5 de março de 2016

AS LIÇÕES DE GUINEENSE (KRIOL) - INTRODUÇÃO


A primeira coisa a ter em conta quando se aprende uma língua através do seu código escrito é a ortografia. E para o que aqui pretendo, ensinar a falar kriol, ou guineense, a ortografia revela-se um problema, visto não haver ainda um sistema ortográfico guineense unificado e acordado. Praticamente todos escrevem kriol de forma diferente, uns utilizam para isso o sistema ortográfico português, outros, o sistema italiano, e outros um dos sistemas propostos recentemente por linguistas que trabalharam sobre kriol. 

Nos Boletins Culturais da Guiné-Bissau, muitas vezes os investigadores transcrevem a língua guineense e outras étnicas, utilizando o sistema português. Entretanto, os primeiros livros, que eu li, escritos em kriol foram traduções da bíblia e das missas, feitos por padres italianos para padres italianos, portanto é normal que tenham influenciado a escrita do guineense, como na proposta de 1987 (mais à frente). Eles utilizavam, por exemplo, a letra “c” para o som “tch” (igual ao inglês “ch”, do nome Chomsky) , assim nas palavras macu” ou “cabi, que alguns (a maioria, atrevo-me a dizer) escrevem matchu ou tchabi; ou a letra “j” para ser lido por “dj” (como se leria em Django), nas palavras bajuda” ou “canja”, para serem lidos “badjuda” ou “candja”. 

No entanto, Moema Parente Augel, observa que o primeiro livro (ficção, provavelmente) em kriol, ou pelo menos, bilingue, foi de Augusto Pereira, Lubu ku lebri ku mortu i utrus storya di Guiné-Bissau, em 1988, mas já em 1987 existia o Vokabulari Kriol Portuguîs, de Arturo Biasutti.

Para este meu manual ou tutorial ou guia ou lições (chamem como quiserem) de aprender guineense eu poderia usar o sistema utilizado por Teresa Montenegro, que é, ouso afirmar, a maior impulsionadora da escrita da língua kriol, ou o sistema utilizado por Luigi Scantamburlo que, conforme o próprio, se baseia na grafia adaptada pela Direcção Geral da Cultura em 1987, "Proposta de Uniformização da Escrita do Crioulo”, porém com algumas alterações devido à modernização do sistema fonológico guineense (e criando uma maior proximidade com o sistema ortográfico português, visto este ser a língua oficial da Guiné-Bissau e de certa forma, o pai do guineense), no entanto vou propor um outro sistema.

No meu curso de Licenciatura em Língua Portuguesa, tive uma cadeira chamada fonética e fonologia e o que aprendi nesse curso é que um alfabeto fonológico (permitam-me dizer), onde cada letra corresponde a um fonema, é o melhor e mais simples de utilizar, para evitar confusões como em português onde o fonema “s”, pode ser representado por, “s”, “c”, “ç”, “ss” e “x”, como em “sinto”, “cinto”, “caçula”, “assola” e “auxílio”, e a letra “s” pode representar, “s”, “z” e “ch” (não é propriamente "ch", mas anda perto) e "j", como em “saca”, “casa” e “cais” e "ismos". (Nunca prestei atenção nas aulas do Alfabeto Fonético Internacional, senão seria aqui de grande ajuda.)

Para evitar problemas deste tipo, vou adotar aqui um sistema mais fonológico, onde cada letra corresponde a um som apenas, no entanto, não será possível evitar combinações de letras para determinados fonemas. O sistema que proponho é diferente do de Scantamburlo (1999), mas baseado no dele, e por vezes regressivo ao sistema anterior de 1987, como no uso do “g”. Fica, no entanto, desde já o aviso que nenhum sistema escrito é perfeito, e embora eu queira evitar algumas dificuldades do sistema gráfico acima referido, tem outras que não conseguirei evitar. Por exemplo, vão sempre surgir palavras como “papa”, que tanto pode ser lido por “pappa”, como “papa” ou “papá”.

