas, isso não interessa, Cradle of Filth faz boa música, e vale a pena ser ouvida, entretanto, se não fores fã mesmo, não comeces por The Midian.

bónus
of mist and midnight skies (the principle of evil made flesh)

2 de fevereiro de 2011

CAVALEIRO INEXISTENTE, O, Italo Calvino (1959) - nem só as sombras dançam


O Cavaleiro Inexistente de Italo Calvino, é um livro simples, tão simples que pode ser lido a uma criança como um belo conto. E, ao mesmo tempo O Cavaleiro Inexistente é um livro complexo que poderia ser discutido numa aula de filosofia. 


A narrativa fez-me lembrar em certos momento de Zadig, de Voltaire, devido ao aparente desinteresse com que se mostram traçados. E também me lembra aquele conto de Andersen, A Sombra.

O Cavaleiro Inexistente, fim da trilogia Os Nossos Antepassados (composta por O Visconde Cortado ao Meio – que ainda não li – e O Barão Trepador – também curioso), apresenta Carlos Magno numa das suas campanhas impráticas - o que percebemos posteriormente através de uma batalha com uma decorrência sem lugar e sem sentido -, rodeado de personagens tão reais como fantásticos, numa alegoria fabulosa e bem divertida, podendo situar-se entre a política, a religião, o dia-a-dia e o comum, e pode, de igual modo, abarcá-los a todos.

Carlos Magno não é o foco do livro, mas uns tantos personagens caricatos: um cavaleiro que não existe, mas que não estranha a ninguém, pois está ali e não precisa de existir para que o conheçam; um escudeiro que não sabe se existe, que julga que é tudo o que vê, menos ele próprio; uma mulher que não quer mais nenhum homem, apenas o cavaleiro que não existe, e que para isso entra em guerras sangrentas e batalha até melhor que muitos homens; um ingénuo que quer vingar a morte do pai e se apaixona pela nossa mulher perdida; e um sensato, o único que consegue contestar a (in)existência do cavaleiro… Ah, ainda temos uma freira aborrecida, que nos conta essa história, dizendo ser a sua penitência, e não uma vontade de alcançar a glória dos cronistas, incarnando assim também a pena de um escritor e as suas penas. Enfim, estas seis personagens conseguem resumir o absurdo das nossas buscas e da forma como temos confundido as nossas certezas.

Eu podia estabelecer várias comparações entre O Cavaleiro Inexistente e a nossa existência, mas não o faço, só recomendo o livro, com garantia de que é uma bela leitura, senão pela sua profundidade, pela sua simplicidade. Vou transcrever duas passagens:

[...]Assim, desde sempre, o jovem corre para a mulher: mas é bem o amor que ela lhe inspira? Ou não é antes o amor por ele próprio, a busca de uma certeza de existir que só a mulher lhe pode dar? Corre e enamora-se o jovem, duvidando de si mesmo, feliz e desesperado; para ele a mulher é esta presença incontestável, e só ela pode dar-lhe a prova desejada. Mas também a mulher está e não está ali: ei-la, assim como ele, ansiosa e insegura. Como é que o jovem não se apercebe disso? Que importa qual entre os dois é o mais forte ou o mais fraco? Estão à mesma altura. Mas o jovem não sabe porque não quer saber: o que ele deseja, avidamente, é a mulher que existe, a mulher indubitável. Ela ao contrário sabe mais coisas; ou menos; de qualquer forma sabe outras coisas.[...]

[...]Começa-se a escrever com todo o ânimo, mas chega a uma altura em que a pena não risca mais que uma gota poeirenta e não escorre nem uma de vida. E a vida está toda lá fora, para além da janela, longe de ti, e parece que nunca mais poderás refugiar-te na página que escreveste, abrir um outro mundo e lançar-te nele. Talvez seja melhor assim; talvez, quando escrevia com alegria, não fosse milagre nem graça, mas pecado, idolatria, soberba. Então, estou fora? Não, escrevendo não me tornei melhor, apenas dissipei um pouca, a ansiosa e inconsciente juventude. Que me valerão estas páginas descontentes? O livro, o voto, não valerão mais do que tu? Nunca disse que escrevendo se salva a alma. Escreve, escreve, e a tua alma já está perdida. [...]

Enfim, excedi-me, mas resumindo, o livro é um espectáculo literário e é atemporal... quem nunca o leu deve fazê-lo, que terá bem usado o seu tempo.