O mais sensato, eu sei, seria utilizar o sistema apresentado no livro de Scantamburlo, porém… como é apenas uma proposta de escrita ainda, não vejo problemas em apresentar uma outra proposta, e fico à espera ainda de outra ou de discutir esta com alguém, em busca de uma melhor, pelo menos até que se normalize a escrita.

retirado do Dicionário Do Guineense Volume II, de Luigi Scantamburlo




Para o sistema ortográfico, vou usar aqui o alfabeto de 26 letras utilizado também em português, no entanto, algumas das letras serão usadas apenas para casos de estrangeirismos. Posto isto, vou apresentar o código da pronúncia.

Onde fundamentalmente o sistema que vou utilizar aqui difere do sistema de 1999 é no uso de “gu” precedendo “e” ou “i”, de “x”, “ch”, “lh” e “tc”.

Para o “gue” ou “gui”, por exemplo, proponho usar apenas “ge” ou “gi”, com a mesma pronúncia, por causa de palavras como “aguenta” que se lê “agüenta", ou "guerla" (güerla) ou "nguiba" (ngüiba), iguixta" (egoísta), "linguixta" (lingüista), entre algumas.

Para os sons “ch”, proponho sempre que sejam representados por “x”. Seja o som de "chá", ou do "s" no no final da palavra, ou antes de um consoante que não seja outro "s", como em dados ou dispensa (palavras em português), ou do "z", como em feliz. Assim para diferenciar palavras como "testu" (recipiente para cerimónias religiosas), que se pronuncia com "s", e "textu" (texto), ou "skribi" e "ixkrivi", "totis" e "filix".

Para os sons “ks”, que Scantamburlo representa por “x”, como em “fixa”, proponho “fiksa”. Com exceções no entanto para estrangeirismos e universais como “taxi”.

Para o “lh”, embora haja diferenças de pronúncia entre “ilha” e “ília”, a proximidade é tanta que ambos os sons podem ser representados apenas por li, assim “pilia” em vez de “pilha”. Aliás, o guineense mal pronuncia "lh", por exemplo a palavra "deu-lhe", pronunciamo-la "deu-li". 

Em vez de “tc” proponho o tch”, por se se encontrar popularizado e por temos vários nomes próprios exclusivamente guineenses, com esse fonema, escritos por “tch”, como Tchico, Tcherno, Bitchofola, Tchotchi ou Tchutchu.

CÓDIGO DA PRONÚNCIA


guineense
português
pronúncia
A
aza; ama
asa; ama
asa; ama
B
baka; baldu
vaca; balde
baca; baldo
C
nomes e estrangeirismos


D
dedu; dadu
dedo; dado
dedo; dado
E
erva; pe (lê-se sempre como na palavras “erva”)
erva; pé
erva; pé
F
foli; faka
fole; faca
fole; faca
G
galu, gera (lê-se sempre como na palavras “galo”,  exceções para nomes como Guiné, Gino, entre outros).
galo; guerra
galo; guerra
H
nomes e estrangeirismos


I
iagu; intidu (o “i” no final da palavra não é tónico)
água; inteiro
iago; intido
J
jelu; gaju
gelo; gajo
gelo; gajo
K
kuadru; saku
quadro; saco
quadro; saco
L
lestu; kabelu
lesto; cabelo
lesto; cabelo
M
marka; sumu
marca; sumo
marca; sumo
N
nada; tensu
nada; tenso
nada; tenso
O
ovu; po (lê-se sempre como na palavra “ovu”)
ovo; pau
ovo; pó
P
puti; premiu
pote; prémio
pote; prémio
Q
nomes e estrangeirismos


R
ratu, tera (não existem r dobrado em guineense, “um carro caro” é sempre “um karu karu). Mas pode ler-se com “R” que ninguém se rala.
rato; terra
rato; tera
S
sapatu, kabesas, pasensa (pronuncia-se sempre como no “sapato” e todos os sons “s” são sempre representados por “s”, com algumas excepções - ver nota 1)
sapato; cabeças; paciência
sapato; cabeças; paciência
T
tampu; sertu
tampo; certo
tampo; certo
U
untu; tampu (o “u” no final da palavra não é tónico”
unto; tampo
unto; tampo
V
vidru; nervu
vidro; nervo
vidro; nervo
W
nomes e estrangeirismos


X
xatu; caxa (todos os sons “ch” serão representados por “x” e “x” representa apenas sons “ch”, salvo exceções)
chato; caixa
chato; cacha
Y
nomes e estrangeirismos


Z
zinku; vazu (todos os sons “z” são sempre e unicamente representados por “z”)
zinco; vaso
zinco; vaso
NH
prenhada; nhambi
grávida; inhame
grávida; inhame
DJ
djimpini; badjuda (como em "Django")
espreitar; rapariga
espreitar; rapariga
TCH
Tchumbu; tcheru (como em "tchau")
chumbo; cheiro
tchumbo; thcero
N’
Lun’a; n’aie (pronuncia-se com o “n” velar nasal, seguido do vogal, como “lunn-ha”, ouvir exemplo)
lua (forma arcaica); rapaz iniciado balanta 
lun-à; n’-aiê

NOTA 1: Nas palavras começadas por "s" e uma consoante ("sp", "st", "sk", entre outros), o "s" pode tomar o som do "ch", devido à diferença de pronúncia existente entre os falantes.  Exemplos: Sporting (aceita-se a pronúncia "sporting" ou "esporting"), stranhu (stranho ou estranho). Para evitar problemas de escrita, sugiro que se aceite dupla grafia, para palavras como estas, quando não são nomes (pelo menos, nestas minhas aulas, aceitam-se): ixkerda ou skerda, ixtranhu ou stranho, ixpertu ou spertu, ixkravu ou skravu, entre outros.



Tal como os dois sistemas referidos, 1987 e 1999, também se dispensa o uso de acentos, servindo, portanto, o contexto como melhor diferenciador. 

E como dito anteriormente, não há nenhum sistema que seja perfeito e que não mereça críticas. Todavia, acho que já tenho aqui uma base ortográfica para prosseguir com as lições de guineense.

E por quê em 42 lições?
Porque o sentido da vida é 42, se não acreditarem cliquem aqui.


25 de fevereiro de 2016

KRIOL I KA PURTUGIS (KRIOL NÃO É PORTUGUÊS)

Luigi Scantamburlo defende o uso do termo “guineense”, no seu livro, Dicionário do Guineense, para referir-se à língua crioula da Guiné-Bissau. Há diferentes línguas chamadas crioulo, só as de origem portuguesa na África temos o crioulo da Guiné-Bissau, o de Cabo Verde (irmão do primeiro) e os quatro de São Tomé e Príncipe. Então, para marcar e mostrar a identidade do crioulo da Guiné-Bissau, Scantamburlo o chamou de guineense e reforça:  a escolha do nome Guineense para designar a língua crioula da Guiné-Bissau, termo já utilizado por Marcelino Marques de Barros em 1897, ajudará a respeitar melhor o estatuto desta língua, verdadeiramente nacional, veicular e inter-étnica, e a evitar a conotação depreciativa que o termo crioulo tem ainda no país e no mundo.

Portanto, vou reforçar, kriol não é português, crioulo é guineense, kriol, ou seja, o da Guiné-Bissau, que é o motivo deste artigo.

Escrevo isto não porque não se sabe que o crioulo e o português são duas línguas distintas, mas porque me irrita sobremaneira alguns doutos afirmarem que kriol é português mal falado.

“Nossas pai comprastes embora duas quilómetro amanhã de mar preta” é português mal falado, é uma frase sem concordância gramatical, mas com a devida estrutura frásica (sujeito, predicado, complementos e tal), no entanto é mal falado, tanto na gramática normativa como na descritiva, porque não se entende a mensagem. Mas o facto de ser português mal falado (ou escrito, neste caso), não faz dele kriol.

O kriol é uma língua independente e autónoma. Que teve influências do português… é claro que sim, afinal nasceu dele, mas todos sabemos que um filho não é o pai mal formado. Aliás dizer que o kriol é português mal falado é o mesmo que assumir que o português, o espanhol, o francês, o italiano são latim mal falado; são apenas crioulos nascidos do latim.

Uma língua é uma ferramenta de comunicação, para ser entendida e entendível é preciso ser corretamente usada, portanto, uma mensagem numa língua mal falada dificilmente se entende e a maior parte das vezes não se entende. O kriol entende-se independentemente do português, e este independentemente do latim, portanto, nem o primeiro é o segundo mal falado, nem esse o latim mal falado. 

O kriol, ou guineense, mantém algumas características do português arcaico, não haja dúvidas, mas evoluiu, involuiu, mudou, alterou-se e tornou-se independente. Tem a sua estrutura gramatical própria, as suas regras, os seus trocadilhos e as suas figuras de estilo e etecéteras. A forma de construir frases em guineense é diferente da do português, o uso dos verbos, dos tempos verbais são distintos entre muitas outras coisas. Pode-se querer mais autonomia e diferença do que isto?

Bem, mais irritante que o grupo que afirma que o guineense é português mal falado é o grupo que diz que o guineense não é língua, é apenas um idioma. Este grupo pretende com isto que o guineense é inferior a português ou que não tem a sua classe ou a sua importância, e alguns até vão mais longe e asseguram aos aprendizes do guineense (kriol): não tenhas medo de falar 'criolo', 'criolo' não tem regras, não tem gramática.

Deus do céu!, guineense tem gramática e tem regras, toda e qualquer língua do mundo tem gramática (as regras fazem a gramática, a gramática faz a língua), desde o inglês, passando pelo klingon e o dothraki, até ao tatatatatá dos bebés (ok, este talvez não possua uma gramática normativa). Sem uma gramática numa língua não há entendimento possível, e gramática não quer dizer o livro, mas o grupo de regras que sustenta a língua. E idioma é a língua de uma nação; por exemplo, na Guiné-Bissau, o idioma, oficial, é o português, embora o guineense seja mais representativo, enquanto que fula, pepel, balanta, mandjaku, entre outras, são apenas línguas, chamadas errônea e frequentemente de dialetos.

E se económica ou politicamente o português tem mais importância que o guineense, linguisticamente, têm a mesma importância. 

No entanto, fecho este artigo observando que já está mais que na altura de formalizarmos a escrita e a gramática guineense e elevarmos o guineense ao patamar da língua oficial, porque verdade seja dita, é melhor falarmos e escrevermos sem medo e sem entraves uma língua que conhecemos bem, do que andarmos a falar e a escrever tristemente o português (o facebook está aí para provar que não estou a fazer má-língua... e por favor, não confundir má-língua em português com língua mal falada e isso com kriol).

22 de novembro de 2015

CASAL GAY DEVE ADOTAR?

Esta pergunta pode ser capciosa, mas fi-la desta forma para ser diferente desta, casal gay pode adotar?, que já aqui tinha feito. 

Para responder à pergunta eu digo: nenhum casal deve adotar, seja hétero, seja gay, a não ser que se sinta na condição de o poder fazer. E digo ainda mais: nenhum casal deve procriar a não ser que se sinta na condição de o poder fazer… e não me refiro à condição biológica, porque qualquer idiota consegue gerar um filho.

Ao discutir com a mesma pessoa que me levou à reflexão que manifestei no antigo atrás supracitado, descobri alguns argumentos contra a adoção para os casais gays, nada novos, no entanto, colocados com aquele hipócrita apelo à lógica e ao consenso. Ei-los:

1. A vida é feita de escolhas e cada escolha tem a sua consequência: a lei de causa e efeito. Os gays escolheram ser gays, portanto que façam a vida deles em paz, sem arrastarem para o seu mundo as crianças. Porque se um gay criar um filho é mais certo o miúdo ser gay, tal como os pais católicos criam filhos católicos, os muçulmanos, muçulmanos, e por aí além. Deve ser dada liberdade total aos gays para viverem, casarem com quem quiserem, mas adotar está fora de questão, porque isso é o equivalente a tirar a liberdade às crianças de terem uma família normal. O que se encontra em questão aqui não são os gays, mas as crianças.

2. Se os gays quisessem realmente ter filhos, não se casariam entre si, porque não pode existir reprodução senão através de sexos diferentes. Se a natureza criou homem e mulher, e só através dessa união pode resultar descendência, ao se juntarem, os gays automaticamente excluem a hipótese de procriar e, portanto, não devem adotar. Se quisessem filhos, casassem com alguém do sexo oposto. Cada escolha tem a sua consequência.

Eu identifiquei nestes argumentos os seguintes valores: ESCOLHA, NATUREZA, REPRODUÇÃO e FAMÍLIA. Então aqui vai o meu contra-argumento:

ESCOLHA: Não acredito que a sexualidade seja uma escolha, nem uma questão genética – não acredito que haja gene gay, mas se houver gene gay, como podemos maltratar pessoas por causa de genes que nem sequerem puderam escolher? Acredito que a sexualidade seja uma construção social com qualquer outra, que ocorre sem percebermos como. Se ser gay fosse uma escolha, considerando toda a violência e todo o preconceito que sofrem, não parece mais lógico que escolheriam ser heterossexual?
 
Quando falei da discriminação sexual e usei o racismo como termo comparativo, a mesma pessoa disse-me que essa comparação era idiota porque ninguém escolhe como vai nascer (Michael Jackson escolheu ficar branco por causa do racismo e ficou tão branco que acabou por ter apenas filhos brancos - o poder da escolha). No entanto, a questão da discriminação não está em alguém escolher como nascer ou não, mas em não poder ser o que é (acidente) ou não poder ser o que quer (escolha) porque os outros não o deixam ser.
 
A sexualidade de alguém não agride aos outros, não faz mal a ninguém, por isso, nesse caso, as pessoas deviam ser deixadas em paz para usufruírem da sua sexualidade sem nenhum problema. Quando a sexualidade envolve atos criminosos (pedofilia, necrofilia e outras parafilias perigosas), sim, acredito que essa pessoa tem de ser responsabilizada (atenção, não estou a dizer maltratada e discriminada), mas esses problemas não são homossexuais, como muitas vezes nos tentam fazer crer, mas estatisticamente heterossexuais.

Volto a remarcar: a sexualidade não é uma questão de escolha. Ou acreditam que as pessoas são masoquistas e adoram ser discriminados e ainda por cima serem culpados da própria discriminação que sofrem?

NATUREZA e REPRODUÇÃO: Ninguém tem dúvidas de que só a união do feminino e masculino gera filhos, isso é a natureza a controlar a reprodução. Mas nós paramos de deixar tudo na mão da natureza há muitos, mas muitos anos. 

Quando a natureza nos tentava limpar com as doenças e infeções, criamos medicamentos e antibióticos que nos tornaram mais resistentes e mais longevos (sim, não há dúvidas que essas medidas resultaram também por obedecerem a leis naturais, mas a forma como lá chegamos foi por engenho próprio).

Numa época em que a ovelha Dolly já é história e já ninguém se lembra de Louise Brown e os geneticistas já conseguem manipular os genes e praticar eugenia dissimulada, numa época onde as pessoas recorrem ao banco de esperma para terem filhos ou às barrigas de aluguer, não precisando de efetuar sexo para se reproduzirem, não acham que o argumento de reprodução natural já se encontra obsoleto?

A dita pessoa defende que se os gays quisessem filhos não se casariam entre si, porque sabem que dessa forma não conseguirão reproduzir e por isso devem viver com essa consequência e não adotar. Então eu pergunto: e os casais heterossexuais cujo um dos pares é estéril ou ambos são, mas que escolhem casar-se e adotar, não deviam ser também penalizados por terem escolhido uma união que não pode resultar em reprodução direta e natural? Por que só os gays devem ser penalizados?


FAMÍLIA: A família é composta por um pai e uma mãe e não dois pais ou duas mães, é o que defendem. Mas aqui, pergunta-se: qual família? A ocidental, talvez. 

Há famílias compostas por um pai e várias mães, como as muçulmanas ou africanas (atenção, nem todas assim são) e muitas famílias ocidentais, embora não sejam oficiais em nome da lei (mas isso é apenas uma questão moral). Há ainda famílias compostas por uma mãe e vários pais, há famílias de vários pais e várias mães, cujos irmãos não são consanguíneos, por serem apenas meio-irmão do meio-irmão e não deixam de ser família por causa disso. 

Além do mais, eu compreendo que um ocidental diga que a família é pai, mãe e filho, mas não um guineense, porque a família guineense é bastante alargada, inclui tios, tias, primos dos maridos ou esposas destes, inclui meio-irmão do meio-irmão do meio-irmão, inclui sobrinho da neta do cunhado da ex-mulher e prolonga-se num nunca mais acabar de relações. 

O termo madrasta ou padrasto na Guiné só é usado em poucos contextos, geralmente quando a pessoa se separa e volta a juntar-se (e é um termo relativamente moderno), as crianças que nascem de famílias poligâmicas chamam às outras mulheres do pai de "mame sinhu" – pequena mãe, e ao outro companheiro da mãe de "pape sinhu" – pequeno pai, portanto temos crianças com muitos pais e muitas mães.

O próprio Cristo tinha três pais: José (pai adotivo, que o criou, amou e educou), Espírito Santo (pai biológico ou sem-lógica, que entrou na sua mãe e a engravidou) e Deus (que ele depois alega ser seu pai efetivo).

Há crianças de famílias monoparentais que não são criados por pai e mãe, mas por apenas um deles. Ninguém reclama que essas crianças merecem um outro membro e faça leis para obrigar que os seus pais casem com um respetivo membro, então, por que não deixam que a criança em vez de ficar só com uma mãe ou um pai, possa ficar com duas mães ou dois pais? Sem dizer que muitas crianças são criadas com dois pais ou duas mães, embora só um deles seja legalmente pai. Há crianças criadas pela mãe e pela tia ou pelos tios, que os considera, os ama e os respeita como pais e mães, podem ser chamados legalmente de tios ou de tias, mas no coração da criança são pais, porque sente que será protegida e amada por eles. 

Não devia ser a lei a submeter-se ao sentimento derivado do conceito da família e não o contrário: as famílias terem de ser construídas e amadas conforme os ditames da lei?

família poliândrica tibetana 
A família é uma construção social como qualquer outro tipo de agrupamentos humanos. Quem não tiver preguiça e estudar um bocado, vai saber que houve vários e há e haverá modelos de famílias. Usando o livro A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, de Engels, vou simplificar os modelos da família aqui em quatro. 

No primeiro modelo de família, incestuoso, os membros casavam-se entre si, pais, mãe, filhos, sobrinhos e sobrinhas, reproduzindo-se conforme conseguissem, porque na altura a sobrevivência da espécie era o fundamental e era preciso pôr na terra mais gente possível, para compensar os que morriam e morreriam de doenças ou de outros predadores. 

No segundo modelo de família, matriarcal e poliândrica, as mulheres, reprodutoras, tinham quantos homens quisessem e pudessem e tinham a merecida importância, porque eram elas que mantinham os agrupamentos coesos e organizados, enquanto os homens iam à caça (modelo questionado com as recentes descobertas de que as mulheres afinal eram também tão caçadoras quanto os homens). 
família poligínica americana

O terceiro modelo da família, patriarcal e poligâmico, nasceu com a propriedade privada. Os homens começaram lavrar a terra e a criar gados e serem mais individualistas, sendo eles donos das terras e dos gados e não sabendo que filho da sua mulher era dele, inverteram os papéis, começando eles a casarem-se com várias mulheres para terem a certeza que o herdeiro é mesmo seu filho - o tal gene egoísta. 

O quarto modelo, patriarcal e monogâmico, que hoje impera, nasceu muito tempo depois e foi popularizada e imposta na sociedade ocidental pelo cristianismo.

Com isto vê-se que a família é um conceito que evolui conforme os tempos e as circunstâncias e não tenham dúvidas que houve sempre atritos durante a transição entre os modelos acima citados, mas se aprendemos que a mudança é necessária, por que razão ainda vamos utilizar como argumento um modelo fixo de família e dizer que é o modelo natural, quando é mentira, para impedir os homossexuais de terem a sua própria família?

Há aqueles que se opõem aos homossexuais e a tudo relacionado com isso por motivos religiosos, mas sobre isso falarei num próximo artigo, visto que este ficou mais extenso do que inicialmente pretendia. Enquanto isso, vivam e deixem viver (e se for em paz, melhor ainda).

26 de setembro de 2015

VOTO ÚTIL vs GENTE INÚTIL

Não existe o VOTO ÚTIL, apenas GENTE INÚTIL.
Como se não bastasse o apoio eleitoral sistematicamente efetuado pelos médias, com a constante cobertura das campanhas e dos comentaristas que lavam o cérebro do povo, a favor do PS (Costa) e PSD (Coelho), ainda têm agora a cantiga do VOTO ÚTIL para confundir os preguiçosos, os que não querem pensar e gostam de tudo mastigado.

VOTO ÚTIL não se trata de votos não nulos ou não abstentos, não, trata-se de votar no candidato com a maior probabilidade de ganhar, independentemente se o votante concorda com ele ou não. As sondagens dizem que ou é o Coelho ou é o Costa e que os demais partidos são irrelevantes, portanto, está todo o mundo mediático a apelar ao VOTO ÚTIL.

O que acontece é que milhares de pessoas não votam nos partidos que desejam, enganados pelo voto útil, acabando por fazer com que o partido com o qual simpatizam não tenha muita relevância política no parlamento, asfixiando desta forma o crescimento dos mesmos.

As pessoas, por exemplo, têm medo de austeridade e vão votar no Costa para o Coelho não ganhar, e os que desconfiam do Costa, vão votar no Coelho para o Costa não dar à costa.

Não há VOTO ÚTIL, há GENTE INÚTIL. Uma pessoa inútil é aquela que não consegue agir de acordo com o seu pensamento e só faz o que os outros lhe dizem. Ponderem, votem no partido que vos agrade, não caiam na balela do voto útil, porque só serve para eternizar o ciclo vicioso, sufocando os outros partidos que oferecem outras alternativas.

E basta de estupidez. Acredito que qualquer pessoa que apanhe sempre diarreia ao comer num restaurante muda para outro para evitar essa maleita. Então por que razão depois de muitos anos de diarreia a comer nos dois mesmos restaurantes não querem experimentar os outros? Será que acham que vão acabar por ficar resistentes às más comidas e não mais ser incomodados?

Os que querem votar no PSD, votem no PSD, o que querem votar no PS, votem no PS, os que querem votar nos restantes, votem neles, mas não votem pelo VOTO ÚTIL.

Como já disse, não existe o VOTO ÚTIL, mas PESSOAS INÚTEIS.